Uma Simples Declaração
Fanfic por Sanae


Estamos andando mais de três horas, e você não parece estar cansado, caminha logo à minha frente, e vejo seu andar suave, sem olhar para trás, o balançar de seus cabelos, a alvura de sua pele. A noite já avança aos poucos, e o céu, encoberto de nuvens carregadas prenuncia uma noite tempestuosa. Não podemos continuar, e como que ouvindo meus pensamentos, pára a alguns metros de uma casa abandonada, de telhado esburacado e paredes de madeira apodrecida.

“Não é um palácio, mas vale por hoje”.

“Não me importo com o lugar, contanto que fiquemos protegidos da chuva”.

Um único cômodo e alguns farrapos jogados a um canto. E como que nos aguardasse, lá estava dois estreitos acolchoados. Não demorou muito para o ambiente se escurecer por completo, com a chagada da noite. E ficamos apenas deitados, sem muita coisa para se fazer. Mas para mim, olha-lo já é mais que suficiente. E percebo-o me olhando também...

Talvez o seu olhar queira me dizer algo, ou talvez apenas esteja me olhando assim, por pura curiosidade... Ainda é noite, e você continua deitado em seu lugar, me observando. O brilho de seus olhos dissipam a escuridão do quarto, enquanto o som abafado do vento de encontro à janela toma conta do espaço. Estamos a poucos metros de distância um do outro. Eu fecho meus olhos, com medo de continuar olhando aos seus, pois tenho medo de descobrir através deles, o quão iludido estou... Mas ainda sinto seu olhar em mim...

E seu olhar corta-me a carne, e se infiltra cruelmente em meu ser... Sem piedade alguma, para comigo. Está tentando me desvendar... Agora ouço sua respiração, como que irritado por eu ter fechado meus olhos. Não quero participar de seu jogo, não quero me envolver com você...

“Está acordado, Kuronue?”.

Sua maldita voz me faz tontear, quero abrir meus olhos e sorrir em resposta, mas não posso, é tortura demais. Então, finjo continuar dormindo, sem alterar minha respiração. Imóvel como uma estátua, tentando afastar qualquer sentimento mais profundo, que me possa atormentar. Deixe-me em paz!

“Sei que está...”.

E seu murmúrio vaga pelo quarto, acompanhado agora, pelo som da chuva que começara a cair, de encontro ao telhado. Abro meus olhos e detenho-me aos seus. Ainda vejo o brilho dourado, entre a escuridão insistente. Fitando-me...

“Não tem sono, Kurama?”.

“Não...”.

Silêncio.

Por que continua apenas me olhando? Me fazendo ansiar por alguma reação, ver através deles algo em seu interior, algo como um chamado, uma palavra camuflada, talvez duas, que se pronunciasse, me derreteria o coração. E o silêncio continua ao nosso redor...

Parece estar sorrindo, mas não consigo distinguir seus lábios. E eu tento não sonhar, mas você em si, é um sonho... Um sonho real, que quero tocar... Acalentaria seu sono todas as noites, beberia de teus lamentos quando a tristeza lhe batesse a porta, assim como traria cada estrela que brilha na noite, para adornar o mundo ao seu redor... Aprenderia a voar, apenas para leva-lo aos céus, longe dessa vida, longe de todos, onde construiríamos um paraíso, coberto de riquezas sentimentais... Sou ladrão, e queria roubar-lhe o coração... Minha jóia mais cara, meu anseio mais grande...

E você continua a me olhar...

“Maldita chuva”.

“É apenas uma tempestade, logo passa”.

“Posso deitar-me com você?”.

Um calafrio corre-me por todo corpo, e sinto as palavras morrerem na garganta. O vejo se levantar sem esperar por uma resposta, e a silhueta de seu corpo alto e esguio toma forma entre nossos acolchoados. Seria o frio que não sinto, por estar fervendo inteiro? Seu corpo se encosta ao meu e o cheiro de sua pele entorpece os meus sentidos. Seu olhar continua aos meus, ainda mais insistentes, e finalmente posso apreciar seus lábios. Quero beija-lo, sentir seu sabor, assim como sinto sua respiração. Mas o dourado se apaga, ao serrar de suas pálpebras e você repousa a cabeça em meu peito, pronto a dormir tranqüilo. Era apenas isso que queria? O calor de um corpo para aquece-lo neste frio?

Vejo o vagar das horas, através da claridade que aos poucos começa a adentrar pelas frestas da janela, correndo lentamente pela parede, anunciando o fim da tempestade e o começo de mais um dia corrido. Meus olhos se negaram a fechar, como se fosse meu dever, zelar seu sono, guardar sua vida... E permaneci acordado a noite toda. Contemplando e sentindo, o quanto é bom tê-lo em meus braços...

“Hora de levantar, Kurama”.

“Você está cansado, durma um pouco”.

“Me sinto bem...”.

“Descanse, que agora, eu guardarei seu sono...”.

Seus olhos voltam a se abrir, e a me fitar. Ainda tenho a impressão, de que você quer me dizer algo, através deles... Algo que não sei ao certo o que seja, mas daria a vida, para ser, aquilo que tanto anseio.

A tempestade volta a cair, ainda mais impiedosa, e as goteiras invadem o abrigo, inundando parte do quarto. Acho que até os deuses, estão contra mim, pois não permitem que eu aprecie durante mais alguns minutos, o semblante mais amado... E o vejo se levantar irritado, caminhando em direção à porta, me deixando para trás. E a única coisa que consigo fazer, é acompanha-lo às pressas, como se pudesse desaparecer de minha vida, me deixando solitário nessa jornada... Vejo seu caminhar suave, debaixo da tempestade, seu corpo todo molhado e você pára a alguns passos de distância. Sinto meu peito doer, vendo-o assim, tão disperso, querendo proteger-lhe da chuva.

“Kuronue...”.

Prendo a respiração, como quem aguarda uma sentença, mas meu corpo estremece, como se finalmente, poderei ouvir, o que há muito tempo, seu olhar me diz.

“O que eu represento, para você?”.

“Você é especial, Kurama...”.

“Especial como?”.

Inspiro profundamente, sentindo que esta era a hora certa de dizer, mesmo que seja em vão, é necessário dizer... Ninguém sabe o dia de amanhã, e talvez, eu já não esteja aqui, para declarar-me, como sempre pensei fazer.

“Você é a única flor em meu jardim... E eu não preciso de mais nenhuma... Kurama”.

Vejo seu rosto se virar para mim, e contemplo seus olhos, a me fitar insistentes, e um sorriso toma seus lábios. Seu chamado é delicado, ao estender-me a mão.

“Então, não deixe que ela morra...”.

“Te amarei a cada instante... Este é o único alimento, que posso te oferecer”.

Mas foi no dia seguinte, que descobri que não pude dar o suficiente para sua vida, e de teus olhos, vi lágrimas escorrerem, assim como ouvi de teus lábios, a súplica e o desespero de ser abandonado. Enquanto meu sangue banhava a terra, minha maior dor era vê-lo sofrer...

“Não me deixe... Sua mão é a única que pode tocar em minhas pétalas, assim como seu amor é a única fonte vital que necessito! Por favor, não me deixe...”.

“Sinto muito, Kurama...”.

Via seus olhos, e sorri. Pois pude confessar-lhe, aquela simples declaração... E o mais importante, é que tive a grandiosa correspondência desse afeto. Uma declaração, que lia de seus olhos há muito tempo, mas apenas não compreendia, apenas tinha medo de acreditar.


Fim






Novembro/2003

kimsanae@hotmail.com


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