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Doutrinação e Subordinação
A sabedoria, porém, lá do alto, é primeiramente pura; depois pacífica, indulgente, tratável, plena de miseri-córdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento.
¾ Tiago 3:17, Almeida Revista e Atualizada.
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MA CARACTERÍSTICA comum dos movimentos de massa, em geral, é que eles expressam forte interesse no indivíduo e nos interesses do indivíduo. Eles produzem, porém, paradoxalmente, a subordinação do indivíduo, o desestímulo ao pensamento individual. Exorta-se à conformidade e à uniformidade como coisas vitais ao êxito do movimento, seu progresso e crescimento. O indivíduo só tem importância quando contribui para o êxito do movimento. Todos os interesses e todo o pensamento devem se subordinar a este alvo.
A Sociedade Torre de Vigia tem feito declarações vigorosas sobre a subordinação e a doutrinação ¾ de dois modos diferentes. Um é com respeito à informação vinda de fontes externas. O outro é com respeito a aceitação da informação que ela mesma provê. Este padrão desigual conduz a um paradoxo como o descrito acima.
Nos infames campos de concentração, como nos campos de trabalho e prisões, e em face de outras formas de perseguição, as Testemunhas de Jeová têm mostrado forte resistência à doutrinação política. Tendo vivido pessoalmente em períodos de intensa agitação e pressão públicas, turbas violentas e situações de perigo de vida, e tendo testemunhado como é a vida sob um governo ditatorial, não duvido da intensidade da devoção das Testemunhas de Jeová em geral ao enfrentarem estas situações desgastantes. Eu sei como me senti e creio que sei como se sente a maioria delas em tempos de provação.1 Note, porém, que o trecho citado pela Sentinela acima traz o ponto válido de que outros, além das Testemunhas de Jeová, podem mostrar e têm mostrado resistência à lavagem cerebral com êxito comparável, incluindo “soldados bem doutrinados e treinados.” Portanto, trata-se muitas vezes do caso de uma doutrinação contra a outra. Às vezes, podem ser ambas de origem política ou nacionalista, ou podem ser ambas de natureza religiosa, ou talvez idéias provindas de uma destas fontes sejam lançadas contra idéias originadas de uma das outras.
A mera capacidade de resistir, pois, não garante que a força da resistência flua necessariamente de convicções bíblicas quanto a certas ações serem corretas ou erradas. Pessoas tanto no passado como no presente dispuseram-se a sofrer severas provações enquanto apegavam-se a crenças bem diferentes e às vezes opostas às das Testemunhas de Jeová. A história mostra momentos em que pessoas estiveram dispostas a sacrificar suas vidas para serem obedientes a uma certa liderança, mesmo que a sóbria reflexão mostrasse que essa liderança estava bem distante do exemplo de Jesus Cristo. A base para as crenças da pessoa, o meio pelo qual ela veio a ser governada por essas crenças, devem ser o fator determinante quanto a se a resistência é realmente fruto do genuíno cristianismo ou não.
Considere brevemente o que disseram as revistas Sentinela e Despertai! sobre doutrinação, persuasão de massas e lavagem cerebral, e sobre os meios de contrapor-se a estas. O número de 15 de junho de 1956 de A Sentinela (em inglês) destacava estes pontos interessantes e válidos (páginas 358, 359):
Observe a admoestação de “provardes a vós mesmos.” [Romanos 12:2, NM]. Se puder provar a si mesmo, com a Bíblia, os pensamentos de Deus que adotou, nenhuma lavagem cerebral os varrerá de sua mente. Não basta saber em que você crê: saiba por que você crê.
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Um artigo na NewYork Times Magazine, de 9 de maio de 1954, analisava as técnicas comunistas de lavagem cerebral e concluía: “Existe apenas uma forma de imunização contra o ataque totalitário às convicções humanas.” Comprovou-se que esta única maneira é possuir profundas convicções e perfeita compreensão de suas crenças. Do contrário, dizia o artigo, você “tornar-se-á uma vítima fácil e colaboradora, uivando com os lobos nas florestas.”
Exorta-se o verdadeiro cristão a ter profundas convicções. Esse tipo de convicção não é algo que se consegue com base num grupo, ela deve ser obtida pelo indivíduo através de reflexão, estudo e conclusões pessoais. A exortação inspirada de “provardes a vós mesmos” a vontade de Deus, requer claramente esse tipo de reflexão pessoal.
Mais adiante, este mesmo artigo diz:
Geralmente, acreditamos no que queremos acreditar, e uma coisa em que gostamos de acreditar é que pensamos por conta própria. Desta forma, não é muito difícil para os propagandistas espertos fazer-nos pensar que os pensamentos deles são nossos. Eles plantam e regam o pensamento, mas fazem-no tão sutilmente que pensamos que é nosso. ¾ 2 Cor. 4:4, NM.
“Para que não sejamos sobrepujados por Satanás, pois não desconhece-mos os seus desígnios.” Temos de conhecer os truques espertos dos propa-gandistas. Estes são muitos, mas para mencionar um, os rótulos indesejáveis são colados em qualquer coisa a que eles se oponham.... Mas ser empurrado por tal pressão social, dirigido e manobrado pelo medo dos rótulos, é mostrar imaturidade patética, incapacidade de pensar por si mesmo, falta de convicções inteligentes.
Deixar de pensar por si próprio, ser influenciado por pressões e rótulos desagradáveis é “mostrar imaturidade patética,” diz a matéria. Que os editores desta informação sejam os mesmos que fizeram a expressão “pensador independente” tornar-se um “rótulo indesejável” entre seus próprios adeptos pode parecer incrível, mas foi isso que aconteceu. A Despertai! de 22 de fevereiro de 1979 trazia um artigo intitulado “Pensam os outros por você?” e expunha os seguintes métodos dos propagandistas (páginas 3 e 4):
Pensam os outros por você?
A propaganda tem poder.
Será que o domina?
Ou pensa por si mesmo?
A EDUCAÇÃO lhe ensina a pensar. Os propagandistas lhe dizem em que pensar. Os verdadeiros educadores apresentam todos os lados de uma questão e incentivam a discussão franca. Os propagandistas martelam com afinco seu conceito e desencorajam a discussão franca. Muitas vezes, seus verdadeiros motivos ficam ocultos. Manuseiam os fatos, relatam os favoritos e escondem os outros. Distorcem e torcem os fatos, especializam-se em mentiras e meias-verdades. O alvo deles são suas emoções, e não suas faculdades de raciocínio lógico. Muitos se tornam presas fáceis, porque não se exige esforço para sentir, ao passo que refletir é trabalho árduo. E o propagandista se certifica de que sua mensagem pareça sábia, correta e de boa moral, e lhe dê um senso de importância e de pertencer a um grupo, caso a siga. É um dos espertos, não está sozinho, está confortável e seguro — assim dizem.
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A tirania da autoridade, a zombaria, os nomes feios, as difamações, os desdouros, as indiretas pessoais — todas essas táticas são empregadas para assaltar-lhe a mente e tomá-la por um ataque relâmpago.
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Mas, até mesmo pessoas instruídas, sofisticadas, tornam-se vítimas de um tipo muito injusto e inverídico de propaganda. Este tipo assume um ar superior de rejeição do ponto de vista do oponente, tratando-o como um tanto patético e realmente indigno de atenção. É o tipo a que muitos evolucionistas recorrem a fim de fugir de perguntas que não podem ser respondidas. Não conseguem provar sua teoria. Assim, recorrem a asserções, e zombam de todos que ousarem questioná-las.
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Não provam nenhuma de suas asserções, nem difamações, mas, mediante a tirania da autoridade, pontificam suas opiniões, fazem calar as objeções e intimidam os oponentes. Isso funciona, e gente supostamente inteligente que nada sabe sobre tal teoria crê nela porque “todas as pessoas inteligentes acreditam nela”.
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O leitor deste artigo de Despertai! é instado a não ser seduzido ainda que a informação pareça ser ‘sábia, correta e de boa moral,’ ainda que “lhe dê um senso de importância e de pertencer a um grupo, caso a siga.” A matéria fala enfaticamente em favor da discussão aberta, não deixar a “tirania da autoridade” impedi-lo de pôr a prova a veracidade de tudo. Este, diz o artigo, é o proceder sábio.
Tempos depois, um artigo perguntando “Sente-se atingido pela persuasão em massa?” sugeria estes pontos para a pessoa proteger-se contra ser arrebanhado para o pensamento em massa:
Faz-se a lavagem cerebral com mais facilidade no indivíduo “normal”, mediano. Tal pessoa já está condicionada a aceitar as opiniões dos outros, ao invés de formular firmes convicções próprias. Por outro lado, é mais difícil fazer a lavagem cerebral nos que têm idéias não convencionais e firmes convicções, e que não temem o que os outros pensam.
O artigo continua, alistando cinco modos de resistir à lavagem cerebral:
1. Tenha firmes convicções: Conforme já mencionamos antes, é mais fácil fazer a lavagem cerebral na pessoa facilmente influenciada pelos outros. Não abrace uma idéia só porque seus companheiros a aceitam. Certifique-se de que os pontos de vista que adota sejam verdadeiros. O melhor modo de fazer isto é por compará-los com a Palavra inspirada de Deus que, em última análise, é a “verdade”. ― João 17:17; 2 Tim. 3:16.
2. Descubra a razão: Inadvertidamente, muitas vezes aceitamos certas atitudes sem saber o que há por trás delas. Por exemplo: as pessoas em sua comunidade talvez tenham um conceito negativo sobre certas raças ou grupos étnicos. Mas por quê? Se achar que a razão não é convincente, por que adotar tal ponto de vista?
3. Resista a pensamentos impróprios: . . . é difícil evitar ver, escutar ou senão ter pensamentos impróprios. Temos nós, porém, de saturar deles a nossa mente? Fazer isto afetará adversamente nossos juízos e nossas ações. Quão melhor é resistir aos pensamentos impróprios e dar atenção às coisas que edificam! ― Efé. 5:3-5.
4. Fale a favor do que sabe ser correto: Isto lhe dará oportunidade de testar o que crê e de entrincheirar de modo mais firme em sua vida a verdade. Se estiver convencido da verdade de um assunto, após uma pesquisa cabal, não fique desconcertado pela zombaria dos outros.
5. Viva a verdade: Não procure desculpas para transigir no que sabe ser correto. Lembre-se: se algo for correto e direito, resultará no seu bem. Não se engane por pensar que esteja perdendo algo ou que seja muito restringido por se harmonizar com o que é certo.2
Todos estes artigos publicados pela Sociedade Torre de Vigia encorajam, com apoio da Bíblia, a determinação pessoal quanto à veracidade e o caráter bíblico das coisas ensinadas, do que a pessoa crê. Não defendem a atitude de “abraçar uma idéia” apenas para concordar com a maioria ou com os pontos de vista de determinado grupo. Encorajam a que, de modo pessoal, testemos, pesemos, aceitemos ou rejeitemos. Incentivam o leitor a estar disposto a lutar pelo que crê com a confiança de que está se apegando à verdade, sem transigir, que isto resultará no que é melhor.
Concordo de todo o coração com todos estes pontos. De minha própria experiência como Testemunha, tenho pouca dúvida de que a maioria das Testemunhas de Jeová estejam dispostas a suportar o dissabor da desaprovação ou desdém por parte das pessoas de fora por se apegarem a crenças impopulares. Acho que, em geral, elas são sinceras neste papel não conformista para com os de fora, e são confiantes de que, embora impopulares, esta é a coisa certa a fazer, o proceder que agrada a Deus. Isto aconteceu também no meu caso.
Resta, porém, uma pergunta: Podem as pessoas ser consistentes quando sustentam os bons e sólidos princípios expostos nestes artigos ao lidar com fontes de informação de fora de sua comunidade religiosa específica, enquanto desprezam estes mesmos princípios dentro de seus domínios? Que dizer, também, de uma organização que exorta os membros a aplicar diligentemente tais princípios às fontes externas de informação mas desencoraja, menospreza, e chega mesmo a denunciar aqueles que os aplicam às informações que ela própria fornece?
Quando isto ocorre, que motivo há para crer que a resistência à doutrinação externa e à “persuasão em massa,” é necessaria e genuinamente fruto de profundas convicções que resultam do próprio pensamento da pessoa? Que garantia há de que isto não ocorre no caso de uma doutrinação contra outra doutrinação, e que a recusa da pessoa a se curvar aos “rótulos indesejáveis” e à desaprovação e as pressões por parte dos de fora, não é até certo ponto fruto da ansiedade de evitar “rótulos desagradáveis,” desaprovação e pressões dos de dentro da sua própria comunidade religiosa? Mais importante ainda, o que pensar de uma organização religiosa que exorta as pessoas a rejeitar o engano sutil, a manipulação de fatos e meias-verdades provenientes de outras pessoas se, ao mesmo tempo, desautoriza esta prática quanto aos próprios ensinos? Além disso, que honestidade e coerência há quando tenta-se também impor a lei do silêncio aos que usam sua capacidade mental dada por Deus para discernir tais erros, ao ponto de rotular qualquer discussão desse tipo como “conversa rebelde”? Quão consistente é elogiar o pensamento independente com relação à informação externa, mas condená-lo como sinal de falta de modéstia e humildade qaundo se trata da informação provida dentro da organização?
Parece que as palavras de Jesus quanto a ‘limpar por dentro o copo para que por fora também se torne limpo,’ bem como sua advertência contra assemelhar-se a ‘sepulcros caiados’ que externamente mostram uma aparência, tendo outra por dentro, dão séria razão para preocupações neste respeito.3
Uma ex-Testemunha do Brasil, que servira como “pioneiro especial” e que após muitos anos começou a fazer perguntas sobre certos ensinos da organização, expressou deste modo sua experiência:
Não posso negar que fui e ainda sou influenciado pelos nobres princípios aplicados aos de fora, defendidos na literatura [da organização]. Confiei de todo o coração nesses princípios e acreditei que qualquer assunto seria corretamente considerado pela organização. É doloroso constatar, no fim, que os princípios são apenas parte de um monólogo, como outros tipos de propaganda, que não procuram resposta alguma senão seu próprio eco.4
Pois por suas palavras vocês serão absolvidos, e por suas palavras serão condenados.
¾ Mateus 12:37, Nova Versão Internacional.
· Pense por si próprio; não deixe que outros pensem por você.
· Se você crê em algo, assegure-se de saber por quê, e “se achar que a razão não é convincente, por que adotar tal ponto de vista?”
· “Não abrace uma idéia só porque seus companheiros a aceitam. Certifique-se de que os pontos de vista que adota sejam verdadeiros,” solidamente baseados e apoiados nas Escrituras.
· Não seja “empurrado” a aceitar pela pressão de outros, por medo do que possam pensar e por medo de ser rotulado de modo adverso, assim demonstrando “imaturidade patética.”
· Não deixe que a “tirania da autoridade” “faça calar as objeções” ou o intimidem de testar as declarações feitas por esta “autoridade.”
· Não deixe de falar em favor da verdade, nem procure “desculpas para transigir.”
É razoável que esta exortação publicada seja posta em prática de modo respeitoso, responsável e cristão. O que aconteceria se hoje uma Testemunha de Jeová expressassse a intenção de fazer exatamente o que se declarou acima ¾ dentro da organização ¾ fazendo isto exatamente deste modo respeitoso, responsável e cristão?
Cada homem do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová, e creio que praticamente cada ancião nas mais de 93.000 congregações em toda a terra, sabe que isto quase certamente levaria essa pessoa a ser vista como perigosa, passível de ser desassociada e expulsa da congregação. Como foi amplamente documentado, é exatamente isso que tem acontecido e está acontecendo a cada vez mais pessoas que levam a sério esses princípios.
Contraste estas exortações publicadas sobre o modo de ter convicção genuína com a realidade que existe entre as Testemunhas de Jeová. É razoável que, quanto mais séria a questão, mais importante se torne aplicar este conselho. Como exemplo, a questão do “serviço alternativo” teve conseqüências que significaram prisão por um ano ou até mais, ser separado dos pais e da família, talvez do cônjuge, perda da liberdade para obter os meios de vida que a pessoa tinha, ou de empenhar-se em qualquer outra atividade que a liberdade normalmente permite. Considere, então, o que os membros das comissões de filial de muitos países disseram acerca da questão dos rapazes Testemunhas que se arriscaram a ser presos por rejeitar as provisões governamentais de “serviço alternativo” em lugar do serviço militar. Para recordar apenas algumas declarações:
Bélgica: “Poucos irmãos estão de fato, em posição de explicar com a Bíblia por que se recusam... basicamente, eles sabem que é errado e que a Sociedade o considera como tal.
Dinamarca: “Embora muitos irmãos jovens pareçam capazes de entender os argumentos, refletir neles e explicá-los até certo ponto, nota-se que a maioria dos irmãos jovens, atualmente, segue o exemplo de outros e toma a posição que a comunidade dos irmãos espera deles sem realmente compreender os princípios básicos e argumentos envolvidos, e sem ser capazes de explicar claramente sua posição.”
Espanha: “Quando um ancião discute a questão do serviço substituto com alguém, essa pessoa geralmente aceita [a posição] de que substituição corresponde a equivalência. Mas esta idéia não é costumeiramente compreendida realmente. Em vez disso, é considerada como sendo a opinião da organização, os anciãos a apresentam o melhor que podem e os irmãos lealmente a cumprem conforme sabem que se espera deles. Mas nos parece que muitos irmãos acham nosso raciocínio um tanto artificial.”
Havaí: “Falando de modo geral, os irmãos aqui acham difícil entender os princípios bíblicos que determinam guardar estrita neutralidade. Uma vez que conhecem a posição da Sociedade em tais questões, eles cooperam plenamente, mas não vêem com muita clareza os princípios em que se apoia a nossa posição.”
Noruega: “Os irmãos na Noruega não aceitam trabalho civil sem uma sentença do tribunal, principalmente porque sabem que esta é a norma da Sociedade e eles são leais à Sociedade. Para eles é difícil entender por que é errado aceitar o trabalho civil quando o próprio trabalho não é errado e condenado pela Bíblia. Eles não conseguem fundamentar a posição deles com as Escrituras de modo adequado.”
Tailândia: “Muitos recusaram o trabalho por uma espécie de lealdade ao grupo. Eles não sabem por que razão ou princípio, mas ouviram dizer que certa coisa era errada, e então a recusaram.”
Se as declarações publicadas nas revistas A Sentinela e Despertai! têm alguma validade, quando comparadas com as declarações destes membros das comissões de filial elas claramente indicam que estes rapazes Testemunhas ou são muito vulneráveis à lavagem cerebral ou já são vítimas de doutrinação e persuasão em massa. Muitas centenas e até milhares destes rapazes estiveram na prisão, mas de fato não sabiam por que a posição que tomaram, que os levou a ser presos, teve de ser tomada. Aceitaram uma norma sem ver uma base sólida para esta, deixaram que suas decisões fossem governadas, não pela sólida evidência da Palavra de Deus, mas pela “lealdade ao grupo” e “à organização.” Estas forças são as mesmas que dão tanta eficácia à doutrinação praticada por aquelas que as Testemunhas chamam de organizações “mundanas.” Tiveram de fazer aquilo que seus companheiros faziam e a autoridade (a organização) dizia, mesmo que achassem as razões insuficientes e superficiais. O conceito sobre o “serviço alternativo” que estas pessoas aceitaram não era delas próprias, mas claramente “emprestado.” A preocupação com o que os outros da sua comunidade religiosa iriam pensar, a preocupação com represálias por parte da organização, na forma de excomunhão, certamente devem ter pesado muito na decisão deles, fazendo-os eliminar da mente quaisquer dúvidas e submetendo-se. Estes rapazes Testemunhas compareceram aos tribunais governamentais e declararam-se comprometidos com a posição intransigente de rejeitar o serviço alternativo a menos que fossem antes presos e sentenciados a cumpri-lo por um juiz, achando talvez que isso era fruto da própria convicção deles. Mas sua incapacidade de explicar a razão da própria posição mostra que outros estavam pensando por eles. Recorde as declarações já citadas de A Sentinela:
Geralmente, acreditamos no que queremos acreditar, e uma coisa em que gostamos de acreditar é que pensamos por conta própria. Desta forma, não é muito difícil para os propagandistas espertos fazer-nos pensar que os pensamentos deles são nossos. Eles plantam e regam o pensamento, mas fazem-no tão sutilmente que pensamos que é nosso.
Entendo como se sentiam esses rapazes Testemunhas. Embora a norma da organização seja hoje consideravelmente diferente do que era nos anos 40, vi-me numa posição bem similar quando achei que seria preso.5 Senti as mesmas pressões, pressões de fora da organização e de dentro dela. As pressões de dentro foram bem mais fortes sobre mim, e deixaram-me determinado não só a recusar empenhar-me em luta armada, decisão que foi fruto genuíno de minha própria convicção e que ainda tenho, mas também a rejeitar qualquer tipo de serviço ou trabalho como “objetor de consciência,” decisão que não foi genuinamente minha, isto é, não foi fruto de meu próprio pensamento e conclusões.
Eu pensava que todos os membros do Corpo Governante tinham lido os artigos já citados e os princípios verazes que estes proclamavam com respeito a ter convicção genuína.6 No entanto, quando as declarações feitas pelos membros das comissões de filial acerca da falta de compreensão da norma do serviço alternativo foram trazidos à atenção do Corpo Governante, e embora a maioria do Corpo fosse a favor de mudar a norma, surpreendi-me com a quase completa falta de espanto ou mesmo de preocupação com o fato de que homens estavam prontos a ir para a prisão sem de fato entender a razão, estavam recusando-se a “estar sujeitos às autoridades superiores” nesta questão específica sem real convicção de que tinham base bíblica para “tomar posição contra” estas “autoridades superiores.”7 A evidência de que a “lealdade ao grupo” e principalmente a aceitação cega da norma organizacional estavam tomando o lugar da consciência pessoal ¾ e em alguns casos talvez usando-a como disfarce ¾ não parecia preocupar muito o Corpo Governante e jamais foi tema de destaque em suas discussões. Um membro do Corpo Governante até citou com aprovação as palavras do coordenador da filial da Dinamarca, que a respeito de deixar a questão do serviço alternativo ser decidida pela consciência pessoal, disse: “Estremeço de pensar em deixar estes rapazes exercer sua própria escolha.”8 Isto não revela apenas uma imensa falta de confiança nos jovens das Testemunhas de Jeová ou de confiança na capacidade de a organização tirá-los da condição de bebês espirituais. Também diz, na prática, que a organização devia decidir por eles quanto a tomar um atitude que envolvia uma possível, e até provável pena de prisão, sem eles terem nenhuma verdadeira opção quanto à questão.
Se, como os artigos publicados pela Sociedade professam defender, estes rapazes tinham pensado por conta própria, tinham tomado posição genuinamente apoiados na consciência pessoal, a evidência vinda dos membros das comissões de filial é de que muitos, talvez a maioria, teriam agido de modo diferente da norma estabelecida pela organização. Debaixo desse arranjo, isto teria tido uma única conseqüência: serem declarados “dissociados” da congregação. Portanto, a organização aparentemente acha que os homens não têm idade suficiente, ou não são maduros o suficiente para tomar suas próprias decisões, para refletir sobre suas atitudes e agir segundo sua consciência individual diante de Deus como cristãos responsáveis, mas considera que têm idade suficiente para passar parte de suas vidas na prisão sem saber por quê.
O problema, porém, não está na juventude deles. O que ocorre com estes jovens Testemunhas estende-se à maioria das Testemunhas adultas com relação a diversos outros assuntos ¾ emprego, vários fatores relacionados com sangue, amizades, educação superior e coisas similares. Deve-se recordar que os homens das comissões de filial que escreveram as cartas revelando os fatos já descritos eram eles próprios adultos, e não jovens. Mesmo assim, eles próprios estavam comprometidos a seguir as diretrizes da organização. Estavam dispostos a aplicar em seus países a sanção prescrita de excomunhão aos rapazes que não acatassem a norma decretada.
Como ilustração adicional, considere este assunto que enviaram da Alemanha ao Corpo Governante. Típico de muitos destes casos, trata primariamente de uma Testemunha cujo marido não-Testemunha estava comissionado com as Forças de Ocupação na Alemanha. A carta que segue conta os detalhes:
xxxxxxxxxx xxxxxxxxxx
xxxxxxxxxx
25 de abril de 1979
Sociedade Torre de Vigia
de Bíblias & Tratados
Rua Adams 117
Brooklyn, N.Y. 11 201
E.U.A.
Prezados irmãos:
Em anexo acha-se uma carta que enviaram à irmã XXXXXXXX. Os irmãos também anexaram uma cópia do "Serviço do Reino" de setembro de 1976 [em português, novembro] para dar a ela alguma informação sobre o asssunto em questão.
No mesmo "Serviço do Reino" menciona-se um professor que pode lecionar matemática numa escola pertencente a uma organização religiosa. Parece que isto ainda é visto como uma questão dentro da área indefinida. Depois que isto foi considerado, naquela época, durante nossa reunião de serviço, algumas de nossas irmãs americanas na Alemanha, cujos maridos estão no exército, vieram a nós e perguntaram se elas também poderiam trabalhar sob certas circunstâncias como professoras nas escolas do exército ou nas lojas PX [lojas que atendem famílias de militares].
Queríamos ter certeza e escrevemos uma carta à filial alemã perguntando a este respeito. Os irmãos da filial alemã nos responderam a 26 de outubro de 1976 dizendo que transmitiriam esta pergunta a Brooklyn. Aguardamos a resposta até 22 de março de 1977. Os irmãos nos escreveram que o Corpo Governante em Brooklyn chegou à conclusão de que trabalhar para os "European Exchange Systems" (EES) ou os "Post Exchanges" (PX) não está mais na área indefinida porque a pessoa estaria também sendo culpada de apoiar práticas erradas. Mesmo vender alimentos ou roupas nestas lojas que atendem a necessidades pessoais estaria em relação direta com o exército, sendo, portanto, errado para o cristão, principalmente porque estas lojas ficam sob a supervisão de um general. Assim, nenhuma destas atividades está mais na zona indefinida.
Considerei isto agora com a irmã XXXXXXX, que queria assegurar-se deste assunto e escreveu aos irmãos, com meu conhecimento, que aquilo que os irmãos em Brooklyn decidissem ela queria fazer. Depois que li a resposta para ela, considerei a carta dos irmãos com os outros anciãos e o nosso superintendente de circuito. Todos nós chegamos à conclusão de que ela parece contradizer a carta que recebemos do corpo governante. Embora em sua carta vocês mencionem que ela trabalha para o Departamento da Defesa, escrevem no parágrafo seguinte que não sabem em que tipo de trabalho ela está envolvida. Perguntamos agora se isso tem alguma importância, porque o salário dela é pago pelo exército, como todos os que trabalham em lojas PX vendendo alimentos ou roupas. Se este último trabalho está na área proibida, o mesmo se dá em trabalhar como professor.
Estes tipos de situações foram muito bem tratados pelos anciãos aqui na Alemanha, até que veio o artigo no "Serviço do Reino" sobre o irmão que trabalha numa escola pertencente a uma organização religiosa. Conforme entendemos, esta é uma questão de consciência que ainda está dentro da área indefinida. Daquela data em diante, tivemos de responder a perguntas como: Se um irmão pode trabalhar numa escola pertencente a uma organização religiosa, por que não podemos trabalhar numa escola supervisionada pelo exército? Estamos ensinando apenas matemática, inglês, etc. e não violamos nossa neutralidade. Se o primeiro caso está na área indefinida, por que não o segundo?
Numa assembléia de circuito, um ancião suscitou a pergunta: "Se uma irmã não deixar seu emprego de professora numa escola supervisio-nada pelo Departamento da Defesa, tem ela de ser desassociada?" A resposta clara do superintendente de distrito foi: "Sim".
Depois da carta de vocês para a irmã XXXXXX estamos de novo confusos e apreciaríamos que esclarecessem plenamente o assunto. Aguardamos ansiosos sua resposta enquanto prosseguimos em manter limpa a organização de Jeová.
Enviamos nosso caloroso amor cristão e saudações,
Seu irmão,
[Fotocópia da assinatura]
(O original desta carta acha-se no Apêndice)
Estes anciãos alemães admitiam estar confusos com a norma da organização. Por um lado, era lícito a uma Testemunha ensinar matéria não religiosa numa escola pertencente a uma organização religiosa, mas não ensinar a mesma matéria numa escola para filhos de militares, se a escola fosse mantida ou dirigida por militares.
Já que a Sociedade Torre de Vigia considera todas as organizações religiosas, fora ela própria, como parte de “Babilônia, a Grande,” a grande meretriz de Revelação, e desta forma como opositoras de Deus e Cristo, é difícil entender por que posição tão diferente é tomada com respeito a uma escola mantida pelo Departamento da Defesa, em con-traste com outra mantida por uma organização eclesiástica. Todavia, por alguma razão indecifrável, um emprego é lícito e o outro merece desassociação.
Mesmo que uma Testemunha não compreenda ela deve submeter-se, e esta é a atitude mental cultivada na mente de todas as Testemu-nhas. Note que a Testemunha envolvida é citada dizendo que “aquilo que os irmãos em Brooklyn decidissem ela queria fazer.” Isto é visto como a atitude correta, a atitude “teocrática,” de lealdade à organização de Deus. Está, no entanto, exatamente oposta aos princípios publicados nas revistas da Sociedade já citadas, com suas admoestações contra permitir a doutrinação autoritária e deixar que outros pensem pela pessoa.
Quando os anciãos dizem aqui que continuarão a “manter limpa a organização de Jeová,” o que significa realmente isto? Significa que esses homens continuarão a aplicar com o devido rigor qualquer norma que se ponha em vigor, e que desassociarão qualquer um que não acate a essa norma (por exemplo, alguém que trabalhe em algo que, outrora era classificado como na “ área indefinida” mas que, por decreto organizacional, foi agora transferido para a “área proibida”) Os anciãos podem sentir-se “confusos,” conforme eles mesmos dizem, mas não deixam que isto os impeça de desassociar a pessoa e jogá-la fora como não-cristã. A maior preocupação é ser obediente à norma da Sociedade. Cria-se o sentimento de que ‘se a organização nos diz para fazer isso, não seremos responsabilizados por Deus se estiver errado.’ Essa mesma mentalidade prevaleceu em muitos países e em muitos períodos, entre homens que se excusaram de culpa por sérias injustiças alegando que “estavam simplesmente seguindo ordens de seus superiores.” Até os tribunais do mundo rejeitaram tal desculpa. Quanto mais devem os cristãos rejeitá-la!
Esta preocupação com submissão organizacional pode ter sobre a mente das pessoas um efeito que subjuga e restringe. Isto foi ilustrado numa experiência que me foi relatada por Robert Lang, então superintendente assistente do Lar de Betel na sede internacional. Ele tinha sido transferido para outra congregação na área da cidade de Nova York e contou que numa das primeiras reuniões que assistiu lá, os anciãos vieram a ele em busca de conselho. Parece que uma jovem, irmã de um dos servos ministerais, estava desassociada e ainda assistia as reuniões. Ela tinha um bebê e o trazia ao Salão do Reino num carrinho. O Salão ficava no segundo andar de um edifício e a escada era longa e íngreme. A jovem subia a escada de costas, puxando para cima o carrinho do bebê, com o bebê dentro, à medida que subia. A pergunta feita pelos anciãos era se seria apropriado que o irmão da desassociada a ajudasse a subir a escada! Uns achavam que sim, outros diziam que não, que sendo desassociada ela tinha de ser considerada como se nem estivesse lá. Para crédito de Lang, este disse: “Não sei qual é a regra a respeito disto, sei apenas de uma coisa: se eu estiver por perto quando ela começar a puxar esse carrinho, eu vou ajudá-la! Quando penso no que poderia acontecer se ela tropeçasse e soltasse o carrinho . . .”9
O mais assustador de tudo isto é que homens adultos não sintam que podem se guiar pelos próprios corações e mentes numa situação que tão obviamente requer a bondade humana. A preocupação premente para eles não era o perigo para a vida da criança, mas o que a norma da organização permitia em tais casos. Deram evidência de que se tinham tornado homens emasculados em questão de ética, com respeito ao que é certo e errado.
Isto não foi um caso raro. Em Crise de Consciência, faz-se menção de artigos que escrevi em 1974, que moderavam bastante a atitude para com os que estavam na “condição de desassociados.”10 A designação para escrever estes artigos resultou de casos de desassociados que queriam assistir as reuniões mas não tinham transporte para chegar ao local de reunião. Um era de uma moça que fora desassociada quando adolescente. Depois ela se mudara para a zona rural. Ela pediu “readmissão,” mas os anciãos a informaram de que ela precisava assistir as reuniões no Salão do Reino para se habilitar. Não havia transporte público e ela não tinha carro. A mãe dela escreveu à sede, mostrando-se preocupada com o perigo que a filha jovem corria caminhando sozinha em estradas rurais, e apelando para que lhe des-sem alguma “dispensa” de modo que os anciãos pudessem ajudá-la.
Na mesma época, chegara outra carta, vinda dos anciãos de uma congregação do meio-oeste. Contava o caso de uma mulher que fora desassociada e que estava então num centro de reabilitação de drogas. Ela também desejava assistir as reuniões, mas só podia deixar o centro se alguém assinasse um termo de responsabilidade por ela, provendo-lhe o transporte necessário. Os anciãos disseram que estavam fazendo isto, e apressaram-se a explicar que quando assinavam o termo eles não falavam com ela, que ela simplesmente entrava no carro, ia com eles em silêncio até o Salão do Reino, sentava-se na parte de trás do salão e após a reunião entrava no carro e voltava para o centro. Por que escreveram a carta? Porque estavam profundamente preocupados com o que estavam fazendo, de não estarem agindo de acordo com com a norma organizacional em vigor!
Na reunião do Corpo Governante, decidiu-se permitir esta ajuda, e, como dissemos, fui designado para escrever artigos anunciando a mudança da norma.11 No domingo seguinte a esta reunião, fui a Nova Jersey fazer um discurso público. Enquanto estava lá, um dos anciãos locais aproximou-se e me fez uma pergunta. Contou a situação de uma desassociada que morava a vários quilômetros do Salão do Reino e que tinha pedido ajuda para vir às reuniões. Disse que sua situação pessoal não lhe permitia pagar um táxi todas as semanas, e que sem ajuda ela seria forçada a caminhar toda aquela distância. Ele disse que nesse mesmo domingo algumas das “irmãs” da congregação tinham vindo juntas num carro e tinham passado por ela na estrada. Afirmou que quando chegaram ao salão, elas estavam em lágrimas por terem se sentido obrigadas a passar por ela sem parar. Fiquei especialmente feliz de informar a ele que fora tomada a decisão ¾ por aquilo que servia de “Supremo Tribunal” para ele e todas as Testemunhas ¾ de que esta ajuda estava agora permitida.
Mais uma vez, o aspecto trágico de tudo isto é o modo como boas e belas emoções humanas são sufocadas, amarradas e paralisadas pelo domínio e doutrinação da organização. Na realidade, nos artigos de 1974, fui bem além da questão de apenas prover transporte e praticar outros gestos de costumeira cortesia para com os desassociados, moderando a posição em muitos outros setores, especialmente com respeito às relações familiares. Os artigos foram aprovados pelo Corpo Governante antes de publicados. Indicativo da atitude de coração de muitos, talvez da maioria das Testemunhas, é que os artigos foram, de modo geral, recebidos com muito apreço, como algo que refletia mais corretamente a atitude misericordiosa de Deus e Cristo.
Como declarei em Crise de Consciência, no ano seguinte à minha renúncia ao Corpo Governante, A Sentinela de 15 de dezembro de 1981 retomou uma norma para com os desassociados muito parecida com a de antes de 1974. Em alguns pontos, agora é até mais rígida do que a anterior. Alguns anciãos e superintendentes viajantes, lamentavelmente, expressaram satisfação por aquilo que viram como um “aperto” na norma organizacional. E, como vimos no capítulo 11, homens e mulheres deixam-se hoje controlar estritamente por essa norma no modo de tratar outros seres humanos. Quando fazem isso, permitem que sua consciência seja anulada por homens, que sua compaixão seja ligada e desligada à vontade por decreto organizacional. Se a organização viesse a mudar sua norma amanhã, a maioria mudaria com ela. Esta é uma das piores formas de doutrinação.
O que ocorre com a aceitação de normas organizacionais aplica-se também às doutrinas e interpretações bíblicas da organização. É a aceitação quase incondicional destas que de fato antecede e reforça a aceitação relacionada das normas. Ocorre também que a vasta maioria das Testemunhas, inclusive os anciãos, se levassem em conta só a própria Bíblia, teriam sérias dificuldades para apresentar evidências em apoio de uma parte considerável desses ensinos. Os anciãos, todavia, estão dispostos a tomar medidas para desassociar qualquer membro da congregação que faça questionamentos sérios ou expresse discordar conscienciosamente de quaisquer desses ensinos.
O que faz as pessoas deixarem que uma organização suplante sua consciência com o próprio ponto de vista dela, ou que, no mínimo, sobreponha sua “consciência coletiva” à delas? O que faz os anciãos desassociarem pessoas, quando os próprios anciãos podem não estar plenamente convencidos nas mentes e corações de que a posição da organização é necessariamente correta, genuinamente bíblica?12
Tenho me feito essas perguntas quanto a meu próprio proceder passado como Testemunha. Embora os únicos casos de desassociação em que me envolvi pessoalmente como membro de comissão judicativa se relacionassem a atos de clara imoralidade, sei que na maior parte de minha vida como Testemunha, busquei consistentemente sustentar e explicar todas as normas e ensinos publicados. Considero-me pessoa de inteligência mediana e no entanto, durante décadas, estive inteiramente dedicado à plena extensão de tudo que a organização publicava, e podia dizer, como o apóstolo Paulo, que eu ‘fazia mais progresso na minha religião do que muitos da minha própria idade, e era muito mais zeloso’ das opiniões tradicionais da organização.13 Como aconteceu isso? E como acontece com milhões de outras pessoas? Há diversos fatores. Considere um exemplo:
Apreciei a conversa estimulante e a atmosfera dinâmica da reunião. Estas pessoas relacionavam-se bem suavemente umas com as outras como irmãos e irmãs, e sentiam claramente que eram parte de uma só família global. Pareciam muito felizes com suas vidas. Depois de minha depressão no mês anterior, fui revigorado por toda essa energia positiva. Fui para casa naquela noite sentindo a sorte de ter encontrado pessoas tão boas.... estava radiante com a idéia de que... o rumo da minha vida estava agora na única “trilha verdadeira”... o pensamento de que Deus estava trabalhando ativamente para restaurar o Jardim do Éden. Nada mais de guerras, nada mais de miséria, nada mais de destruição ecológica. Só amor, verdade, beleza e bondade...
Identificávamo-nos verdadeiramente com os primeiros cristãos: quanto mais se opunham a nós, mais comprometidos nos sentíamos. Era como se fôssemos o exército de Deus no meio de uma guerra espiritual ¾ os únicos que podiam ir à linha de frente e combater a Satanás todos os dias.
Logo ele foi encorajado a partilhar com outros aquilo que tinha aprendido. Sobre os que responderam ao testemunho dele, diz:
Vemos os crentes como pessoas em busca de Deus, que procuram um sentido espiritual para suas vidas.... Era sempre incrível observar quantas pessoas nesta categoria nos diziam que estavam exatamente orando a Deus para que lhes mostrasse o que Ele queria que eles fizessem de suas vidas. Muitos acreditavam que foram “espiritualmente” levados a conhecer um de nossos membros.
Estas palavras podem ser facilmente ouvidas dos lábios de muitas Testemunhas de Jeová. Podem ser facilmente lidas nas experiências publicadas nas revistas A Sentinela e Despertai! Não são, porém, palavras de uma Testemunha de Jeová. São palavras de Steve Hassan, ex-membro da Igreja da Unificação chefiada pelo líder coreano Reverendo Moon, movimento muitos vezes chamado de “moonies.”14 Em dois anos e meio de associação, ele tornou-se defensor ardente e líder respeitado desse movimento, completamente leal e dedicado à sua missão. Resistiu a todos os esforços de sua família e de outros para tirá-lo daquilo de que ele estava convencido que era “a verdade.”
Depois que um acidente abriu caminho para uma completa mudança de opinião, ele resolveu dar a outros o benefício da visão que teve dos meios pelos quais os seres humanos podem ser levados a entregar a mente e a consciência a um sistema religioso. O livro que ele posteriormente escreveu não trata das Testemunhas de Jeová. Trata principalmente de movimentos que recorrem a métodos óbvios e extremos de doutrinação, inclusive isolamento físico, rituais, cantoria e práticas semelhantes. Há, porém, certos elementos que ele descreve como básicos para o controle da mente, e estes certamente merecem séria reflexão. Considere o seguinte:
Aqueles que se tornam candidatos ao controle da mente não são, na maioria, pessoas “estranhas.” Dos milhares de pessoas a quem falou ou aconselhou, Hassan afirma: “A grande maioria era de pessoas estáveis, inteligentes e idealistas,” “o grande número de membros sinceros e comprometidos que o recém-chegado encontra, provavelmente atraem muito mais um prospectivo converso que qualquer doutrina ou estrutura.”15 Por que permitem, então, que outros dominem seu modo de pensar?
A essência do controle da mente é que este estimula a dependência e a conformidade, e desestimula a autonomia e a individualidade.... [ele busca] minar a integridade do indivíduo ao tomar suas decisões.16
A Sentinela treina as Testemunhas de Jeová para ver o “pensamento independente” como pecaminoso, um indício de deslealdade a Deus e a seu “canal” designado.” Apontando para um elemento adicional de controle da mente, o “controle da informação,” Hassan declara:
....a ideologia é internalizada como “a verdade,” o único mapa da realidade. Tudo o que é bom está corporificado no grupo.... Tudo o que é mau está do lado de fora... nunca há uma razão legítima para sair.... Dizem aos membros que as únicas razões pelas quais as pessoas saem são fraqueza, tentação, insanidade, lavagem cerebral . . . orgulho, pecado e assim por diante.17
Não aprovo o uso indiscriminado da palavra “culto,” hoje tão comum. Como disse alguém, para muitos o termo é um rótulo que colam a qualquer religião de que não gostam. Creio, de fato, que há religiões que, sem serem “cultos,” podem manifestar muitas de suas qualidades. Dos elementos acima apresentados como traços fundamentais das religiões que exercem controle da mente, o fato é que cada um deles está claramente presente entre as Testemunhas de Jeová.
No caso das Testemunhas de Jeová, não há isolamento físico como o praticado por alguns movimentos religiosos (bem como por oficiais encarregados de doutrinar prisioneiros políticos). No entanto, há um isolamento de espécie bem definida.
A organização toma a exortação bíblica de ‘não fazer parte do mundo’ e a aplica no sentido de que as Testemunhas de Jeová devem restringir ao mínimo a associação com os que não são de sua fé, o que, no final das contas, significa todos os que não abraçam os ensinos correntes da organização.18 Tais pessoas “não estão na Verdade,” o que é o mesmo que dizer que estão todas “na mentira.” Todos os não-Testemunhas, não importa quão boas suas qualidades pessoais, não importa quão elevados seus padrões, não importa quão profunda sua fé em Deus, em Cristo e na Bíblia, são “mundanos.” O contato social é aceitável se visa criar oportunidades de “dar testemunho” às “pessoas mundanas”; por qualquer outro motivo isto é desencorajado.
Uma Testemunha pode, em conversa com um vizinho “mundano,” colega de trabalho ou parceiro comercial, iniciar uma palestra sobre tópicos religiosos mas, como sei por experiência, a idéia é sempre “como dar um testemunho à pessoa.” É preciso que a direção da conversa seja uma via de mão única, apenas mão única. Não é para ver se a Testemunha pode aprender algo com a outra pessoa, ou ter um genuíno intercâmbio de pensamento e idéias. Isso, afinal de contas, seria inútil, já que a outra pessoa “não está na Verdade”! Quando a pessoa contatada não se mostra inclinada a concordar com o “testemunho” dado, seja quanto ao significado de 1914 ou qualquer outro tópico, a Testemunha geralmente acha que a conversa está sendo improdutiva e pode muito bem parar. Ergue-se uma barreira mental contra quaisquer comentários que não se harmonizem aos ensinos em vigor na organização. A evidência que possa desmentir algum desses ensinos faz com que a Testemunha reaja de um modo programado: fechando rapidamente as portas de sua mente a tal evidência.
O mesmo se dá em matéria de leitura. Embora as publicações da Torre de Vigia citem freqüentemente, e às vezes liberalmente, todo tipo de publicações “mundanas,” inclusive obras sociológicas, psicológicas e religiosas, cria-se a sensação de que apenas a organização pode fazer isto de modo seguro, e que, especialmente no que diz respeito a publicações religiosas, inclusive os comentários bíblicos, é perigoso para as Testemunhas medianas lerem tais fontes de informação. Não só a mera cautela mas também a desconfiança e a aversão são inculcadas. Evidentemente, a fé desenvolvida pela organização não é vista como forte o bastante para resistir aos efeitos de tal leitura.
De novo, nesta área, há duas mensagens separadas nas publicações da Torre de Vigia, uma dirigida aos de fora da organização, e outra, oposta, aos que nela estão. Os de fora são exortados a questionar suas crenças religiosas, não importa há quanto tempo as tenham. Artigos intitulados “Mente Aberta ou Fechada ¾ Qual Delas Possui?” e “A Mente Aberta Granjeia a Aprovação de Deus” vêm na Despertai! de 22 de março de 1985, e outro intitulado “Aceita Novas Idéias”?, na Sentinela de 15 de janeiro de 1989. Todos são inteiramente dirigidos a não-Testemunhas. O primeiro artigo, na página 3, define preconceito como:
Conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; idéia preconcebida . . . julgamento ou opinião formada sem levar em conta o fato que os conteste.
Reconhecendo que decisões feitas “sem maior ponderação” ou “julgamento formado” sem “levar em conta o fato que os conteste” são evidências de mente fechada, o artigo defende uma “mente aberta” que seja “receptiva a novas informações e idéias,” e disponha-se “a examinar e avaliar informações sem atitude preconceituosa.” Mais adiante ele afirma:
A mente fechada pode ser indício de falta de conhecimento. Talvez saibamos tão pouco sobre certo assunto, ou tenhamos informações tão deturpadas ou incompletas, que nos faltem os fatos necessários a conclusões acertadas . . .
A mente fechada talvez revele falta de interesse no assunto, ou relutância em examinar a questão. Com efeito, poderia ser até sinal de incerteza ou de dúvida. Para exemplificar, se não pudermos defender nossos conceitos religiosos, talvez verifiquemos que atacamos implacavelmente os que questionam nossas crenças, não com argumentos lógicos, mas com termos depreciativos ou com insinuações. Isto sabe a preconceito e a uma mente fechada.... Até mesmo algumas pessoas muito religiosas têm mente fechada. Só estão interessadas em “sua” religião, não mostrando disposição alguma de sequer escutar os conceitos dos outros.
...O que torna uma religião certa é seu total apego à Palavra de Deus. Só podemos determinar se nossa religião se enquadra neste critério ou não por a compararmos, com mente aberta, com a Bíblia.
Parece incrível que os redatores da organização não vejam a óbvia inconsistência entre estas exortações a ter mente aberta, feitas aos “de fora” e a admoestação exatamente oposta dada aos de dentro da organização. A seção “Perguntas dos Leitores,” na Sentinela de 1º de novembro de 1984, página 32, argumenta que é correto que as Testemunhas de Jeová, ao irem às pessoas de porta em porta oferecendo literatura da Torre de Vigia, recusem-se a aceitar literatura religiosa que os moradores visitados ofereçam em troca. Entre outras coisas, declara:
Portanto, as Testemunhas não se dirigem à porta das pessoas em busca da verdade ou de esclarecimento. Em vez disso, já devotaram inúmeras horas para aprender a verdade da Palavra de Deus . . .
. . . as Testemunhas de Jeová não desconhecem as crenças das outras pessoas. Adquiriram conhecimento básico das crenças doutrinais das religiões comuns em sua região.
Portanto, seria imprudente, bem como um desperdício de tempo precioso, as Testemunhas de Jeová aceitarem publicações religiosas falsas, que visam enganar, e se exporem ao perigo delas . . .
Visto que somos cristãos leais, apeguemo-nos às normas de Deus, nutrindo a mente com o que é verdadeiro e justo, e apegando-nos com apreço e lealdade ao instrumento por meio do qual originalmente aprendemos a verdade bíblica.
A mente aberta que se espera dos leitores não-Testemunhas, fazendo-os examinar literatura que oferece conceitos contrários às crenças religiosas deles, é paradoxalmente desencorajado entre as Testemunhas. Os artigos de A Sentinela e Despertai! depreciam a mente fechada e a “atitude exclusivista,” mas em parte alguma esta atitude é mais evidente que entre as próprias Testemunhas de Jeová. As Testemunhas podem dizer que ‘estão informadas sobre outras religiões e suas crenças.’ Mas para a vasta maioria, a informação que têm é somente a que a sua própria organização religiosa acha que deve dar. É uma informação previamente embalada, cuidadosamente editada, geralmente com as conclusões já definidas para elas.
O autor do artigo parece não notar que, se as pessoas cujos lares as Testemunhas visitam para oferecer literatura forem membros de uma religião na qual crêem firmemente e da qual receberam todo o conhecimento bíblico que possuem, estes moradores poderiam usar argumento idêntico para recusar a literatura da Torre de Vigia, rejeitando-a como publicações falsas “que visam enganar,” algo cuja leitura seria “desperdício de tempo precioso.”19 Podem também ter lido publicações da igreja sobre as Testemunhas de Jeová, e assim dizer que “não desconhecem” as crenças delas. Elas seriam, é claro, vistas pelas Testemunhas como pessoas “de mente fechada,” preconceituosas. Decerto aplicam-se aqui as palavras de Jesus, quando disse:
Por que reparas no cisco que está no olho do teu irmão, quando não percebes a trave que está no teu? Ou como poderás dizer ao teu irmão: ‘Deixa-me tirar o cisco do teu olho,’ quando tu mesmo tens uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão.20
A revista Despertai! de 8 de setembro de 1987 traz artigos dirigidos primariamente aos da fé luterana. Um deles foi escrito com base em citações de sermões de Dietrich Bonhoeffer, teólogo protestante executado pelos nazistas. Supostamente, se uma Testemunha na porta de um morador alemão recebesse um panfleto com os sermões de Bonhoeffer, ela deveria lealmente rejeitá-lo como algo cuja leitura seria “imprudente, bem como um desperdício de tempo precioso.” Na sua revista Despertai!, todavia, as citações dos sermões deste pastor protestante, segundo a definição da Torre de Vigia, um membro de “Babilônia, a Grande,” tornam-se algo aceitável, “santificado,” para a leitura das Testemunhas leais.
O artigo faz várias afirmações válidas sobre o conceito depreciativo que alguns teólogos protestantes têm da Bíblia, e outros aspectos em que muitos membros de igrejas se mostram relapsos. Considere, porém, estes pontos vistos nas páginas 8, 10 e 11 (as palavras grifadas são as que o redator da Despertai! cita dos sermões de Bonhoeffer):
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Observe os seguintes trechos tirados de alguns de seus sermões. Pergunte a si mesmo: O que significaria o acatamento das palavras dele para a Igreja Luterana? para a minha igreja?
“Na religião, só há uma coisa de importância, essencial, que ela seja verdadeira.” Isto concorda com o que Jesus disse: “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.” — João 4:24; veja também João 8:32; 14:6; 16:13.
Está seguro de que tudo que sua igreja ensina é realmente verdadeiro?
¾¾¾¾¾¾
Se a Igreja Deixa de Agir,
Agirá Você?
Se, depois de uma pesquisa honesta, não ficar satisfeito diante do que vê, faça mais do que simplesmente queixar-se. Um jornalista, ao comentar a declaração de Karl Barth de que uma igreja é o que são os seus membros, concluiu logicamente: “Os membros da igreja . . . são responsáveis pelo que a igreja diz e faz.” Assim, pergunte a si mesmo: Estou disposto a partilhar da responsabilidade por tudo que minha igreja diz e faz?
¾¾¾¾¾¾
Talvez creia sinceramente que sua igreja não é parte da religião falsa que Deus diz que em breve destruirá. Mas sua vida depende de estar 100 por cento certo. Está?
Para os de outras religiões, coloca-se a verdade absoluta como critério ¾ tudo deve ser “realmente verdadeiro.” Eles devem estar “100 por cento certos” quanto a sua religião. E se não ficarem “satisfeitos diante do que vêem,” devem fazer “mais do que simplesmente queixar-se,” porque eles partilham da responsabilidade por “tudo que [sua] igreja diz e faz.” Com base em tudo que até agora foi apresentado nas publicações da Torre de Vigia sobre lealdade e submissão à organização Teocrática, imagine só o que aconteceria se toda Testemunha seguisse esta exortação de sua religião! Ao invés, ela deve concluir que estas palavras enérgicas aplicam-se apenas a eles e não a nós. Muitas das críticas que o artigo da Despertai! faz ao luteranismo são válidas. Mas essas faltas não tornam certas as posições das Testemunhas de Jeová, seus erros não apagam os erros da Torre de Vigia ou os tornam menos repreensíveis. Incrivelmente, o redator da Despertai! pode citar fontes protestantes, inclusive luteranas, pois elas próprias fazem tais críticas. Estas pessoas podem fazer isso sem ser excomungadas por suas igrejas. Uma Testemunha de Jeová não poderia fazer o mesmo. Quando vê clara evidência de erro, de normas não-bíblicas em sua religião, ela não deve queixar-se, e certamente não deve sair (como se sugere que os luteranos façam em relação a sua religião). Ao invés, ela deve calmamente ‘esperar que Jeová corrija isso no seu tempo devido.’ O que é necessário e correto da parte dos luteranos é ao mesmo tempo errado e desnecessário da parte das Testemunhas. E o mais incrível é que a maioria das Testemunhas (inclusive o autor do artigo da Despertai!) não vejam em tudo isto um critério duplo, não vejam nada de impróprio em dar aos outros uma exortação que não podem aplicar a si mesmas.
A já citada “Perguntas dos Leitores” garante aos leitores de A Sentinela que sua recusa de ler ou mesmo aceitar literatura que os moradores oferecem não é ser “tacanho,” que ¾ longe disso ¾ é “por usar de sabedoria e de respeito para com o conselho de Deus” que tomam esta atitude. Mas o raciocínio jamais toca na verdadeira questão. Embora refira-se a Paulo e sua atitude de falar a verdade intrepidamente, nunca demonstra que ele se recusou a discutir pontos de vista opostos ou defender-se contra as críticas. Pelo contrário, Paulo estava disposto a ser “todas as coisas para pessoas de toda sorte.”21 Ao invés, A Sentinela se apoia no preconceito, no pré-julgamento e no uso de “rótulos desagradáveis” (“publicações religio-sas falsas, que visam enganar,” “escritos venenosos” distribuídos “por causa de ganho desonesto,” comprá-los seria ‘financiar a iniqüidade’) para dar força a suas alegações. Mas, por meio deste artigo, ensinaram às Testemunhas leais que elas não são tacanhas quando incentivam outros a olhar de modo crítico sua religião, enquanto elas próprias recusam-se a fazer o mesmo ¾ e elas aceitam. O canal de Deus falou e isso basta.
A soma da evidência, pois, é que embora não exista isolamento físico extremo, gera-se um isolamento mental muito eficaz por meio da interpretação da organização das palavras de Jesus quanto a não fazer parte do mundo. A comunidade dos crentes fica bastante ilhada e intelectualmente selada em relação a toda fonte de matéria bíblica que não seja a dessa única voz, a da organização. Dizem continuamente a eles que este é o único modo de evitar que sejam enganados. O aparente objetivo é criar um ambiente estéril no qual os conceitos e interpretações da organização possam circular livremente, sem ter de se confrontar com qualquer desafio.
Via de regra, quanto mais tempo na organização, mais concentrados ficam os contatos sociais da pessoa, mais restritas ficam as amizades àqueles da organização. Até os parentes “mundanos,” isto é, os parentes não-Testemunhas, são muitas vezes gradualmente relegados a um relacionamento um tanto frio e distante.
O fato de a pessoa tornar-se parte de uma comunidade exclusiva com apenas contatos limitados, “necessários” com os de fora, é o fator que dá este poder enorme ao decreto de desassociação estabelecido pela organização. Toda a vida social da pessoa está na organização. Quando se está nela há muitos anos, ser desassociado significa ser cortado de praticamente todas as amizades que se tem. Especialmente para os de idade avançada, isto pode apresentar uma perspectiva deprimente devastadora. A situação equivale de perto a das pesssoas dos tempos bíblicos, que eram ‘expulsas da sinagoga,’ visto que a sinagoga era o centro de todo contato social na comunidade judaica.22
Duvido muito que a maioria das pessoas, lendo a própria Bíblia, entenderia as palavras de Jesus sobre não fazer parte do mundo do modo extremo veiculado nas publicações da Torre de Vigia. Não que não exista na Bíblia este conceito exclusivista. Existe. Mas é o ponto de vista assumido pelos fariseus, não o ensinado por Jesus Cristo ou seus apóstolos. Como vimos, o próprio nome “fariseu” significa “separado” ou “exclusivo.” Com seus conceitos extremistas, este grupo religioso buscava separar e excluir de sua associação todas as pessoas que não aceitavam seus ensinos tradicionais particulares e padrões de santidade, vendo a todas elas como “impuras.”23
Jesus Cristo estabeleceu um exemplo bem diferente do destes extremistas e isto os enfureceu. Eles condenaram Jesus e o modo como se associava com outros. Lendo as palavras de Jesus, não só no Sermão do Monte mas em todos os seus ensinamentos, vemos que seu foco primário não era uma série elaborada de interpretações doutrinais, mas um alvo real estabelecido nas Escrituras, seu verdadeiro objetivo e direção, a saber, o amor a Deus e o amor ao próximo. Suas palavras destacam a conduta e as ações que manifestam este amor, e seus apóstolos pediam o mesmo em todas as suas cartas. Quando tratam da necessidade de ser criteriosos quanto a associações, é com respeito a coisas essenciais, não diferenças em coisas mínimas, e definitivamente não em razão de normas, regulamentos, raciocínios e interpretações extra-bíblicos, frutos do pensamento sectário.
Em sua carta aos Gálatas, o apóstolo Paulo trata de fato da questão dos ensinos, dizendo:
Admiro-me que tão depressa abandoneis aquele que vos chamou pela graça de Cristo, e passeis a outro evangelho. Não que haja outro, mas há alguns que vos estão perturbando e querendo corromper o Evangelho de Cristo. Entretanto, se alguém ¾ ainda que nós mesmos ou um anjo do céu ¾ vos anunciar um evangelho diferente do que vos anunciamos, seja anátema. Como já vo-lo dissemos, volto a dizê-lo agora: se alguém vos anunciar um evangelho diferente do que vos anunciamos, seja anátema.24
Incrível como pareça, essas palavras são hoje aplicadas pela Sociedade Torre de Vigia a todos que deixam de concordar e que expressem discordar ¾ não da mensagem apostólica que Paulo pregava no primeiro século ¾ mas dos próprios ensinos atuais dela. Assim, após primeiro citar exatamente estas palavras de Paulo na resposta a uma das “Perguntas dos Leitores,” A Sentinela de 1º de abril de 1986 passa a dizer (página 31):[FOTOCÓPIA]
A associação aprovada com as Testemunhas de Jeová requer a aceitação de toda a série dos verdadeiros ensinos da Bíblia, inclusive as crenças bíblicas singu-lares das Testemunhas de Jeová.
O artigo argumenta que os que não aceitam são corretamente excomungados. Isto significa tirar as palavras de Paulo do contexto, fazendo-as, de fato, significar exatamente o oposto do que dizem. O que Paulo mostra é que há apenas UM evangelho ou boas novas, conforme pregado no primeiro século, não algo que apareceu pela primeira vez numa publicação ou revista do século 20. São as boas novas que qualquer pessoa pode achar em qualquer Bíblia, sem depender de uma publicação da era moderna que a transmita para ela, não algo que não se possa entender sem esta publicação. Não se trata de uma “mensagem especial” de elaboração pós-apostólica, sem a qual a Bíblia é insuficiente, como insinuou o presidente da Torre de Vigia em seus comentários matinais para a família da sede, já citados.25
Segundo o apóstolo, existe uma única mensagem para divulgar, a já pregada por ele e outros naquela época, registrada pelos escritores inspirados da Bíblia, e ninguém, anjo ou homem, tem o direito de trazer outra mensagem senão a que já foi dada, a qual Paulo chama de “boas novas a respeito do Cristo.”26 São as “boas novas eternas,” a “fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos,” e portanto não precisa de ajustes, modernização ou atualização por homens não inspirados de nossa época.27
Os primeiros estágios
Refletindo nos meus quarenta e três anos de associação ativa, não tenho dúvida de que a submissão incondicional entre as Testemunhas de Jeová desenvolve-se gradualmente. Não hesito em dizer que adquiri considerável conhecimento das Escrituras em minha associação ativa com a organização das Testemunhas, bem mais do que tinha anteriormente.28 Ao mesmo tempo, vim eventualmente a perceber que a própria organização fazia as pessoas progredir apenas até um certo ponto. Ela as levava, às vezes, do “analfabetismo” bíblico até o que se poderia chamar de “nível de segunda ou terceira série.” Aprenderam a localizar textos específicos na Bíblia, receberam algum conhecimento da história bíblica, e leram por si mesmos certos ensinos fundamentais diretamente nas Escrituras, o que para muitos foi não só útil, mas impressionou. Se há algo pelo que sou grato com relação a meus quarenta anos de serviço de tempo integral como Testemunha, é que pelo menos voltei para a Bíblia a atenção de pessoas que anterior-mente pouco ou nada sabiam dela. Neste aspecto particular a obra das Testemunhas de Jeová merece elogios, e a falha de muitas organizações religiosas em edificar o interesse na Bíblia merece preocupação. Ao conduzir as pessoas à Palavra de Deus conforme está nas Escrituras, as Testemunhas de Jeová prestam um serviço útil.
Se pelo menos esse impulso inicial fosse mantido e aprimorado continuamente ¾ mas é aí que reside o problema.
Após este progresso inicial no nível de conhecimento, a vasta maioria delas entra num platô. À medida que passam os anos de associação, mais os ensinos da organização predominam sobre o estudo e a meditação das próprias Escrituras. Em conseqüência, após vinte, trinta ou quarenta anos de associação, o conhecimento que muitas, talvez a maioria das Testemunhas, têm da Bíblia, é relativamente um pouco maior que quando tinham um ano de associação. São deixadas como crianças, numa grande dependência da “mãe” organização, e sentindo-se inseguras sem a direção dela em suas mentes e vidas. Seu progresso espiritual estaciona ¾ a menos que elas próprias vão além do “programa” da Sociedade e por meio do esforço pessoal adquiram maior conhecimento e compreensão das Escrituras. Por deixarem que a organização atue como sua consciência, sua força espiritual, em alguns aspectos, é menor na fase posterior da vida do que no período inicial de associação. Podem suportar sofrimentos e até sacrifícios para serem leais à organização, aparentando assim firmeza espiritual. Mas não têm força para tomar decisões genuinamente pessoais de consciência e aceitar as conseqüências dessas decisões.
De início fui atraído pelo apelo ao raciocínio feito em muitas publicações da Torre de Vigia. Visto que estas publicações visavam amiúde incentivar as pessoas de outras religiões a reexaminar e reavaliar, e até questionar, a validade dos ensinos de suas religiões, era mister que estas publicações enfatizassem a necessidade de pensar por si mesmo, pensar de modo independente. No início, as pessoas são regularmente encorajadas a não aceitar ensinos sem primeiro examiná-los cabalmente segundo as Escrituras. Mas o exame se restringe quase totalmente às crenças anteriormente aceitas da pessoa, e só certas destas crenças são submetidas a exame. Ensinos tais como a imortalidade inerente da alma, a crença num inferno de fogo literal e tormento físico ou tópicos semelhantes são o alvo de grande parte do “exame.” A argumentação é geralmente muito bem elaborada nestes tópicos. Por causa disto, a pessoa fica sempre tão impressionada que, à medida que outras coisas são apresentadas ou ensinadas, ela tende a aceitar estas mais ou menos à base da confiança, sem exigir a mesma evidência.
Incrível é que a maioria das Testemunhas fica tão impressionada por estes ensinos inicialmente focalizados da mortalidade da alma, do inferno como sinônimo da sepultura ou da condição de morto, e pontos similares, que elas pensam e falam deles como “doutrinas básicas” das Escrituras, ensinos que constituem o critério para se identificar a única religião verdadeira.
Todavia, não se consegue achar na Bíblia sequer um capítulo dedicado à discussão de tais assuntos. Não é que as pessoas dos tempos bíblicos não tivessem crenças quanto à imortalidade da alma ou um lugar de tormento para os iníquos. A maioria dos povos e das religiões as tinham. Mas os escritores da Bíblia não foram inspirados para fazer do debate ou da refutação destas questões os assuntos proeminentes, fundamentais de seus escritos. Os textos e declarações que se relacionam com estes são apenas casuais dentro da consideração de outros tópicos.
A Testemunha mediana, então, pode sentir-se muito bem equipada para discutir a alma ou o inferno de fogo, mas sente-se bem perdida se lhe pedem para falar, por exemplo, da carta de Paulo aos Romanos e seus fortes argumentos com respeito à salvação pela fé, não pelas obras. Além de um determinado conjunto de textos, usados em apoio aos principais ensinos das Testemunhas, a maioria dos membros teria grande dificuldade em considerar de modo inteligente a maior parte das cartas apostólicas.
Em tudo isto, a organização Torre de Vigia não se empenha em algo de novo ou diferente. Ela simplesmente segue um padrão, padrão comum no passado e no presente.
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Freqüentemente citado é o texto de Amós 3:7, que reza:
Pois o Soberano Senhor Jeová não fará coisa alguma sem ter revelado seu assunto confidencial aos seus servos, os profetas.
O que aí se diz dos profetas é arbitrariamente transferido para os tempos modernos, e as Testemunhas aprendem que o “significado profético [das Escrituras] nos é revelado mediante ‘o escravo fiel e discreto,’ o grupo de cristãos ungidos, que o Amo, Jesus Cristo, usa agora,” e que “Jeová fornece aos seus servos leais conhecimento antecipado sobre o fim deste sistema.”35
Exemplos deste “conhecimento antecipado” acham-se em vários artigos de A Sentinela dos anos 70 e 80 (veja a nota de rodapé).36 Estes utilizam noticiários da época como evidência de que “os acontecimentos que levam à destruição dela [Babilônia, a Grande] já estão em andamento, . . . sim, e mesmo já agora [em 1981] ocorrem eventos que estão preparando o caminho para essa execução” (com os “poderes políticos militarizados” e os “elementos radicais da ONU” apontados como os iminentes destruidores), e que os “prenúncios desse iminente confronto são ouvidos com freqüência nas notícias do dia.” Em apoio, foram feitas citações sobre a hostilidade do comunismo para com a religião. Isto era um “óbvio sinal, persistente.” Dizia-se que o “rebaixamento das águas do rio Eufrates que precedeu a destruição da antiga Babilônia teria um cumprimento moderno por meio do rebaixamento do apoio do povo às religiões do mundo e particularmente da cristandade. Dizia-se que a “tendência geral” era “inconfundível” e, mais uma vez, itens noticiosos da época foram apresentados como “a escrita na parede,” evidenciando que a iminente destruição ocorreria “dentro em breve.”
Agora, no século 21, o cenário mundial alterou-se dramaticamente, a animosidade comunista para com a religião dissipou-se (não com o fim da religião no mundo, mas com o fim do próprio comunismo) e há indícios do ressurgimento do interesse religioso em grande parte do globo. Todavia, garantiu-se às Testemunhas que as predições feitas com base nos noticiários da época eram todas evidências de que Deus revela seus “assuntos confidenciais” a uma organização-profeta da era moderna e que todas elas tinham uma ótima razão para corajosa e confiantemente proclamar este “conhecimento antecipado” da parte de Deus.
Aquele que lê a Bíblia pode ver que os profetas de Deus jamais foram inspirados a falar uma mistura de verdade e erro, suas declarações não precisavam de “edições posteriores,” corrigidas para varrer ou encobrir raciocínios falsos. Onde, então, há algum paralelo real?
A organização busca revestir-se com o impressionante manto de profeta de Deus e exige o respeito que este cargo profético confere. Rejeita, porém, a responsabilidade de acertar que o cargo traz.
Se confrontada com as palavras de Deus em Deuteronômio 18:20-22 acerca da infalibilidade profética, ela ousa descartá-las como não se aplicando a ela em seu papel de “profeta genuíno” e “autêntica classe profética.” Com que direito faz isso? Será que por simplesmente dizer, “Bem, somos todos imperfeitos,” exime-se a organização de que este padrão bíblico do profeta genuíno seja aplicado a ela? Pede a seus adeptos que desconsiderem seus caminhos passados, semeados de predições não-cumpridas e interpretações errôneas agora rejeitadas, e para continuar a depositar fé quase reverente no que ela publica, concedendo-lhe a dignidade, a honra e o crédito devidos a um profeta de Deus. Em vez de sentir-se humilde em face da clara evidência de seu trajetória errática, sinuosa, ela torna-se mais estridente em suas pretensões, mais dogmática em seus pronunciamentos. Será este o proceder de um “profeta genuíno” de Deus?
Hoje em dia, um restante desse “escravo fiel” ainda está vivo na terra. Seus deveres incluem receber e passar adiante a todos os servos terrestres de Jeová o alimento espiritual no tempo apropriado. Ocupam uma posição similar à de Paulo e seus colaboradores, quando esse apóstolo falou sobre as maravilhosas verdades que Deus revela ao seu povo: “É a nós que Deus as tem revelado por intermédio de seu espírito.”
10 Visto que Cristo Jesus é agora o entroni-zado Líder e Comandante de todos os que lutam a favor da verdade e da justiça, nós podemos unicamente ‘aprender por observá-lo’, assim como os 300 aprenderam por observar a Gideão. (Juízes 7:17) Mas, como é que podemos ‘observar’ hoje a Cristo, já que ele é invisível? Nós o ‘observamos’ no sentido de que discernimos os seus sinais conforme dados por intermédio do seu visível “escravo” designado sobre todos os interesses terrestres do seu reino. (Mateus 24:45-47) É por meio deste instrumento designado pelo espírito que suas diretrizes e sua estratégia são comunicadas a todos os seus “soldados”. Estes últimos não se podem dar ao luxo de avançar por conta própria ou de ficar impacientes porque seu ponto de vista sobre as coisas não se realiza. A cronometragem dos assuntos é provida pelo nosso Comandante invisível. O conceito dele é que importa, não os nossos conceitos pessoais.
Nisto a organização faz mais que preencher o papel de profeta e apóstolo. Ela aqui afirma que o que as pessoas vêem nela é o mesmo que observar o próprio Cristo invisível dando sinais. Eles, de fato, parafraseiam as palavras de Jesus, “quem me tem visto, tem visto o Pai,” pois dizem claramente que ‘quem nos observa está observando o Filho.’ (João 14:9)39 Todos sabem o que acontece com o soldado que falha em obedecer as ordens e sinais de seu oficial comandante. Assim, quem pensaria em desobedecer a organização para a qual se pode olhar como se olhasse o “líder e comandante” predito por Jeová?40 Parece quase inacreditável que alguém possa conceber Jesus, como oficial comandante, mandando orientações de forma errática, contraditória e instável, como emanaram da organização ao longo de sua história. Mas somos informados de que o conceito que vem da organização é o conceito do próprio Cristo, ‘estrategicamente cronometrado’ por ele. Se a organização fica atolada por se apegar a uma posição errada durante décadas, temos de estagnar com ela; se ela aponta numa direção errada, temos de tomar o rumo dela. As palavras de Revelação 14:4, “Estes são os que estão seguindo o Cordeiro para onde quer que ele vá,” na verdade se convertem em “Estes são os que estão seguindo a organização para onde quer que ela vá.”
Mediação e intervenção sacerdotais
Isto não termina aí. Este e outros artigos exortam as Testemunhas a ter para com a organização uma atitude semelhante a que se tinha para com Moisés e o sacerdócio de Israel. Os artigos comparam os que divergem da organização aos que se rebelaram contra estes representantes especiais de Deus.41 Parece não importar se a Bíblia mostra que Jesus Cristo apenas, e não um grupo de homens, é o Moisés Maior, o predito profeta semelhante a Moisés a quem todos devem escutar para obter a salvação.42 Tampouco dá-se consideração ao fato de que Ele aboliu a divisão entre classe sacerdotal e classe não-sacerdotal, de modo que ninguém precisa da intercessão de sacerdotes, exceto aquele que é o grande Sumo Sacerdote de Deus, Cristo Jesus.43
A organização apela para uma analogia com Moisés e o sacerdócio aarônico, mas a analogia mostra-se inveraz. Faz a afirmação mas não fornece as credenciais. Deus escolheu Moisés como seu porta-voz e mediador, clara e inegavelmente evidente a todos pelos atos milagrosos que envolveram a escolha e designação de Moisés; e Deus designou diretamente o sacerdócio, acompanhando sua investidura de atos divinos de poder para demonstrar, além de dúvida, a validade da sua designação.44 A organização Torre de Vigia, ao contrário, é apenas auto-designada e auto-legitimada como que merecendo a cadeira de autoridade inatacável que afirma ter.
Quando consideramos que a organização atribui a si própria os papeis de profeta, apóstolo, porta-voz de Deus, representante sacerdotal, encarregado-mor de comunicações do Rei dos Reis e Superintendente de nossas almas, administrador de todos os interesses de Cristo na terra, diretor de toda a sua família ou congregação, parece quase engraçado ¾ não fosse tão trágico ¾ ler este parágrafo no artigo da Sentinela de 1º de dezembro de 1982, página 15:
34 A atitude mental contra a qual devemos nos prevenir é a de ter sobre nós mesmos um conceito mais elevado do que devíamos ter. (Romanos 12:3) Isso poderia levar o cristão a crer que ele tem uma missão especial de Deus, à parte do canal por intermédio do qual Jeová distribui suas verdades e orienta sua família Isso, com efeito, o colocaria numa suposta relação especial com Jeová, que não é usufruída por nenhum outro irmão ou irmã da família. Mas, esse tipo de isolamento pode apenas conduzir à insensatez: “Quem se isola procurará o seu próprio desejo egoísta; estourará contra toda a sabedoria prática.” ¾ Provérbios 18:1.
Como já mostramos, a verdadeira “organização,” o “canal,” é, em última análise, o Corpo Governante. Todas as coisas ditas da “classe do escravo fiel e discreto” e a autoridade a ela atribuída relacionam-se primariamente ao pequeno grupo (atual) dos 13 homens que formam o Corpo. Eles são os beneficiários finais de toda esta auto-proclamação de importância e exigem submissão. Como os membros do Corpo Governante, que, de todas as Testemunhas ocupam uma posição tão obviamente exclusiva, com prerrogativas e poderes que certamente implicam numa grande “relação especial com Jeová, que não é usufruída por nenhum outro irmão ou irmã da família,” que atuam como principal corpo executivo, legislativo e supremo tribunal para todas as congregações da terra ¾ como podem estes homens permitir que estas declarações acima citadas sejam publicadas sem o mínimo embaraço, é algo que não consigo entender. Como é possível que um grupo de pessoas possa “ter sobre si mesmo um conceito mais elevado” do que o evidenciado por atribuírem a si próprios todas as elevadas funções e a autoridade que acabam de ser declaradas? Quando analisado, o parágrafo acima citado é visto, na prática, como se dissesse a todos os membros comuns: “Como podem vocês achar possível ter um relacionamento com Deus igual ao que nós temos?
Vivendo no isolamento
A matéria adverte sobre o efeito desestabilizador do isolamento. De todas as Testemunhas de Jeová, ninguém está mais “isolado” da vida vivida pelas pessoas comuns, mais vulnerável à síndrome da “torre de marfim,” mais protegido de ter suas afirmações e decisões questionadas, de ter de enfrentar e responder diretamente e com provas a seus questionadores, ninguém está mais isolado dos problemas e pressões comuns aos homens de família, assalariados, donos de casa, membros comuns das congregações, que o pequeno grupo de homens que formam o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová.45 As decisões que tomam, amiúde após cerca de uma hora apenas de debate, têm geralmente pouco impacto em suas próprias vidas, mas podem ter efeitos enormes na vida das Testemunhas medianas. Tomam claramente a posição de que estão acima de correção ou instrução por outros além de Deus e Cristo. Conforme disse A Sentinela de novembro de 1952, página 164:
Jeová e Cristo dirigem e corrigem o escravo conforme a necessidade, não nós como indivíduos. Se não entendemos um ponto no princípio, devemos tratar de apreendê-lo, em vez de nos opor a ele, rejeitando-o e assumindo a posição presunçosa de que provavelmente temos mais razão do que o escravo discreto. Devemos prosseguir andando mansamente com a organização teocrática do Senhor e aguardando esclarecimento adicional....
Eles colocam-se assim bem acima de correção ou instrução por parte de concristãos comuns, “por nenhum outro irmão ou irmã da família.” Todavia, advertem descaradamente outros dos perigos de um conceito isolado, auto-importante! É quase jocoso que ¾ em artigos tão cheios de auto-aprovação, auto-louvor e auto-glorificação ¾ a organização simultaneamente acuse de orgulhosos os que consciencio-samente crêem que este louvor e reverência dados a homens devem ser apropriadamente dados só a Deus e a Cristo, e que se assustam com a idéia de humanos assumirem sobre os concristãos um posto de exaltada superioridade, que a organização taxativamente confere a si mesma.
Isto não quer dizer que outros na organização não exerçam certo grau de poder devido a estas alegações. Quando o Corpo Governante, como parte administrativa da “classe do escravo fiel e discreto,” alega falar por Deus e Cristo, torna-se claro que os que falam por ele ¾ funcionários da sede com uma posição administrativa, representantes de filial, superintendentes viajantes, e até anciãos ¾ todos recebem também uma espécie de aura irradiada, que os coloca em posição distinta e numa relação especial com Deus (via Corpo Governante), não usufruída pela Testemunha comum. Estes homens são rápidos em lembrar aos que não respondem à sua orientação, que eles representam o Corpo Governante e assim ‘exercem autoridade sobre eles.’46
Vale a pena rever os métodos utilizados pelos homens do segundo e terceiro séculos para intimidar outros com a importância de sua posição superior, de sua relação superior com Deus e Cristo, como tratamos no capítulo 3 desta obra. Essa revisão deve deixar evidente que o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová não só foi tão longe quanto aqueles primeiros “bispos,” como em muitos aspectos foi até mais longe. Foi só com o surgimento do papado que se fizeram alegações de autoridade eclesiástica exclusiva iguais às publicadas na revista A Sentinela. As alegações do papado relacionam-se à autoridade conferida a um só homem; as alegações da organização Torre de Vigia relacionam-se à autoridade conferida a um pequeno grupo de homens. O papado apresenta-se como “vigário de Cristo na terra,” de fato, gerente designado ou administrador substituto de Cristo. A liderança da organização Torre de Vigia não usa o termo “vigário” mas descreve-se como o único “mordomo” a quem Cristo, desde 1919, designou à “direção e administração de todos os seus interesses na terra.” É uma distinção sem diferença, pois só muda a terminologia. A alegação é a mesma.
Combinado com o programa de doutrinação constante, o resultado final de toda esta postura da organização é a intimidação intelectual. As Testemunhas são constantemente treinadas para achar que devem desconfiar do próprio raciocínio e discernimento quando lêem a Bíblia, que devem desconfiar do próprio coração e de sua motivação, e que, apesar de quão conscienciosamente procuram aplicar a Palavra de Deus, devem desconfiar de que sua consciência seja um guia seguro. Devem depositar sua confiança “na organização.” Devem marchar enfileirados com ela. Deixar-se conduzir por Cristo e pelo Espírito santo numa outra direção seria correr na frente de Deus.
1 Veja Crise de Consciência, páginas __-__.
2 Despertai!, 8 de junho de 1980, páginas 3, 4.
3 Mateus 23:25-28.
4 Augusto Oliveira, em carta de 30 de dezembro de 1987.
5 Minha junta de recrutamento de início recusou meu pedido de ser classificado como ministro, indeferiu minha apelação, enviou ordem para que me apresentasse às forças armadas e eu teria sido levado a julgamento e prisão se a apelação feita às autoridades estaduais e federais não tivesse feito a junta de recrutamento local mudar sua decisão;
6 Pode não ter sido o caso de todos. Numa reunião do Corpo Governante, Milton Henschel mencionou que achava difícil manter-se em dia com os artigos de A Sentinela e que raramente lia a revista Despertai!. Isso pode muito bem ter acontecido com outros.
7 Romanos 13:1-5.
8 Declaração tirada de uma carta de Richard Abrahamson, agora membro da equipe de redação da sede.
9 Para mim, Robert Lang foi um exemplo de um indivíduo que era da espécie que era, não por causa da organização, mas apesar da organização.
10 Veja Crise de Consciência, página ___, inclusive a nota de rodapé 7.
11 Veja A Sentinela de 15 de novembro de 1974, páginas 680-692.
12 Pode-se perguntar também quão diferente é a atitude criada da que prevaleceu durante o regime nazista na Alemanha, quando muitos indivíduos eximiram-se de seus atos como simples obediência a autoridades superiores, descartando-se assim da responsabilidade pessoal.
13 Gálatas 1:14.
14 As citações são do livro de Steve Hassan, Combatting Cult Mind Control (Park Street Press, 1988), páginas 13, 19, 24, 42.
15 Combatting Cult Mind Control, páginas 42, 76.
16 Ibid., página 55. Um artigo na Despertai! de 8 de fevereiro de 1966, página 18, diz similarmente: “Contrário à crença comum, é a pessoa ‘normal,’ ‘mediana,’ que pode ser doutrinada com mais facilidade. Tal pessoa é ‘normal,’ porque já está influenciada pela comunidade até o ponto que se adapta a todos os seus padrões sociais, e se comporta somente de maneira ‘aceitável.’ Suas opiniões fixas freqüentemente são copiadas e não provêm de raciocínio intelectual independente.” O artigo afirma que as Testemunhas de Jeová são diferentes nestas áreas. Na maioria dos casos, todavia, elas dão exemplos exatamente do tipo descrito de pessoa.
17 Combatting Cult Mind Control, páginas 61, 62, 84.
18 João 17:14-16.
19 O artigo da revista Despertai! sobre ter a mente aberta traz a ilustração de um homem expressando, no rosto e na mão, uma rejeição decidida. A gravura poderia ser de um católico ou de um protestante rejeitando a literatura das Testemunhas de Jeová que discorda de suas crenças. Poderia igualmente ser uma Testemunha de Jeová rejeitando firmemente a literatura que discorde de suas crenças.
20 Mateus 7:3-5, BJ.
21 1 Coríntios 9:19-23.
22 Confira João 12:42.
23 Mateus 15:1-9; João 9:16; veja também “Fariseus” na publicação da Torre de Vigia, Estudo Perspicaz das Escrituras.
24 Gálatas 1:6-9, BJ.
25 Veja o capítulo 2, páginas __, __.
26 2 Coríntios 2:12; 4:4; 9:13.
27 Revelação 14:6; Judas 3.
28 Isto é verdade, embora eu tenha nascido de pais que já eram Testemunhas.
29 Como pelo menos um indício do grau de relativa importância dada à própria Bíblia, quando há crianças matriculadas na Escola Teocrática, sua designação muitas vezes é fazer esta leitura da Bíblia.
30 Despertai!, 22 de fevereiro de 1979, página 3.
31 A Sentinela (em inglês), 15 de junho de 1956, página 360.
32 O termo grego original para “profetizar” tem de fato o sentido básico de simplesmente “proclamar” ou “anunciar” e pode incluir predições ou não.
33 E pode-se dizer que mesmo quando ela cita profecias diretamente das Escrituras, geralmente é sua interpretação das profecias que ela proclama ¾ uma interpretação que muitas vezes mostra-se equivocada.
34 Veja o livro “Santificado Seja o Teu Nome,” páginas 335-338. O livro Revelação ¾ Seu Grandioso Clímax Está Próximo!, página 166, fala em tom similar que as “ardentes mensagens de julgamento” proclamadas pelos representantes da Torre de Vigia no período de 1914-1918 foram “prefiguradas pela obra profética de Moisés e de Elias.” Apesar disto, essas “ardentes mensagens de julgamento” não são atualmente vistas como importantes o suficiente para mantê-las ainda que impressas.
35 A Sentinela, 15 de janeiro de 1985, páginas 21, 22.
36 Veja A Sentinela, 15 de janeiro de 1985, páginas 22-24; 15 de abril de 1981, páginas 17-23; 15 de julho de 1977, páginas 424-428.
37 A Sentinela de 1º de junho de 1968, página 332, pedindo submissão à organização visível, declara que “temos de estar em pleno e completo acordo com toda fase de suas normas e seus requisitos apostólicos.”
38 Como bem explica John R. Scott em seu comentário aos Gálatas: “[Os apóstolos] foram pessoalmente escolhidos, chamados e comissionados por Jesus Cristo, e autorizados a ensinar em seu nome.... Não pode, portanto, haver sucessão apostólica, senão a lealdade à doutrina apostólica do Novo Testamento. Os apóstolos não tiveram sucessores. Dada à natureza da questão, ninguém poderia sucedê-los. Eles foram únicos.” (John R. Scott, Only One Way [Intervarsity Press, Leicester/Downers Grove, 1968], página 13.)
39 É verdade que em Lucas 10:16 Jesus diz: “Quem vos escuta, escuta a mim.” Essas palavras, contudo, foram dirigidas a setenta discípulos que levavam a mesma mensagem do evangelho que ele tinha pregado, não uma mensagem elaborada por eles próprios. Uma coisa é falar fielmente as palavras e a mensagem de Cristo conforme preservadas para nós nas Escrituras. Bem diferente é alegar que, por meio de uma determinada liderança religiosa que atua como Corpo Governante, Cristo está agora revelando coisas além das que foram escritas, afirmando ter o apoio dele para todas as diversas regras, as predições relacionadas com certas datas, e as interpretações sempre mutáveis de profecias, aplicando estas a certos períodos ou certos eventos da história da organização. O resultado final é tornar as Escrituras insuficientes, incompletas, precisando da organização para fornecer elementos necessários.
40 Isaías 55:4.
41 Veja, por exemplo, A Sentinela, 1º de dezembro de 1982, páginas 17, 18, e 1º de março de 1983, página 13.
42 Atos 3:20-23.
43 1 Pedro 2:7-9; Hebreus 3:1; 8:1; 10:19-22.
44 Êxodo 4:1-9, 20, 21; 33:7-11; Levítico 8:1-13; 9:22-24; Números 16:1-35; 17:1-10.
45 Diferentes do apóstolo Paulo, nenhum deles tinha feito trabalho secular durante décadas, a maioria durante meio século. Apenas um teve a experiência de criar um filho.
46 Mateus 20:25. Veja também as citações de declarações de representantes da Torre de Vigia e ex-superintendentes viajantes nas páginas ___, ___, ___, ___, ___-___, ___, ___.