O Canal de Deus
Ponham à prova todas as coisas e fiquem com o que é bom.
¾ 1 Tessalonicenses 5:21, Nova Versão Internacional.
Meus queridos amigos, não acreditem em todos os que dizem que têm o Espírito de Deus. Ponham à prova essas pessoas para saber se o espírito que elas têm vem mesmo de Deus.
¾ 1 João 4:1, A Bíblia na Linguagem de Hoje.
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M DESTACADO erudito britânico do século 18, líder religioso conhecido como defensor das liberdades civis e religiosas, fez esta espantosa declaração:
A autoridade é o maior e mais irreconciliável inimigo da verdade e da argumentação que o mundo já forneceu. Toda a sofística ¾ toda a aparência de plausibilidade ¾ o artifício e a astúcia do debatedor mais sutil do mundo podem ser expostos e voltados a favor da própria verdade que pretendiam ocultar; mas contra a autoridade não há defesa.1
Se, de fato, a autoridade tem sido antiga inimiga da verdade, tem sido também antiga inimiga da liberdade, pois a verdade é a primeira fonte da força libertadora, aquela que “vos libertará.”2 Quando forçado a enfrentar a verdade, é na autoridade que o erro encontra sua arma favorita e também seu refúgio final. E com enorme freqüência, a autoridade que invoca não é mais genuína que o próprio erro.
Não importa quanta evidência se apresente, não importa quanto testemunho bíblico se forneça, não importa quanta lógica se utilize em apoio às questões expostas neste livro, todos podem ser rejeitados e descartados pelos que seguem uma determinada autoridade religiosa humana como guia, como intérprete da verdade. De fato, no caso da vasta maioria das Testemunhas de Jeová, toda esta evidência e testemunho bíblico será rejeitado antes mesmo de ser ouvido, pois a autoridade decretou que elas devem rejeitá-lo. Aqueles que estão sob esta autoridade são assim privados de decidir por si mesmos se a informação é verídica ou falsa, benéfica ou prejudicial.
O mesmo se aplica a todos que se submetem a uma autoridade religiosa humana como árbitro supremo do que é certo e errado. Se preferem deixar que essa autoridade decida por elas, fale por elas e pense por elas, nenhum outro argumento ou evidência que se apresente terá chance de ser ouvido, pois “contra a autoridade não há defesa.” A autoridade acha que não tem de responder, refutar ou sequer considerar as evidências apresentadas; ela apenas condena. Esta é, creio eu, a questão básica, e a menos que primeiro ela seja compreendida, pouca coisa poderá ser compreendida. No meu caso, pelo menos, foi assim.
Não existe autoridade maior que os homens possam alegar que a de falar em nome de Deus, nem mesmo a de alegar ser o canal exclusivo de comunicação dele para toda a humanidade. Ocupar tal posição seria, sem dúvida, uma pesada responsabilidade, que exigiria o mais alto grau de humildade da parte de humanos imperfeitos, se é que, de fato, eles foram designados a exercê-la.
Pode-se comparar a um escravo que um rei envia para fazer uma proclamação. Impressionado com a própria importância, falto de humildade, o mensageiro pode sentir-se livre para fazer acréscimos ou ajustes à mensagem, enquanto insiste que todos os ouvintes devem aceitar de boa fé tudo o que ele apresentar como sendo uma ordem real. Se alguém o questiona em algum ponto, ele pode ofender-se e tentar impor-se dizendo ter apoio real, a fim de eliminar quaisquer dúvidas quanto à autenticidade de suas declarações.
Por outro lado, um mensageiro realmente humilde evitaria escrupulosamente qualquer alteração naquilo que veio da fonte real. Não se ofenderia se lhe pedissem provas da plena autenticidade daquilo que disse, nem criticaria os que tomassem medidas para confirmar se a mensagem foi apresentada tal como foi entregue, livre de acréscimos ou alterações. Em vez de reprovar tal investigação como uma abusiva falta de respeito por sua pessoa (um mero escravo), ele a aceitaria e até mesmo a apreciaria, como evidência de preocupação e profundo respeito do inquiridor pela vontade de seu amo, o Soberano.
A Sociedade Torre de Vigia diz repetidamente que sua mensagem tem importância de vida e morte. A organização afirma que sua mensagem foi enviada por Deus, o Soberano supremo, a toda a humanidade, tendo como resultado da desobediência a destruição final. Algumas outras religiões assumem posição similar.
Claro que uma afirmação deste porte jamais deve passar sem comprovação. De fato, a seriedade dela exige não cautela menor, e sim maior, uma comprovação mais cuidadosa. O simples respeito a Deus deve motivar-nos, na verdade, obrigar-nos, a nos assegurar de que a mensagem é realmente Dele, livre de acréscimos ou alterações. Quanto maior nosso respeito a Deus, mais conscienciosos devemos ser na busca dessa comprovação.
Posso garantir que a organização Torre de Vigia encara com a maior seriedade a posição que afirma ter como único canal de comunicação de Deus na terra. Talvez algumas das afirmações mais claras feitas por representantes da organização quanto ao resultado para os que rejeitam sua mensagem tenham surgido num julgamento ocorrido na Escócia, em 1954. Ficou conhecido como “caso Walsh,” e tratava duma Testemunha de Jeová que era superintendente presidente numa congregação da Escócia e reivindicava a condição de ministro religioso. Recordo de, anos atrás, ter escutado pessoalmente meu tio (mais tarde presidente da Torre de Vigia) falar de sua participação nesse julgamento, mas foi só ao ver o registro final do tribunal, em data recente, que me dei conta de tudo que foi incluído nesse depoimento.
Com permissão do guardião de arquivos da Escócia, apresento aqui alguns trechos dos autos do depoimento. Como se pode observar, Fred Franz, então vice-presidente da organização, foi o primeiro no banco das testemunhas, e os autos do tribunal incluem esta informação, com alguns trechos que sublinhei (“P” representa a pergunta feita, “R” a resposta dada):
P. Além destas publicações regulares vocês produzem e publicam vários panfletos e livros teológicos periodica-mente? R. Sim. P. Poderia dizer-me: são estas publicações teológicas e os periódicos quinzenais usados para consideração de declarações doutrinárias? R. Sim.
R. São estas declarações doutrinárias compulsórias dentro da Sociedade? R. Sim. P. É a aceitação delas questão de opção ou é obrigatória para todos que são e desejam continuar a ser membros da Sociedade?
R. É obrigatória.
Segundo este depoimento, todo aquele que quiser continuar a ser Testemunha de Jeová não tem alternativa nem opção senão aceitar as declarações publicadas da Sociedade Torre de Vigia, pela qual Fred Franz falava como representante. A aceitação é “obrigatória.” As conseqüências são indicadas mais adiante no depoimento dele:
P. Quer dizer então que, efetivamente, existirá na terra uma nova sociedade humana em resultado disso? R. Sim. Haverá uma sociedade do novo mundo numa nova terra, sob novos céus, tendo os céus e terras anteriores já passado, após a batalha do Armagedom. P. Então a população desta nova terra consistirá apenas de Testemunhas de Jeová? P. Inicialmente consistirá apenas de Testemunhas de Jeová. Os membros do restante esperam sobreviver a essa batalha do Armagedom, bem como uma grande multidão destas outras ovelhas. A permanência do restante sobre a terra após a batalha do Armagedom será temporária, pois eles devem primeiro terminar sua carreira terrestre, fiéis na morte, mas as outras ovelhas, por meio da contínua obediência a Deus, poderão continuar a viver na terra para sempre.
A aceitação, portanto, torna-se uma questão de vida ou morte, pois os que sobreviverem ao Armagedom consistirão “apenas de Testemunhas de Jeová.” Que dizer do caso em que o membro de uma congregação rejeita certo ensino da organização por acreditar conscienciosamente que lhe falta apoio das Escrituras, e, como resultado, é depois desassociado? Qual é a postura oficial para com as pessoas desassociadas que não obtêm readmissão? Esta postura é explicitada conforme segue no depoimento:
P. E são estes poderes disciplinares de fato exercidos quando surge a ocasião? R. Sim, são. P. Bem, não vou mais fazer-lhe perguntas sobre este aspecto da questão, mas há transgressões tidas como graves o bastante para merecer a expulsão sem esperança de readmissão? R. Sim. O fato é que a excomunhão em si mesma pode levar à aniquilação do excomungado, se esse indivíduo jamais se arrepender e corrigir o seu pecado, e continuar fora da organização. Não haveria para ele esperança alguma de vida no novo mundo, mas existe um proceder que resultaria em excomunhão, da qual pode-se ter certeza que o indivíduo jamais retornará, e este é chamado de pecado contra o Espírito Santo.
O advogado do governo britânico dirigiu depois a atenção para certos ensinos que a organização Torre de Vigia tinha com o tempo rejeitado, inclusive os que envolviam certas datas específicas. O que dizer de alguém que, na época em que o ensino foi estabelecido percebesse o erro e em conseqüência não o aceitasse? Que atitude teria a organização para com esta pessoa? Eis o que revela o depoimento:
P. Não é verdade que o Pastor Russell pôs essa data em 1874? R. Não. P. Não é verdade que ele fixou essa data anterior a 1914? R. Sim. P. Que data ele fixou? R. O fim dos tempos dos gentios ele fixou para 1914.
P. Ele não fixou 1874 como uma outra data crucial?
R. 1874 era entendida como a data da Segunda Vinda de Jesus em sentido espiritual. P. O senhor disse 'era entendida'? R. Isso mesmo. P. Isto foi publicado como um fato a ser aceito por todos os que eram Testemunhas de Jeová? R. Sim. P. E isto não é mais aceito, é?
R. Não. P. O Pastor Russell tirou essa conclusão de uma interpretação do livro de Daniel, não foi? R. Em parte. P. E particularmente de Daniel, capítulo 7, versículo 7, e Daniel, capítulo 12, versículo 12? R. Daniel 7,7 e 12,12. O que o senhor disse, que ele baseou alguma coisa nestes textos? P. A data dele de 1874 como data crucial e data da Segunda Vinda de Cristo? R. Não. P. Como o senhor disse que ele a fixou; entendi que o senhor disse isso, será que entendi mal? R. Ele não baseou 1874 nestes textos. P. Ele se baseou nestes textos, acoplados ao conceito de que a monarquía austro-gótica ocorreu em 539? R. Sim. 539 era uma data que ele utilizava no cálculo. Mas 1874 não se baseava nisto. P. Mas era um cálculo que já não é mais aceito pela diretoria da Sociedade? R. Correto. P. Já que estou correto, estou simplesmente curioso para apurar minuciosamente esta posição: tornou-se obrigação das Testemunhas de Jeová aceitar este cálculo errado?
R. Sim.
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P. De modo que aquilo que hoje é publicado como verdade pela Sociedade pode ter de ser considerado errado alguns anos depois? R. Temos de esperar para ver.
P. E enquanto isso a comunidade das Testemunhas de Jeová fica seguindo um erro? R. Elas ficam seguindo uma interpretação errada das Escrituras. P. Um erro? R. Sim, um erro.
De novo entrou em discussão o grau da autoridade atribuída às publicações da Sociedade Torre de Vigia. Embora, num certo ponto, o vice-presidente tenha dito que “a pessoa não tem de aceitar compulsoriamente,” o depoimento dele daí em diante reverte à posição anterior, conforme vemos:
R. A fim de tornar-se ministro ordenado da congregação ele deve obter entendimento das coisas contidas nesses livros. P. Mas, então, não é o batismo a ordenação da pessoa como ministro religioso? R. Sim. P. Sendo assim, para o batismo, ele tem de conhecer esses livros? R. Ele tem de entender os propósitos de Deus explicados nesses livros. P. Explicados nesses livros e explicados como interpretação da Bíblia? R. Estes livros oferecem uma interpretação de toda a Escritura. P. Mas, é esta exposição compulsória? R. A Bíblia e as declarações relacionadas com ela são analisadas, e o indivíduo examina as declarações e depois as Escrituras para ver que elas são apoiadas biblicamente. P. Ele o quê?
R. Ele examina as Escrituras para ver se as declarações têm apoio nas Escrituras. Como disse o apóstolo: "Examinai todas as coisas; apegai-vos ao que é bom." R. Entendi qual é a posição - corrija-me, por favor, se eu estiver errado - um membro das Testemunhas de Jeová deve aceitar como verdade os textos e interpretações que lhe são dados nos livros a que me referi? R. Mas ele não o faz compulsoriamente, ele tem seu direito cristão de examinar as Escrituras para confirmar que isto é biblicamente fundamentado. P. E se ele achar que as Escrituras não concordam com os livros ou vice-versa, o que ele faz? R. Os textos bíblicos estão lá, em apoio às declarações, é para isto que são colocados lá. P. O que faz um homem se ele achar desarmonia entre as Escrituras e esses livros? R. É preciso que o senhor nos apresente um homem que ache isso, para que eu possa responder, ou ele. P. O senhor quis dizer que o membro individual tem o direito de ler os livros e a Bíblia e formar sua própria opinião quanto à interpretação adequada dos Escritos Sagrados? R. Ele passa a - - -
P. Poderia dizer sim ou não, e depois explicar? R. Não. Quer que explique agora? P. Sim, por gentileza. R. O texto bíblico está lá em apoio às declarações, e portanto, o indivíduo quando olha para o texto e daí verifica a declaração, ele passa então a ter o ponto de vista bíblico do assunto, o entendimento bíblico, conforme escrito em Atos, capítulo 17, versículo 11, que os bereanos eram mais nobres que os de Tessalônica, no aspecto de que recebiam a Palavra com a maior prontidão, e pesquisavam as Escrituras para ver se aquelas coisas eram assim, e nós orientamos a seguir esse nobre proceder dos bereanos, de pesquisar as Escrituras para ver se estas coisas são assim. P. Uma Testemunha não tem alternativa senão aceitar como compulsórias e obedecer as instruções publicadas em ''A Sentinela'' ou no ''Informante'' ou na ''Despertai'', não é? R. Ele tem de aceitá-las.
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P. Há alguma esperança de salvação para o homem que depende apenas de sua Bíblia, quando em sua situação no mundo não é possível obter os tratados e publicações da Sociedade? R. Ele estará dependente da Bíblia.
P. Será ele capaz de interpretá-la corretamente?
P. Não. P. Não pretendo ficar trocando textos bíblicos com o senhor, mas não disse Jesus, ''Aquele que crê em mim, viverá, e aquele que crer em mim jamais morrerá''?
R. Sim.
O depoimento da testemunha, pois, é de que a mensagem que a Sociedade Torre de Vigia publica, como canal de Deus, é o único meio pelo qual as pessoas da terra, no século atual, podem obter entendimento das Escrituras. Deixar de aceitar o conteúdo destas publicações significa incorrer no desfavor divino, a própria morte.
Este, contudo, foi o depoimento de um único homem, Fred Franz, o vice-presidente. Houve dois outros representantes oficiais da sede da organização que foram à Escócia para depor. Confirmou o depoimento destes o do primeiro, com respeito a este assunto? O seguinte no banco das testemunhas foi o conselheiro jurídico da Sociedade, Hayden C. Covington. Seguem suas declarações no decorrer de seu depoimento:
P. Não é vital falar a verdade em assuntos religiosos? R. Certamente que é. P. Há, na sua opinião, margem para que uma religião mude as interpretações dos Escritos Sagrados de vez em quando? R. Há todas as razões para mudanças de interpretação da Bíblia, segundo nossa visão. Nossa visão se torna mais clara à medida que vemos o tempo cumprir as profecias. P. Os senhores já anunciaram – perdõe-me a expressão - falsas profecias? R. Anunciamos - não acho que anunciamos falsas profecias, houve declarações que foram errôneas, é assim que coloco, e equivocadas. P. É uma questão muito vital, na situação atual do mundo, saber, caso esta profecia esteja corretamente interpretada, quando se deu a Segunda Vinda de Cristo? R. Isto é verdade, e sempre nos esforçamos para saber que estamos com a verdade, antes de anunciá-la. Guiamo-nos pelas melhores informações que temos, mas não podemos esperar até ficarmos perfeitos, porque se esperássemos até ficarmos perfeitos jamais poderíamos falar. P. Sigamos um pouco neste assunto. Foi anunciado como um fato, em que todas as Testemunhas de Jeová tinham de crer, que a Segunda Vinda do Senhor ocorreu em 1874? R. Não estou familiarizado com isso. O senhor está falando de algo que desconheço. P. O senhor ouviu o depoimento do Sr. Franz? R. Ouvi o Sr. Franz depor, mas não estou familiarizado com o que ele disse a respeito, quero dizer, o assunto do qual ele estava falando, de modo que não posso dizer mais do que o senhor, tendo ouvido o que ele disse. P. Deixa-me fora disso?
R. Essa é a fonte de minha informação, o que ouvi no tribunal. P. O senhor estudou a literatura do seu movimento? R. Sim, mas não toda. Não estudei os sete volumes dos ''Estudos das Escrituras'' , e não estudei este assunto que o senhor agora menciona sobre 1874. Não estou familiarizado com isso de modo algum. P. Supõe ter partido de mim que a Sociedade anunciou, de modo compulsório, que a Segunda Vinda de Cristo tinha sido em 1874? R. Tomando esta suposição como um fato, é uma afirmação hipotética. P. Foi isso a publicação de uma falsa profecia? R. Isso foi a publicação de uma falsa profecia, foi uma afirmação falsa ou uma afirmação errônea do cumprimento de uma falsa profecia que foi falsa ou errônea. P. E isso teve de ser aceito como crença por todas as Testemunhas de Jeová? P. Sim, porque o senhor deve entender que nós precisamos de unidade, não podemos estar desunidos, com muitas pessoas indo para todos os lados, um exército precisa marchar alinhado. P. Vocês não acreditam nos exércitos do mundo, acreditam? R. Acreditamos no exército cristão de Deus.
P. Acreditam nos exércitos do mundo? R. Nada temos a dizer a esse respeito, não pregamos contra eles, dizemos simplesmente que os exércitos do mundo, como as nações do mundo atual, são parte da Organização de Satanás, e nós não tomamos parte dela, mas não dizemos que as nações não podem ter seus exércitos, não pregamos contra a guerra, apenas reivindicamos ficar isentos dela, apenas isso. P. Voltemos ao assunto agora. Foi anunciada uma falsa profecia? R. Concordo com isso. P. Ela teve de ser aceita pelas Testemunhas de Jeová? R. Correto. P. Se um membro das Testemunhas de Jeová tomasse a posição pessoal de que essa profecia estava errada e dissesse isso, seria desassociado? R. Sim, se dissesse isso e persistisse em criar problemas, porque se a organização inteira acredita numa coisa, ainda que errônea, e alguém, por conta própria começa a espalhar suas idéias, então haverá desunião e problemas, não pode haver harmonia nem marcha alinhada. Quando vem uma mudança, deve partir da fonte apropriada, da dianteira da organização, o corpo governante, não de baixo para cima, pois cada um teria idéias próprias e a organização se desintegraria em mil direções diferentes. Nosso objetivo é ter unidade.
P. Unidade a qualquer preço? R. Unidade a qualquer preço, porque cremos e temos certeza que Jeová Deus está usando nossa organização, o corpo governante de nossa organização, para dirigi-la, mesmo que de vez em quando se cometam erros. P. Unidade baseada na aceitação obrigatória de falsas profecias?
R. Admite-se que isso é verdade. P. E a pessoa que expressa a opinião, como diz o senhor, de que isso estava errado, e é desassociada, estaria ela violando o pacto, sendo ela batizada? R. Correto. P. E como o senhor disse ontem expressamente, ela mereceria a morte? R. Acho que... P. Quer dizer sim ou não? R. Digo sim, sem hesitar. P. O senhor chama isso de religião?
R. Certamente que sim. P. O senhor chama isso de cristianismo? R.Certamente que sim.
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P. Com relação aos erros, vocês foram extensamente escrutinados quanto às diferenças de conceito que aconteceram nas exposições obrigatórias das Escrituras feitas ao longo dos anos, desde a fundação da Sociedade, e suponho que o senhor concordou que tem havido diferenças. R. Sim. P. O senhor também concordou com muita franqueza que as pessoas que, em qualquer momento, não estiverem dispostas a aceitar as interpretações obrigatórias, estão passíveis de expulsão pela Sociedade, com todas as conseqüências espirituais que possam acarretar? R. Sim, eu disse isso e o afirmo novamente.
A unidade, segundo o depoimento deste representante da Sociedade, pode exigir que um cristão aceite como verdade aquilo que ele acredita ser falso segundo a Palavra de Deus. Não importa o que leia na Bíblia, ele não pode expressá-lo se isso não coincide com os ensinos obrigatórios da organização. Embora isso esteja claro para ele na própria Palavra de Deus, não basta. Ele deve esperar que a mudança parta da “da fonte apropriada, da dianteira da organização, o corpo governante, não de baixo para cima.” Não importa o que leia na Bíblia, ele deve esperar que a “fonte apropriada,” o Corpo Governante, lhe diga o que é aceitável para se crer e se conversar.
A justificativa para exigência tão incrível? Deve haver “unidade a qualquer preço,” mesmo que baseada na “aceitação obrigatória de falsas profecias.” Falhar neste aspecto é ser passível de desassociação e “merecer a morte.” Com efeito, embora alguém possa ler as próprias palavras do Amo, por escrito, ele não pode aceitá-las ou agir segundo elas se o professo “escravo” do Amo lhe diz algo diferente. Este é, em linguagem clara, o conceito promulgado pela organização.
Uma terceira testemunha subiu ainda ao banco. Este terceiro representante da sede a depor foi o secretário-tesoureiro, Grant Suiter, e seu depoimento incluiu estas declarações sobre a posição oficial:
P. Qual é a posição de um servo de companhia [congregação] neste respeito? R. Ele tem de preencher os requisitos a que anteriormente nos referimos, maturidade, discernimento, entendimento espiritual e a capacidade de compreender a congregação. Tem de passar por esse treinamento já mencionado, na Escola do Ministério Teocrático, tomar a liderança no próprio ministério de campo, estar apto a ensinar e ter todos os outros requisitos que as Escrituras determinam. Como vê, o homem não pode estabelecer requisitos que as Escrituras não estabelecem. P. Isso em termos gerais. Mas, para chegar à prática efetiva ele deve assistir a Escola do Ministério Teocrático, não é? R. Sim. P. E lá ele encontra uma biblioteca? R. Sim. P. Não se espera que esteja familiarizado com as publicações da Sociedade? R. Com certeza. P. Pode ele de algum modo, na opinião das Testemunhas de Jeová, ter um entendimento das Escrituras fora das publicações das Testemunhas de Jeová? R. Não. P. Só por meio das publicações é que ele pode entender corretamente as Escrituras? R. Correto.
P. Isso não é arrogância? R. Não. P. O senhor ouviu as evidências de que 1874 mostrou ser uma data material e crucialmente errada, e de que 1925 era uma data errada. Nestes dois itens, foi a aceitação, a aceitação absoluta como Verdade, imposta a todas as Testemunhas de Jeová da época? R. Isso mesmo. P. O senhor concorda que aquilo foi uma aceitação do que era falso? R. Não, não inteiramente. Os pontos que estavam errados eram falsos porque estavam errados, mas o importante é o resultado geral. Ao longo de todos estes anos do ministério das Testemunhas de Jeová, desde a constituição da Sociedade, a corporação de Pensilvânia, tem havido uma obra constante de voltar os corações e mentes das pessoas para a Palavra de Deus e seus preceitos justos, e de prover-lhes força espiritual para tomar posição em favor do que elas sabem ser correto, para enaltecer o nome de Jeová e anunciar o seu Reino. Não há comparação entre os pontos incidentais que foram corrigidos e a importância da coisa principal, a adoração de Jeová Deus. Isso tem sido inculcado nas mentes das Testemunhas de Jeová e de um número incontável de pessoas ao longo de todos estes anos.
O secretário-tesoureiro afirmou: “O homem não pode estabelecer requisitos que as Escrituras não estabelecem.” Todavia, seu próprio depoimento, e os dos dois primeiros representantes, é que ‘só por meio das publicações é que se pode ter o entendimento correto das Escrituras.’ Embora falsas profecias tenham sido publicadas, “a aceitação absoluta (de tais) como a Verdade foi imposta a todas as Testemunhas de Jeová da época,” e isto é firmemente declarado como correto.3 O secretário-tesoureiro assevera que “mas o importante é o resultado geral,” e assim a organização não deve ser julgada de modo negativo porque eles promulgaram erros em “pontos incidentais,” desde que a “coisa principal, a adoração de Jeová Deus” tenha sido propagada. Seria injusto igualar a importância desses erros à mensagem principal. “Não há comparação,” disse o secretário-tesoureiro.
Nesta declaração em si, tudo bem. O próprio depoimento de Suiter, porém, como os dos outros dois, mostra que, enquanto a organização pede tolerância e tratamento equilibrado para si, como seu devido direito, ela nega isso a outros. Ao mesmo tempo que pede tolerância para si, ela não a concede a nenhum membro que faça objeção a ensinos errôneos e que não possa aceitá-los. Para este o resultado é a desassociação, ser posto fora como alguém merecedor da morte. É assim que será, não importa o zelo da pessoa em aceitar o ponto “principal” da mensagem ou sua sinceridade e devoção em “adorar a Jeová Deus.” Não, a pessoa deve aceitar a mensagem toda, o pacote inteiro, do jeito que o mensageiro organizacional achar melhor apresentá-la, incluindo os erros, sendo a expulsão a única alternativa. A organização classifica como apenas “incidentais” os erros que publica, e todavia, se esses mesmos erros não forem aceitos ou forem rejeitados, assumem, paradoxalmente, uma enorme importância, suficiente para justificar a desassociação.
Este estranho modo de pensar faz parecer que Deus se desagrada bastante da pessoa que deixa de aceitar os erros que o professo mensageiro de Deus expresse em Seu nome, se desagrada de que a pessoa insista em ‘examinar tudo e apegar-se apenas ao que for bom e veraz,’ genuinamente provindo de Deus. A tal pessoa, se posta para fora da organização, Deus não julgaria digna de viver. Embora pareça incrível, a pessoa que prestou este depoimento não via, evidentemente, nenhuma inconsistência em tudo isso.
Tudo isto faz lembrar o princípio proverbial de que “dois tipos de pesos são algo detestável para Jeová, e uma balança fraudulenta não é boa.”4 Não parece razoável crer que Deus se expresse com palavras tão fortes a respeito de transações comerciais comuns (quando o homem faz uso de diferentes pesos dependendo de estar comprando ou vendendo), e não se expresse de modo ainda mais firme com respeito a assuntos que envolvem os interesses espirituais das pessoas, quando os homens aplicam um padrão para si mesmos ao pedirem tolerância, e um padrão bem diferente quando se pede que a demonstrem a outros. O genuíno Mensageiro de Deus, Jesus Cristo, disse: “Pois, com o julgamento com que julgais, vós sereis julgados; e com a medida com que medis, medirão a vós.”5
Não apenas nesse julgamento mas, em muitas outras ocasiões, a organização Torre de Vigia apelou às Testemunhas de Jeová para que desconsiderassem os erros dela, afirmando que estes são contrabalançados e até compensados por outros fatores, mais positivos. Mas ela não aplica essa regra ao lidar com os que estão sob autoridade dela. Se eles sustentarem qualquer opinião, ainda que mínima, que não coincida com os ensinos da Torre de Vigia, isto não é considerado simplesmente um “erro” humano, que com o tempo pode ser corrigido. Pode, em vez disso, servir de base para desassociação. O fato de que o ‘quadro geral’ possa mostrar que o indivíduo discordante manifesta claramente genuínas qualidades cristãs não é visto como relevante. Ele tem de concordar com a organização. As palavras de Cristo deixam claro que ele não aprova esta aplicação desigual das normas.
Em vista da seriedade das questões envolvidas no julgamento do tribunal escocês, não parece haver razão para pensar que estas três testemunhas oficiais estivessem expressando meras opiniões pessoais. Embora o objetivo que buscavam atingir neste julgamento específico (que incluía serem reconhecidos como ‘religião estabelecida’) possa ter de algum modo influído na linguagem que usaram, eles, sem dúvida, apresentaram aquilo que é a norma autoritária da organização, o legalismo dominante. O registro passado e presente mostra isso. Minha própria experiência com o Corpo Governante confirma isso.
Alguns pontos estebelecidos pelos representantes da Torre de Vigia refletiram de modo notável as afirmações feitas cerca de 45 anos antes pelo Pastor Russell, nos anos finais de sua presidência. Na edição de 15 de setembro de 1910 de A Sentinela, o primeiro presidente da Sociedade comparou o valor da leitura estritamente bíblica com o valor da leitura dos Estudos das Escrituras, uma série de seis volumes escritos por ele. Esta foi a avaliação que ele fez:
Se, o Senhor, pois, nos proveu em nossos dias algo que em seus dias os Apóstolos desconheciam totalmente, não importa quão bons e sábios eles fossem ¾ para nós agora ignorarmos a linha de ensino que deste modo se desenvolveu seria, em nosso entendimento, ignorar as providências do Senhor. Que cada um pense por si mesmo, porém, e guie sua conduta, concordemente, de todos os modos.
Se os seis volumes de ESTUDOS DAS ESCRITURAS constituem praticamente a Bíblia, organizada por temas, com referências de textos bíblicos, nós poderíamos chamar a esses, não de modo impróprio ¾ a Bíblia numa forma organizada. Isto quer dizer, eles não são meramente comentários da Bíblia, mas são praticamente a própria Bíblia, já que não há desejo algum de edificar qualquer doutrina ou idéia com base em qualquer preferência individual ou sabedoria individual, e sim de apresentar todo o assunto em concordância com a Palavra de Deus. Achamos seguro, portanto, acompanhar este tipo de leitura, este tipo de instrução, este tipo de estudo bíblico.
Ademais, não só descobrimos que as pessoas, estudando apenas a Bíblia, não conseguem entender o plano divino, como também descobrimos que se alguém põe de lado os ESTUDOS DAS ESCRITURAS, depois de já tê-los usado e de se tornar familiarizado com eles, após tê-los lido durante dez anos ¾ se alguém então os põe de lado e os ignora, indo somente à Bíblia, embora entenda a Bíblia por dez anos, a nossa experiência mostra que dentro de dois anos ficará em trevas. Por outro lado, se tivesse simplesmente lido os ESTUDOS DAS ESCRITURAS, junto com suas referências, sem ler uma única página da Bíblia, essa pessoa estaria na luz ao fim dos dois anos, porque teria a luz das Escrituras.6
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“TODOS ELES SERÃO ENSINADOS POR DEUS”
Concluiríamos, praticamente, que não podemos entender nada da Bíblia senão conforme foi revelado. Não iríamos, portanto, perder tanto tempo fazendo o que sabemos que alguns fazem, lendo um capítulo após outro, sem proveito algum. Não pensaríamos em fazer isso. Não pensaríamos de modo algum estar estudando as Escrituras. Acharíamos que estávamos seguindo um rumo que poderia ser qualquer coisa, menos algo proveitoso para nós próprios e muitos outros no passado ¾ meramente lendo as Escrituras por cima. Diríamos que o mesmo Pai Celestial que nos guiou a esta verdade, a esta compreensão das Escrituras como filhos dele, se tivesse mais informações para nós ele as traria à nossa atenção de alguma maneira; e deste modo não vemos necessidade de ler o Novo Testamento todo dia ou todo ano; não consideramos isso necessário. Consideramos que o texto que diz “Todos eles serão ensinados por Deus,” implica que, do seu próprio modo designado, Deus trará à nossa atenção qualquer aspecto da verdade divina que seja “alimento no tempo devido para a família da fé.”
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OS “ESTUDOS DAS ESCRITURAS” NÃO SÃO UM SUBSTITUTO
DA BÍBLIA
Não se trata, portanto, de colocar os ESTUDOS DAS ESCRITURAS como um substituto da Bíblia, pois, longe de substituir a Bíblia, os ESTUDOS, pelo contrário, fazem continuamente referência à Bíblia, e se alguém tiver qualquer dúvida quanto a alguma referência ou se a lembrança de alguém falhar em algum ponto e sua memória precisar ser reativada, ele veria de fato que cada pensamento seu está em harmonia com a Bíblia — não meramente de acordo com os ESTUDOS DAS ESCRITURAS, mas de acordo com a Bíblia.
Podemos salientar que um bom número dos amigos na Verdade estão estabelecendo como norma ler doze páginas dos ESTUDOS DAS ESCRITURAS por dia, e que não conhecemos um só dos que estão seguindo este procedimento e fazendo uso dos vários meios da graça que o Senhor tem provido (reuniões da Aurora e de testemunho, reuniões dominicais, reuniões de Peregrinos, lições bereanas, texto do Maná, etc), que tenha saído da verdade. Conhecemos muitos que, ao contrário, expressam a opinião de que sabiam destas coisas há muito tempo, enquanto, na verdade, não sabem a metade das coisas que sabiam ¾ esqueceram mais da metade do que leram e estão entre aqueles que agora tropeçam, e indo para as trevas exteriores.
Não estamos com isto querendo dizer nada contra alguém estudar meticulosamente os capítulos que não entende e que outros não entendem, esperando lançar luz sobre alguma verdade. Não fazemos objeção a isto. Tem o pleno direito de assim fazer se desejar. Tem o direito de gastar semanas e anos desta maneira se assim preferir, mas mesmo então, as chances são de que, ao lançar luz sobre algo, ele venha a entendê-lo totalmente errado.
Eu tinha ouvido apenas vagas referências a estas declarações até que em 1979, numa reunião do Corpo Governante, o presidente Franz referiu-se a elas em apoio a um assunto que ele explicava, dizendo que:
O Pastor Russell costumava dizer que se a pessoa tivesse de escolher entre ter apenas a própria Bíblia ou uma das publicações da Sociedade, ela estaria melhor com as publicações da Sociedade.
Na ocasião, achei difícil crer que uma afirmação como essa fosse repetida como tendo absolutamente algum valor, e quando mais tarde a encontrei na Sentinela de 1910 achei que uma organização só poderia lembrar-se daquela afirmação com um sentimento de vergonha.
A implicação clara das afirmações da Torre de Vigia (escritas por Russell) era de que é improvável que alguém aprenda o propósito de Deus só com a Bíblia. Além disso, se alguém largasse os Estudos das Escrituras, escritos por Russell, e lesse apenas a Bíblia, de acordo com a experiência, cairia em trevas “dentro de dois anos.” Se alguém lesse os Estudos das Escrituras, porém, ainda estaria na luz embora não tivesse tocado na Bíblia durante esses dois anos. Não se considerava “necessário” ler a Bíblia capítulo por capítulo, mas recomendava-se a leitura diária regular dos Estudos das Escrituras como fazer uso da “provisão do Senhor.” Aparentemente, antes do surgimento desses escritos do presidente da Torre de Vigia pessoa alguma da terra podia realmente compreender a Bíblia.
Incrivelmente, de todas as publicações escritas por Russell, nem uma única é hoje impressa ou estocada pela Sociedade Torre de Vigia. Assim mesmo, a opinião expressada pelo presidente da Sociedade em 1910 foi basicamente confirmada na Escócia em 1954 e também na reunião do Corpo Governante em 1979. Uma grande diferença foi que, com o passar dos anos, o foco foi deslocado para a “organização,” em lugar de um indivíduo e seus escritos. A afirmação de que a literatura da Sociedade Torre de Vigia era essencial, um requisito virtualmente indispensável para a compreensão da Bíblia, permaneceu. Não só permaneceu, mas foi ampliado com notável dogmatismo, pois a aceitação dos ensinos encontrados nessa literatura foi então declarada como requisito divino para ganhar a própria vida. Diferente da situação do tempo de Russell, a discordância agora levaria à excomunhão.
Ainda em 1979, exatamente em 17 de novembro, dia em que parti numa viagem “de zona” à África Ocidental, Fred Franz, então presidente da Sociedade, dirigia a consideração bíblica matinal para a família da sede mundial. Ele fez estes comentários, que um dos membros presentes anotou, passando-os depois para mim quando retornei, por ser um assunto de interesse.
Alguns estão agora falando em ler a Bíblia, que nós devemos ler “só a Bíblia.” Ora, é isso o que as igrejas da cristandade vêm dizendo ao povo há séculos, e olhem a confusão em que resultou.
É bom recordar que nós fomos a Sociedade Torre de Vigia de Tratados durante muito tempo antes de nos tornarmos a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados.7 Apenas em época relativamente recente é que viemos de fato a publicar Bíblias. O único propósito de nossa existência como uma Sociedade é anunciar o Reino estabelecido em 1914 e fazer soar o aviso da queda de Babilônia, a Grande. Temos uma mensagem especial a divulgar.
Ao dirigir reuniões matinais na sede, eu mesmo tinha, muitas vezes, incentivado à maior leitura das próprias Escrituras, enfatizando-as como a verdadeira fonte de conhecimento e autoridade final para os cristãos. Não tinha a sensação de que defendia algo contra os interesses da organização. Nunca esqueci o que considerei argumentos fortes e inesquecíveis duma edição de A Sentinela publicada em 1946.8 Com o título “Mostre-se Deus Verdadeiro,” o artigo analisava declarações de autoridades judaicas e católicas quanto a serem “em todas as épocas a depositária de toda a verdade.” Estas foram as afirmações feitas:
37 A escrita Palavra de Deus, portanto, não necessita do acréscimo de tradições que são interpretações particulares de homens e organizações religiosas. Não é por nossa própria autoridade que dizemos que a Bíblia é suficiente sem elas. O inspirado apóstolo Paulo escreve a seu fiel co-trabalhador, Timóteo, a esse respeito, dizendo: “Desde tua infância tens conhecido as escrituras sagradas, as quais podem instruir-te para a salvação, pela fé que está em Cristo Jesus. Toda a escritura, inspirada por Deus, é proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito, competente para toda boa obra.” (2 Tim. 3:15-17, Douay) Caso as tradições orais dos homens religiosos tivessem sido necessárias para complementar o cânon da Bíblia, Paulo não teria dito que as inspiradas Escrituras Sagradas eram proveitosas ao ponto de tornar os homens de Deus perfeitos na fé e na devoção a Deus. Isso teria sido inadequado e teria deixado o homem de Deus imperfeito. Mas, tendo em vista a plena maturidade de Timóteo como cristão, Paulo o instruíu a esforçar-se em lidar com a Bíblia e manejá-la corretamente, dizendo: “Estuda cuidadosamente para apresentar-te aprovado a Deus, obreiro que não precisa envergonhar-se, manejando corretamente a palavra da verdade.” (2 Tim. 2:15, Douay) A esta instrução fiel todos os que buscam servir a Deus como suas Suas testemunhas farão bem em seguir.
AS AUTORIDADES SUPERIORES NÃO SÃO DESCONSIDERADAS
38 Agora lançam-nos um argumento final os que apóiam uma organização eclesiástica ou hierárquica. Dizem: ‘Mesmo deixando de lado as tradições religiosas a Bíblia não pode ser deixada à interpretação pessoal de cada leitor; ainda precisamos da organização visível dos fiéis para atuar como “magistério vivo” ou autoridade de ensino a fim de interpretar a Bíblia e esclarecer a vontade de Deus a partir dela. Vejam como a Bíblia, entregue à interpretação individual de cada um, resultou na condição religiosamente dividida do protestantismo.’ A isto respondemos que a multidão de seitas e cultos do protestantismo não é prova de que a Bíblia seja uma força divisória para os que a aceitam, e a ela somente, como adequada. A Bíblia não é um livro causador de divisão, pois é harmonioso de capa a capa, e concorda consigo mesmo em todos os seus livros canônicos. A força divisória entre os religiosos católicos e protestantes da cristandade são as tradições religiosas que eles obedecem. A verdade da Bíblia é um poder unificador. Depois que Cristo Jesus orou: “Santifica-os por meio de tua palavra: tua palavra é a verdade,” ele orou para que todos os seus crentes, os que então o acompanhavam e os que ainda viriam a crer, estivessem unidos como um só, exatamente como ele e seu Pai celestial são um só. (João 17:17-23É agora que esta unidade cristã deve ser alcançada; agora, neste fim do mundo. Ela foi alcançada pelas testemunhas de Jeová, que têm vindo de dentro e de fora da multidão de organizações religiosas e que agora se unem no serviço de Deus apesar de suas anteriores diferenças religiosas.
39 Como pode ser isto? Como pode a divisão resultante da interpretação individual que cada um fazia das Escrituras Sagradas ser agora vencida ou evitada? Será por que estão agora unidos em torno de uma organização visível, ou em torno de um líder humano visível? A resposta é Não. É porque reconhecem a Jeová Deus e a Cristo Jesus como as Autoridades Superiores a quem toda alma cristã deve estar sujeita para o bem da consciência. (Rom.13:1) É porque reconhecem a Jeová Deus como único Deus verdadeiro e vivente, o Altíssimo ou Supremo, e a Cristo Jesus como Seu Rei ungido e Servo Eleito, a quem Jeová designou como Líder e Comandante sobre os povos. (Isa. 42:1; 55:3, 4; Mat. 12:18; Atos 13:34) E é, também, porque reconhecem a Jeová Deus como o Instrutor vivo e sempre presente de Sua igreja na terra, e que ele ensina à “igreja de Deus” por meio de sua cabeça, Cristo Jesus. — Isa. 54:13; João 6: 45.
40 Portanto, as testemunhas de Jeová não afirmam que a igreja é o mesmo que a Hierarquia religiosa afirma sobre sua organização religiosa, a saber, aquela que exerce o magistério ou cargo de ensino, e conseqüentemente é a “divinamente designada Guardiã e Intérprete da Bíblia,” e cujo “cargo de Guia infalível seria supérfluo se cada indivíduo pudesse interpretar a Bíblia por si mesmo.” Ao invés de acatarem esta tradição religiosa da Hierarquia, os que reconhecem a autoridade superior de Jeová Deus e Cristo Jesus acatarão a declaração inspirada e infalível do apóstolo a Timóteo, a respeito da igreja. Esta reza: “Que saibas como te deves comportar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivente, pilar e fundamento da verdade.” — 1 Tim. 3:15, Douay.
Fiquei profundamente impressionado pela resposta do artigo de A Sentinela às pretensões das “organizações hierárquicas” ao dizerem, primeiro, que:
“A Bíblia não pode ser deixada à interpretação pessoal de cada leitor.”
E segundo, ao dizerem que:
“Ainda precisamos da organização visível dos fiéis para atuar como ‘magistério vivo’ ou autoridade de ensino.”
E terceiro, que:
“A Bíblia é uma força divisória para os que a aceitam, e a ela somente, como adequada.”
A cada uma dessas afirmações a resposta da Sentinela era: “Não é verdade!” Em termos nada incertos ela dizia que não era por “estar unidos em torno de uma organização humana visível” que se evitava a desunião mas pelo reconhecimento de Jeová Deus e Cristo Jesus. Sem ambigüidade, A Sentinela dizia adiante que as Testemunhas de Jeová,
. . . não afirmam que a igreja é o mesmo que a Hierarquia religiosa afirma sobre sua organização religiosa, a saber, aquela que exerce o magistério ou cargo de ensino, e conseqüentemente é a “divinamente designada Guardiã e Intérprete da Bíblia.”
Quando li essas declarações no início de 1946, concordei com elas de todo o coração, e até hoje posso apoiar sinceramente qualquer coletividade que viva por esses princípios. Durante muito tempo achei que estava fazendo exatamente isso. Certas pessoas me convenceram que não era assim. Foram exatamente as mesmas que publicaram essas declarações de princípio.
O escritor do artigo “Mostre-se Deus Verdadeiro” era Fred Franz. O artigo trazia declarações firmes, claras e francas, cada uma das quais foi, em essência, negada apenas oito anos mais tarde pelo testemunho dos três representantes da Torre de Vigia na Escócia. Foram também rejeitadas, ponto por ponto, em artigos de A Sentinela que se seguiram. Não avaliei quão real era essa rejeição até os nove anos que passei no Corpo Governante. Embora não fosse essa sua intenção, os membros do Corpo, de um modo geral, ajudaram-me a ver que os próprios princípios daquelas firmes declarações feitas em 1946 eram pregados mas nunca realmente praticados.
Fazendo um retrospecto, não encontro nada após 1946 que sequer se aproxime da firme posição em favor da liberdade pessoal expressa nos artigos publicados naquele ano. Por quê? O que pode ter causado tal mudança, tal ambivalência, na qual uma organização diz algo com tanta firmeza e aparente convicção e depois, em poucos anos, toma uma posição que é diametralmente oposta? Como puderam fazer as mesmas afirmações que tinham antes denunciado nos outros como produto do espírito “hierárquico”? Como podem homens obviamente tão dedicados a uma causa religiosa tomar conscientemente tal atitude, e ao mesmo tempo não sentir necessidade de dar a seus co-membros qualquer explicação, fazer nenhum pedido de desculpas ou sequer uma refutação da posição anterior, tão energicamente proclamada?
Em parte isso se deve, sem dúvida, aos humores, temperamentos e opiniões instáveis dos próprios homens. Isso ocorreu especialmente no período de 1942 a 1975, quando a administração era um assunto muito pessoal, centralizada primariamente em torno de dois homens, Nathan Knorr e Fred Franz, sendo este último a principal fonte de doutrina.9
Mas acima e além da natureza imprevisível e até instável das atitudes e declarações procedentes de tal fonte, creio que existe uma causa mais básica para a fortíssima abordagem autoritária manifestada. Toda ela ilustra um padrão de comportamento humano, padrão que se repete ao longo dos séculos com regularidade quase deprimente. É o padrão de um grupo de pessoas que larga uma religião ou religiões estabelecidas, que começa com a declaração expressa de que a Bíblia é e será seu único guia definitivo, sua única fonte legítima de informação autorizada; que depois cresce em número e idade histórica como entidade, e que gradualmente produz uma série de ensinos que logo estabelece como normas, como a “Verdade,” o teste final para medir o cristianismo das pessoas. Isto se complementa pelo desenvolvimento paralelo de uma estrutura autoritária, para assegurar que todos os membros apoiem essa série de ensinos. Em casos extremos ela pode eventualmente vir a prescrever o que se deve ler, estudar, conversar, ensinar e praticar por todos os que aderem a essa estrutura, que assume como seu direito legítimo a autoridade de disciplinar todos os que não acatam suas normas estabelecidas por humanos. Tais grupos tornam-se, assim, muito semelhantes às religiões estabelecidas que tinham anteriormente abandonado. Este tem sido o padrão de desenvolvimento de muitas das religiões que agora existem.
Esse padrão perene é precedido e reforçado por um fator ainda mais básico, que contribuiu para subverter a congregação cristã original, transformando-a, de fraternidade unida apenas pelo vínculo do amor e pela aceitação comum de crenças essenciais, num sistema hierárquico religioso, radicalmente institucionalizado. Esse fator fundamental é simplesmente a tendência dos homens de impor sua própria vontade aos outros, tendência contra a qual Cristo Jesus achou necessário advertir repetidamente seus discípulos. Essa conclusão, creio eu, tanto é apoiada pelas Escrituras como pela história.
1 Bispo Benjamin Hoadley, citado na Enciclopédia McClintock e Strong de Literatura Bíblica, Teológica e Eclesiástica (em inglês), Vol. 1, páginas 553, 554.
2 João 8:32.
3 Veja Crise de Consciência, páginas ___-___, ___-___, ___-___, com respeito aos anos de 1874 e 1925 mencionados no depoimento do tribunal.
4 Provérbios 20:23.
5 Mateus 7:2.
6 Confira este último parágrafo em A Sentinela de 15 de agosto de 1964, páginas 511, 512.
7 O nome original da corporação era Sociedade Torre de Vigia de Tratados de Sião.
8 Edição de 1o de novembro de 1946 (em inglês), página 330.
9 Conforme se observa em Crise de Consciência (página ___, nota de rodapé 15), Karl Klein, membro do Corpo Governante, referiu-se a Fred Franz, em algumas reuniões do Corpo como o “oráculo” da organização.