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             O Legalismo ¾ Oponente da  Liberdade Cristã


 

Não estais debaixo de lei, mas debaixo de benignidade  imerecida. ¾ Romanos 6:14.

 

Eles queriam nos tornar escravos.

¾ Gálatas 2:4, A Bíblia na Linguagem de Hoje.

 

DESDE os tempos mais remotos o legalismo tem sido o maior obstáculo ao genuíno cristianismo. Já se manifestava no tempo em que Jesus surgiu como o Enviado de Deus, o Messias. Dominava princi-palmente o modo de pensar do grupo conhecido como “fariseus.” Esse nome significa “os separados,” e uma obra de referência diz: “Há muito para justificar a opinião de que o grupo recebeu este nome devido ao fato de que viam a si mesmos como a comunidade que encarnava o verdadeiro Israel, distanciando-se assim do resto da nação.”1

Historicamente, a comunidade dos fariseus surgiu nos tempos pré-cristãos como parte de um movimento que tinha essencialmente um alvo nobre: encorajar a devoção religiosa e a obediência à Lei de Deus (a Torá), algo então ameaçado pela crescente influência grega. Esta “helenização” tinha, desde o tempo da conquista de Israel por Alexandre, o Grande, vinha se infiltrando no modo de pensar, nos costumes e na vida diária da nação judaica. Os fariseus acreditavam que o retorno à plena obediência à Lei dada por Deus era vital a fim de preparar-se para a vinda do Messias. Conseqüentemente, eles pretendiam ser ardentes adeptos e defensores da pureza da adoração de Deus; o próprio Jesus reconheceu que eles tinham certa medida de justiça. ¾ Mateus 5:20.

No final, porém, eles terminaram entre os maiores opositores do Messias quando ele veio. Nenhum outro grupo foi tão repetida e firmemente censurado por Cristo. Seu interesse em mostrar lealdade a Deus e à sua lei transformara-se em legalismo, legalismo que os tornou estritos e rígidos e os fez perder de vista as coisas mais vitais, incluindo justiça, misericórdia, fidelidade e amor ao próximo. (Mateus 12:1-14; 23:23) Estavam altamente preocupados em evitar qualquer coisa que os tornasse “impuros” diante de Deus. Buscavam “criar uma cerca em volta da Lei,” como proteção ostensiva contra quem quer que a ultrapassasse ou transgredisse.2 Para conseguir isto, “puseram-se a comentar, analisar e interpretar a Torá [a Lei] aplicando-a a cada caso e contingência possível da vida, com diligência e persistência que seriam dignas de mestres medievais. O resultado foi uma teia sutil e intricada de jurisprudência, que constituía também um peso terrível para a existência humana comum.”3 Jesus disse que ela ‘punha cargas pesadas nos ombros dos homens,’ cargas que os líderes religiosos não queriam mover nem com um dedo. (Mateus 23:4) No final, seu zelo em regular todas as possíveis aplicações da Lei os levou a entrar em choque com a Palavra de Deus, à medida que as tradições que criavam ao aplicar a Lei resultavam na anulação dos princípios mais vitais dessa Palavra. (Mateus 15:1-9) Sua visão extremista da Lei inevitavelmente os tornava auto-justos, orgulhosos de sua obediência superior e de suas diversas abstinências. Em resultado, tornaram-se julgadores dos que não se regiam por suas normas e nem acatavam as interpretações de leis que eles elaboravam e o programa de rotineiras ações de piedade que realizavam. Eles “confiavam em si mesmos como sendo justos e... consideravam os demais como nada.”4

 

Creio que esse antigo padrão pode ser visto nos tempos modernos, com resultados praticamente idênticos.

 

Elabora-se um Grande Conjunto de Leis

 

As publicações da Torre de Vigia muito têm falado em termos bem negativos da elaboração, pelos judeus, de um Talmude baseado em interpretações rabínicas da Lei Mosaica. Todavia, nas últimas cinco décadas, a organização tem elaborado seu próprio conjunto de leis, com incrível extensão e complexidade. Fez-se tudo isto em nome de “manter-se a congregação limpa” e “separada do mundo,” desta forma reafirmando sua justiça diante de Deus. A própria organização reconhece a existência de tal lei.

Portanto, num artigo intitulado “Deprecia a Disciplina?” debaixo do subtópico “Disciplina em Cada Passo do Caminho,” A Sentinela destacava o papel da “Sociedade do Novo Mundo” (um nome popular que outrora descrevia a organização das Testemunhas) em prover esta disciplina e dizia:

 

Assim é que, devido à sociedade do Novo Mundo aplicar os referidos mandamentos, exemplos, normas e princípios bíblicos às questões e problemas da vida, um grande conjunto de leis teocráticas vem sendo erigido.5

 

Esse “grande conjunto de leis teocráticas” tornou-se bem maior nas quatro décadas seguintes à escrita desse artigo. De modo claro, não se trata apenas da questão de tirar declarações diretas das Escrituras, pois neste caso isto não seria descrito como ‘erigir’ um grande conjunto de “leis teocráticas.” O ‘erigir’ resulta de estas declarações bíblicas serem interpretadas, de serem ampliadas, de serem estendidas para aplicações cada vez mais detalhadas “às questões e problemas da vida,” não como mera forma de exposição ou exortação mas com as próprias interpretações tornando-se agora “leis teocráticas.”

Para que sejam “leis” não é preciso que tais regras de conduta ou ação sejam chamadas especificamente de “leis.” Como vimos, define-se corretamente lei como “costume ou prática obrigatória numa comunidade: regra de conduta ou ação prescrita ou formalmente reconhecida como obrigatória ou imposta por uma autoridade controladora.” A lei contrasta-se com o “preceito,” visto que a lei “implica em imposição por uma autoridade soberana e em obrigação de obediência por parte de todos os sujeitos a essa autoridade,” enquanto que o preceito “normalmente sugere algo aconselhável e não obrigatório, transmitido tipicamente por meio do ensino.6

Ao mesmo tempo em que crêem não mais estar sob a Lei Mosaica a evidência é que as Testemunhas de Jeová passarm a estar sob outra lei e a submeter-se a ela; passaram a acreditar que sua condição justa está firmemente ligada à guarda dessa lei.

 

Um Sistema de Controle Legal é Substituído por Outro

 

É deste modo que a questão é apresentada numa outra publicação da Torre de Vigia intitulada “Prestai Atenção a Vós Mesmos e a Todo o Rebanho” (em inglês), parte de um livro texto utilizado nos cursos realizados para anciãos das Testemunhas de Jeová em 1981.7 Na página 144, encontramos o seguinte:

   

                                                          Unidade 8 (b)                                                                                                   

Sob “a Lei do Cristo”

(Gal. 6:2)

 

    O povo de Jeová atualmente não está sob o controle do conjunto de leis conhecido como a lei Mosaica do antigo Israel. (Col. 2:13, 14) Paulo mostrou que, desde que houve a mudança de sacerdócio de Aarão para o de Jesus Cristo à maneira de Melquisedeque, os cristãos estão sob um novo arranjo de controle legal. (Heb. 5:4-6; 7:12) Algumas regras de conduta encontradas na antiga lei de Moisés foram reafirmadas na lei do Cristo e estão em vigor para os cristãos. (Atos 15:19-21) Outras regras de conduta da Lei de Moisés, com os seus princípios subjacentes, embora não vigorem na congregação cristã, são no entanto úteis aos cristãos ao passam que andam no caminho da santidade. (Tia.: 2:8, 9) Os anciãos farão bem em considerar algumas destas orientações que servem para proteger a congregação cristã e mantê-la limpa diante de Jeová. ¾ Efé. 5:25-27.

 

LEI DA CONGREGAÇÃO CRISTÃ

 

Os cristãos não estão sob a lei Mosaica, mas sob “a lei do Cristo.” (Gal. 6:2, 1 Cor. 9:21)

  Consiste no conjunto de regras para a conduta  

                                                  cristã. (Gal. 6:16)

 

Proclama-se a doutrina de que os cristãos estão “sob um novo arranjo de controle legal,” um “conjunto de regras para a conduta cristã” que “estão em vigor para os cristãos.” Isto nada mais é que um modo indireto de dizer “novo código de leis.” A simples leitura dos textos citados nos parágrafos seguintes ao título tornam claro que as palavras encontradas nesses versículos foram ajustadas para dizer algo que de fato não dizem, muitas vezes por se ignorar o contexto. As próprias Escrituras deixam claro o que é a “lei do Cristo”(mencionada em Gálatas 6:2), e ela definitivamente não é um “novo arranjo de controle legal” ou “conjunto de leis.”8
Quando Deus tirou os cristãos de debaixo do Pacto da Lei para o seu Novo Pacto (mudança que Ele realizou mediante Cristo como Mediador e Sumo Sacerdote), Ele não os fez passar de um código de leis para um outro código de leis (ou “arranjo legal” de um “conjunto de leis”). Sua Palavra declara que, daquele tempo em diante, Sua lei seria escrita nos corações, não em pedra, pergaminho, velino ou qualquer outro material de escrita.9 A “lei do Cristo” encontra-se em seus ensinamentos, seu exemplo e modo de vida, e nenhum destes indica qualquer “novo arranjo de controle legal.” Em vez disso, sua lei mostra ser “a lei real do amor” e a “lei da fé,” e tampouco a fé e o amor são passíveis de ser reduzidos a um “conjunto de leis” e regulamentos e ser expressos plenamente por estes. (Compare Gálatas 6:2 com Romanos 3:27, 28; 13:8; Tiago 2:8) Não se pode legislar sobre amor e fé nos corações das pessoas. É por isto, sem dúvida, que o apóstolo Paulo disse que “a Lei não é baseada na fé,” porque a lei (no sentido de um conjunto de regras) é atribuída não à fé, mas simplesmente à submissão ¾ quer você a aceite ou não. A observância da Lei torna-se o critério da justificação. Os que observam as regras são contados como justos; os que não o fazem são punidos.10 A importância superior da fé neste aspecto é obscurecida.
Por tais razões sérias o apóstolo apresentou a questão da liberdade cristã ¾ incluindo a liberdade de não estar sob um sistema religioso de leis humanamente “impostas ¾ nos termos mais firmes, dizendo:
 
Eu não repilo a benignidade imerecida de Deus; pois, se a justiça é por intermédio da lei, Cristo realmente morreu em vão.11
 
Estais apartados de Cristo, quem quer que sejais que tenteis ser declarados por meio de lei; decaistes da sua benugnidade imerecida.12

 

O ensino de que os cristãos do Novo Pacto estão de novo sob um “novo arranjo de controle legal” nega o ensino bíblico de que a lei de Deus está agora escrita nos corações humanos, e seu controle se faz, não por um “conjunto de leis,” mas por Espírito santo. Ele nega a liberdade cristã que é o fruto de não estar debaixo de lei, mas debaixo de benignidade imerecida ou graça. Este ensino condenaria os cristãos à morte, pois “por obras de lei, nenhuma carne será declarada justa diante dele,” visto que a lei inevitavelmente condena os debaixo dela devido à sua incapacidade de observá-la de modo perfeito.13 Ela conduz à mesma auto-ilusão de que se tornaram presas muitos que estão sob o Novo Pacto ¾ a de buscar a própria justificação por meio da observância da lei, cumprindo as obrigações impostas pela lei. Ela causa a mesma jactância e sentimento de superioridade aos outros que eram típicas daqueles do tempo de Jesus que defendiam o estrito apego a regras ¾  definidas por seus líderes religiosos ¾ aqueles que se orgulhavam de sua submissão a regulamentos.15 O pior de tudo, ela minimiza e detrai da magnificência do amor de Deus, pelo qual Ele dá a vida, não como recompensa pela observância a leis, quer Mosaica quer quaisquer outras, mas como um “dom gratuito,” aceito pela fé, apreciado através do amor, correspondido por ações de amor, mas jamais ganho por mérito.16

 

Em 1976, O Corpo Governante das Testemunhas de Jeová decidiu fazer uma revisão de seu manual Ajuda Para Responder Correspondência dos Escritórios de Filial. O manual visa orientar  todas as Comissões de Filial da organização no trato dos problemas. O objetivo da revisão era que o manual contivesse as decisões mais recentes do Corpo Governante. Gene Smalley e Robert Wallen, membros do pessoal, foram designados para redigir um manual atualizado e entregaram sua proposta de revisão em setembro de 1977, tendo sido obra principalmente de Smalley. A Comissão de Redação designou-me para fazer a edição final da matéria. Achei a designação deprimente. Embora familiarizado com o manual original devido à experiência passada, senti então plenamente a que ponto chegara a visão legalista que a organização adotara em relação ao cristianismo. Dois anos depois, eu ainda não tinha completado a editoração e, tinha, de fato feito bem pouco progresso. Propus passar a designação a outra pessoa, mas Lyman Swingle, então coordenador da Comissão de Redação, disse que não tinha pessoalmente pressa alguma de ver a matéria concluída, e que, no que lhe dizia respeito, “quanto mais dela for ‘para o incinerador’ melhor.” Analise o índice das 114 páginas da matéria proposta:

 

                                         ÍNDICE

 

Aborto 78

Adoção 14

Adultério, Evidência 27, 28

Afiliação a Várias Organizações  83

Anciãos  33-35  

   ''   ,  Anteriormente Desassociados  64

   ''        ,  Transgressão

Aniversário 22, 23

Anulações,  31, 32

Apostasia  4

Arma, Emprego com Arma  47, 48

Assassinato  68

     ''      , Culpa de Sangue  12

Auto-defesa  102

Bandeira, Exibição  55

Bandeira, Saudação e Hinos Nacionais ou Escolares  54, 55 

Batismo  5-8

   ''    , Pessoa Retardada  7

   ''    , Serviço Militar  86a

Bebidas Alcoólicas  1

Bônus do Governo  60a

Calças, Mulheres  15

Casamento  75-77, 113, 114

    ''        , Anulação  31, 32

    ''    , com Descrente  35, 49, 50, 75, 76

    ''    , com Pessoa Desassociada  6, 7

    ''    , Consuetudinário  16

    ''    , de Pessoa Desassociada  21,

    ''    , Divórcio, Decreto Interlocutório  30

    ''    , Salão do Reino  70  

Chás de Panela  114

Cidadania  89

Cobrir a Cabeça  66

Comemoração  84, 85

Comissão de Apelação  64, 65

Comissão, Necessidade  61

Conduta com Pessoas do Sexo Oposto  17, 18

Conduta Desenfreada  17, 18

Confissão  62

''              , Adultério  25, 28

''              , de Ancião  34

Consensual, “Casamento”  29

Consuetudinário, Casamento 16

Controle de Natalidade  52

Cuidar de Casos de Transgressão  61-65

Culpa de Sangue  12, 34

Declaração de Compromisso de Fidelidade  16, 23, 29, 30, 76

Desassociação  20-23

Desassociado, casar com  6, 7

''         , Funeral  57

''                    , Mudar-se para casa de  74

''         , Recusar Encontro com  62, 63

Dissociação  19, 87, 88, 90

Divórcio  24-32

''         , Porneia  104

''         , Onde é Difícil  30

Doença Venérea  28

Emprego  36-48

   ''    ,  Armado  47, 48

   ''    ,  Envolvendo Sangue  10

   ''    ,  Estrangeiro  2

   ''    ,  Professores Escolares  99, 100

   ''    ,  Sociedade Comercial  3

   ''    ,  Tabaco  109, 110 

Empréstimos  71, 72

Escolas Religiosas  45, 46

   ''    , Educação Secular  98-100 

Escola Teocrática, Matricular-se  82

Espiritismo  79, 106

Esterilização  80, 81

Estrangeiros  2, 3

Estudo Bíblico, Pessoa Desassociada  22

Estupro  52

Eximição, serviço Militar  87

Família, Assuntos de  49-52

Feriados, Cônjuge Descrente  49, 50

Filhos  14

                     ''   , Retardados  51

                     ''   , Transgressões de  50, 64

Funeral  55-58,  , 

   ''    ,  Salão do Reino  70,

   ''    ,  Veteranos de Guerra

Governo, Trabalho Exigido  90

Hermafrodita  104

Hinos  54, 55

Hipnotismo  78, 79

Honra a Autoridades Governamentais  67

Hospitais Religiosos  46

Igreja, Compra ou Venda de Salão do Reino  96

  ''    , Filhos  51

  ''    , Remoção do Nome  5, 6

Ilegais, Atividades  68

Ilegitimidade  52

Impostos  107

Impotência  31

Insanidade  31

Jogos de Azar  59, 60

Karatê  102

Legais, Assuntos  73

Medicina Ilegal  79

Médico, Sangue  10, 11

Médico, Tratamento  78-81

   ''    , Localizar  78

Militar, Serviço  86-88

Morar, Acomodações  74

Multas  53

   ''   , Sindicato  112

Música, Hinos  54, 55

Namoro  32

Naturalização  89

Neutra, Comissão  64, 65

Neutralidade  90, 91

Noiva, Preço de  32

Notícias, Serviço  92

Núpcias  113, 114

Órgãos, Transplantar  81

Pais, Cuidar dos  52

Patriotismo, Saudação à Bandeira e Hinos  54, 55

Pioneiro, Qualificações  93

Piquete, Fazer  112

Perdão, por porneia  28

Políticas, Eleições  94

Porneia  17, 18, 25, 103, 104

   ''    , Evidência  27, 28

Prêmios  60

Prisão  69

   ''   , Ancião  34

   ''   , Trabalho  110

Psiquiatria  80

Readmissão  23

    ''      , Privilégios  63, 64

Rebatizar-se  7

   ''        , Anciãos  34

Recreação  95

Registrar-se Para Votar  94

Relações Sexuais, Pessoas Divorciadas  30, 31

Religioso, Envolvimento  96, 97

Restituição  23

Retardados Mentais  51

    ''          ''    , Batismo  7     

    ''          ''    , Transgressões  63

Reuniões  82

   ''     ,  Pessoa Desassociada

Salão do Reino, Casamentos  70

       ''       , Comprar de Igreja  96

       ''       , Desassociados  22

       ''       , Filhos Freqüentam  51

       ''       , Financiamento  71, 72           

       ''       , Vender para Igreja  96

Servo Ministerial, Anteriormente Desassociado  64

Sangue  9-11

Segregação  101

Sexo, Mudança de  104, 105

Sexual, Conduta  103-105

Sindicatos, Afiliação e Atividades  111, 112

Sociedades Comerciais  34

Soros  9

Subornos  13

Suicídio  57

Tabaco  108-110

Transexual  104, 105

Travestir-se  105

Transplantes de Órgãos  81

Tribunal  73

Uniforme  69

Vestimenta que é Apropriada  15

Viúva, Pensão 77

Votar  94

  ''   , Sindicatos  111

 

Virtualmente cada setor da vida ¾ assuntos familiares e  conjugais, emprego, relações sociais e comunitárias ¾ é coberto por uma ou outra das normas contidas nesta publicação. Mas os 174 tópicos alistados no índice dão apenas uma visão superficial da realidade que se acha nas páginas, uma pequena idéia de exatamente quão extensas e complexas tinham se tornado as normas da organização. E mesmo as páginas do manual contam apenas uma parte da história, pois elas trazem referências abundantes a artigos da Sentinela que se prendem ainda mais a detalhes técnicos das normas elaboradas. A proliferação de regulamentos e subregulamentos que se acham em suas páginas (algumas “impostas” diretamente e outras de modo apenas sutil) só podem ser descritas como talmúdicas. E a cada ano, novas regras são formuladas em resultado das reuniões do Corpo Governante.

Embora o manual revisado devesse chamar-se Orientações Para Correspondência, todo aquele que ocupa a posição de ancião congregacional, superintendente viajante ou membro de Comissão de Filial sabe que o conteúdo do manual não é mera orientação, mas tem força de lei. Ele sabe que se não se apegar estritamente a estas normas e decisões ao tratar dos assuntos, ele estará sujeito à disciplina. Estas normas são, de fato, tratadas com o mesmo respeito que se teria às declarções diretas das Escrituras, lei divina. As Testemunhas apren-dem a encará-las assim. Já na Sentinela de 15 de maio de 1944 (em inglês), via-se esta declaração:

 

Deve-se ter sempre em mente que a organização de Deus de seu povo é Teocrática, não democrática. As leis de sua organização vêm dele próprio, o grande Teocrata, Jeová, o Supremo... De modo único, uma organização é regida do alto para baixo (o que significa do Deus Altíssimo para baixo) e não de baixo para o alto (isto é, das pessoas das congregações para o alto).

 

É bem evidente que o chamado “grande conjunto de leis teocráticas” hoje existente dentro da organização das Testemunhas não se origina das pessoas das congregações, as da chamada parte “de baixo.” O “alto” de onde emanava este “conjunto de leis,” porém, na realidade não ultrapassava a liderança da comunidade das Testemunhas, sua “autoridade controladora” atual.

 

Intromissão Sutil do Legalismo

 

A própria história da organização mostra que, basicamente, o chamado “grande conjunto de leis teocráticas” começou a crescer na gestão do segundo presidente da Sociedade Torre de Vigia, Joseph F. Rutherford (de 1916 a 1942), pois durante a gestão do fundador da Sociedade, Charles Taze Russell (de 1881 a 1916), a organização era incrivelmente livre do legalismo. Após a morte de Russell e a eleição de Rutherford para a presidência, um tom e um espírito totalmente diferentes manifestaram-se na administração da organização. Rutherford não era pessoa inclinada a tolerar discordância. Já vimos que A. H. MacMillan, associado íntimo de Rutherford, disse que “Ele jamais tolerava algo que fosse contrário ao que ele claramente entendia como sendo ensinado pela Bíblia.”17 Esta declaração revela não só a tendência de controlar que tinha o presidente da Sociedade e a enorme autoridade de que ele mesmo se investiu, mas também que era o entendimento dele das Escrituras que determinava o que devia servir de orientação a  todos os membros. Aqueles de nós dentre as Testemunhas que viveram durante aquela presidência sabem que “ser teocrático” passou a significar aceitar virtualmente sem questionar quaisquer instruções recebidas da sede da organização.

Vimos a maneira pela qual o “serviço de campo” tornou-se essen-cialmente uma “obra da lei” para todos os membros. Este passo inicial foi seguido de outros, como adições ao “grande conjunto de leis teocráticas.” Durante o mandato de Rutherford ele passou a incluir assuntos tais como a recusa de saudar a bandeira ou levantar-se para o hino nacional e a recusa de aceitar o serviço alternativo oferecido aos tinham objeção de consciência ao serviço militar ¾ todos estes assuntos não especificamente tratados nas Escrituras.

Se os indivíduos, à base de sua convicção pessoal, não puderem conscienciosamente participar em alguma, ou em todas estas coisas, eles devem corretamente abster-se. (Confira Romanos 14:5-12, 22, 23.) Mas nenhuma destas questões foi deixada à consciência individual; tornaram-se, então, lei organizacional, e o apoio a esta lei, em todos os apectos, era requisito para se ser considerado um cristão fiel. Não obstante, durante a vida de Ruherford, o volume elaborado de leis era mínimo comparado ao que se seguiu. Embora os que deixassem de segui-las fossem menosprezados como “transigentes,” não se tomavam, a nível congregacional, medidas punitivas, como a desassociação. Em outros setores, apenas a conduta que mostrasse sérias violações de moralidade traziam desassociação, e durante meus primeiros anos de associação estas expulsões pareciam muito raras. Não existia, certamente, a tendência que mais tarde tornou-se tão comum de escrutinar a vida das pessoas.

 

O Grande Período da Legislação Teocrática

 

Foi nos anos 50 que se iniciou o verdadeiro desenvolvimento do que hoje é um completo sistema de lei das Testemunhas de Jeová, uma códigos de normas e regras que abrange praticamente cada aspecto da vida. Em grande parte, isto aconteceu em resultado da crescente ênfase ao processo de “desassociação” que veio à tona na década anterior, principalmente de 1944 em diante.18 Nos primeiros anos, simplesmente considerava-se o próprio conselho bíblico, como por exemplo o conselho apostólico de 1 Coríntios capítulo 5, com sua exortação a não associar-se com “qualquer que, dizendo-se irmão, seja imoral, avarento, idólatra, caluniador, alcóolatra ou ladrão.”19 Não há dúvida quanto à validade desse conselho e que é sábio apegar-se a ele. A organização, porém, começou então a puxar ramificações desta exortação bíblica para o campo da legislação, de modo que com o tempo um verdadeiro código de regras veio a existir.

De que modo tudo isto se deu? Como foi que algumas regras formuladas e impostas durante a gestão de Rutherford passaram por uma verdadeira explosão que resultou no “grande conjunto de leis” atual?

A sede da administração em Brooklyn mantém o que se chama de “Departamento de Serviço.” Este supervisiona nos Estados Unidos a atividade de todos os superintendentes  viajantes (superintendentes de circuito e distrito) e de todos os representantes congregacionais (anciãos e servos ministeriais). Perguntas sobre normas e procedimentos vindas de qualquer destas fontes são normalmente cuidadas pelo Departamento de Serviço, cujos membros dividiram entre si várias “seções” do país. Com a crescente ênfase à desassociação, especialmente dos anos 50 em diante, começaram a chegar dos superintendentes congregacionais e superintendentes viajantes perguntas pedindo definições mais explícitas de certa conduta tida como pecaminosa, particularmente no campo da imoralidade sexual, mas incluindo também outras áreas. Os superintendentes de congregação queriam saber: Qual era a “norma” da Sociedade em tais casos?

Indagações destes homens, portanto, vieram à sede da Torre de Vigia em Brooklyn. Em muitos casos, o “homem da seção” do Departamento de Serviço não se sentia habilitado a prover a definição pedida ou a delinear em termos específicos o que precisamente constituía “base para desassociação” na circunstância envolvida. O procedimento padrão em todos estes casos se resume na expressão que era usada vez após vez com freqüência cada vez maior. Essa expressão era: “Mande para o Freddy.”

“Freddy” queria dizer Fred Franz, que era então vice-presidente da Sociedade Torre de Vigia e reconhecido como principal autor e erudito bíblico da organização. A pergunta era repassada para ele, que fornecia a definição solicitada e aplicava às Escrituras ao assunto, geralmente na forma de um memorando. Visto que, na maioria dos casos, as próprias Escrituras nenhuma consideração específica traziam  do assunto em questão, muito do conteúdo das respostas consistia de raciocínio interpretativo, raciocínio do vice-presidente. Suas respostas estavam, naturalmente, sujeitas à aprovação do presidente, Nathan Knorr, e até ao veto dele, embora isso pareça não ter sido freqüente. Também não há dúvida alguma de que a maneira em que o Departamento de Serviço apresentava os assuntos e seus comentários, feitos quando entregavam as perguntas, influenciavam as respostas que recebiam e tinham, assim, um papel considerável nas normas que efetivamente se elaboravam. O vice-presidente não tinha qualquer conhecimento em primeira mão das circunstâncias envolvidas nos casos. Ainda por cima, ele não tinha nenhuma comunicação pessoal com as pessoas cujas vidas seriam afetadas pelas decisões que tomava.

Não questiono a sinceridade dos esforços de Fred Franz nesta área. Mas o fruto, creio eu, ilustra quão errado é atribuir a qualquer homem, não o mero ato de aconselhar ou sugerir, mas de efetivamente decidir assuntos que de direito cabem às consciências individuais dos pessoalmente envolvidos. Por mais sincero que fosse o vice-presidente, o fato é que sua vida um tanto enclausurada na sede desde os vinte e poucos anos o tinha isolado bastante da vida das pessoas comuns ‘do lado de fora’ (termo freqüentemente usado pelos trabalhadores do pessoal da sede da Torre de Vigia, com referência à vida fora de sua seleta comunidade). As coisas experimentadas pelos que se ocupavam em empregos seculares, que tinham lares e famílias, sabiam o que era estar casados ou ser pais, tinham de enfrentar os problemas e dificuldades da vida diária como a maioria das pessoas, tinham pouco a nada a ver com a própria experiência dele. Da minha própria convivência pessoal com ele ao longo de muitos anos, ficou evidente que ele vivia muito à parte, ou talvez a expressão devesse ser “isolado” ¾ da realidade da vida levada pela pessoa mediana. Em sentido algum ele era um “eremita,” e aceitava convites ocasionais para refeições ou finais de semana nos lares de pessoas, mas ele era sempre o convidado “especial,” alguém visto como diferente das pessoas comuns. A conversa raramente tratava, se é que tanto, dos aspectos mais seculares das ocupações humanas. Recordo certo verão, no fim dos anos 40 ou início dos anos 50, quando ele estava de férias na casa de nossa família em Kentucky (eu também estava lá de férias, vindo de Porto Rico), e ele comentou sobre si mesmo e Nathan Knorr, dizendo: “O irmão Knorr é um homem prático. Eu sou um erudito.” Estou certo de que ele não era uma pessoa insensível, ainda que em sua perspectiva dos problemas da vivência humana ele parecesse ser um pouco ‘do outro mundo,’ às vezes quase fatalista quanto às dificuldades e mesmo às tragédias.

Para mim, um exemplo disto foi notavelmente impressionante. Nos anos 70, um sobrinho meu contraíu uma súbita infecção do pâncreas, que em apenas três dias pôs fim a sua vida. Tinha apenas 34 anos. Deixou uma jovem esposa amorosa e duas filhinhas. No funeral, ao qual comparecemos minha esposa e eu, o salão funerário estava lotado. Como orador convidado, o vice-presidente da Sociedade (tio-avô do falecido) caminhou até o pódio, fez pausa, e daí, com voz muito alta, quase estentórea, disse: “Como é fabuloso estar VIVO!”20 Após esta exclamação introdutória, ele considerou por vários minutos, efetiva e dramaticamente, o significado das palavras de Eclesiastes 7:1-4.21 Até aí, meu sobrinho não fora de modo algum mencionado. Então, após aproximadamente dez minutos, referindo-se às palavras sobre ser ‘melhor ir à casa de luto,’ o orador disse, “E a razão para isto é que mais cedo ou mais tarde todos nós terminaremos ASSIM!” e, sem se virar, atirou a mão para trás na direção do caixão em que jazia o corpo de meu sobrinho. O discurso prosseguiu com mais comentários sobre a passagem bíblica, mas sem nenhuma outra referência ao morto até o final, quando foram proferidas as declarações padronizadas para a ocasião e os nomes dos sobreviventes do falecido.

Tive uma sensação de ira ardente ¾ não com meu tio, pois creio sincera e honestamente que ele achava ser este o melhor meio de lidar com a situação, o melhor meio de combater as naturais sensações de pesar e perda. O que me deixou irritado foi a atitude organizacional, que permitia a uma pessoa sentir-se totalmente justificada de falar de um modo que essencialmente transformava o cadáver de uma pessoa num instrumento ou tribuna para se proferir um discurso que expunha a doutrina da organização, mas ao longo do qual não se fez menção da tristeza pela perda da pessoa cuja vida findara, como se por ignorá-la a dor fosse atenuada. Fiquei dizendo a mim mesmo, “James merece algo melhor que isto ¾ certamente o texto sobre ‘um nome ser melhor que bom óleo’ pede para que se fale do nome que ele fez para si mesmo em vida. Com certeza há algo que se pode aprender de sua vida, algo sobre ele que pode ser dito para encorajar-nos, os vivos.”22 Mais uma vez, não acho que faltassem a meu tio quaisquer dos sentimentos que eu tinha, ou que lhe faltasse a capacidade de sentir dor e compaixão. Acredito que ele simplesmente refletia o treinamento recebido e toda uma vida disciplinando-se contra expressar fortes sentimentos sobre qualquer coisa que não fossem os “interesses teocráticos.”23

Apesar de seu alto grau de isolamento pessoal e de seu próprio reconhecimento de falta de senso prático, ele foi incumbido da responsabilidade de tomar decisões numa ampla gama de setores em que ele não tinha qualquer experiência pessoal ¾ e nas quais as práopreias Escrituras eram basicamente omissas. Em favor dele pode-se dizer que, numa das primeiras reuniões do Corpo Governante de que participei, ele disse que apreciaria que tais decisões não mais fossem entregues a ele individualmente e que essa responsabilidade fosse então partilhada com outros.24 Infelizmente, a maioria de seus póprios colegas do Corpo Governante não estavam a par, mais do que ele, dos problemas da vida que a a maioria das pessoas passa, especialmente se tivessem, como era o caso de muitos, passado a maior parte de suas vidas na sede de Brooklyn.25 É verdade que a maioria destes homens se empenhava em pelo menos algum trabalho de porta em porta com o público, e tinham seus contatos sociais com amigos Testemunhas que viviam “no lado de fora” ¾ mas, de um modo geral, estes eram mais como “excursões,” rapidamente encerradas, e então voltavam para “dentro,” para sua própria cidade auto-suficiente de Betel, onde todas as suas necessidades eram providas. Em Betel, seus quartos eram arrumados, as camas feitas, os sapatos consertados, as roupas lavadas e passadas, por uma taxa nominal, e jamais tinham de preocupar-se com aluguel, manutenção e reparo de propriedades, seguros de saúde, ou algo mais que uma mínima quantidade de taxas. Eles partilhavam das coisas boas que outros “de fora” lhes ofereciam, mas raramente, se é que tanto, partilhavam de seus problemas e dificuldades.

Com o passar do tempo, o Departamento de Serviço, então sob a direção de Harley Miller como superintendente do escritório, começou a colecionar as respostas de Fred Franz e a encaderná-las. Estas eram regularmente consultadas quando chegavam perguntas “do campo.” O departamento tinha vários volumes destes memorandos acumulados quando, alguns anos mais tarde, o presidente, Nathan Knorr, lhe fez uma de suas periódicas visitas de inspeção. Ao ver os volumes, Korr indagou de que se tratavam. Ao ser informado, ele instruíu o departamento a eliminá-los, e estes foram subseqüentemente destruídos. Esses volumes não mais existem no Departamento de Serviço. Eles já têm novos ¾ agora compostos das decisões tomadas pelo Corpo Governante,  e estes são usados do mesmo modo que os antigos. É claro que muitas das respostas providas pelo então vice-presidente Franz tinham sido eventualmente impressas nas colunas da revista A Sentinela. E não há dúvida de que a estrutura básica em que se apóia todo todo o sistema do “grande conjunto de lei teocrática” foi dsenvolvido duante aquele primeiro período. O Corpo Governante geralmente tem feito pouco mais acréscimos a esta estrutura básica, ou definir mais especificamente certos detalhes dentro da mesma. Seria impossível discutir sequer uma pequena fração do total, mas considere aqui apenas alguns exemplos.

 

A “Lei Teocrática”Posta em Prática

 

O manual revisado a ser chamado Orientações para Correspondência, da forma como me foi entregue para ser editado, trazia treze páginas sobre “Emprego,” uma área da legislação na qual a organização não se havia aventurado antes dos anos 50. Começava com uma declaração, encontrada numa das publicações da Torre de Vigia, que:

 

Embora o emprego de um indivíduo possa afetar sua situaçào na congregação, não nos cabe dizer que tipo de trabalho ele pode ou não pode exercer.

 

Isto soa bem, mas na realidade apenas significa que, embora a organização não possa controlar ou determinar a escolha de emprego que a pessoa faz (um fato óbvio), ela pode, não obstante, censurá-la por essa escolha ou mesmo desassociá-la por escolher ou permanecer num emprego que a organização considerou inaceitável. É assim que funciona na prática. O manual conforme me foi entregue continha várias páginas de exemplos para ilustrar as normas estabelecidas. Debaixo do subtópico, “Trabalho não-antibíblico em si mesmo mas que vincula a pessoa com uma prática errada ou a torna sua promotora,” o manual dava exemplos como estes:

 

EXEMPLO: Duas mulheres trabalham como arrumadeiras numa base militar. Uma está empregada numa residência, cujo chefe de família pertence à instituição militar. A outra é uma arrumadeira empregada na limpeza das casernas.

Comentários: A primeira mulher conclui que pode aceitar tal trabalho para uma família e não entrar em conflito com Isaías 2:4 [que fala de forjar das espadas relhas de arado e não aprender mais a guerra]. Ela raciocina que, apesar da localização de seu trabalho e do fato de que o arrimo da família é militar, ela está prestando um serviço comum num lar e não é empregada de uma organização em conflito com as Escrituras. (2 Re. 5:2, 3; 5:15-19; Fil. 4:22) Ela continua a ser membro da congregação, ainda que, se vier a buscar o privilégio do serviço de pioneiro, deva-se considerar como o emprego dela está afetando outros na congregação e se ela está sendo vista como um bom exemplo.

 

A outra mulher, por meio de trabalho regular, está executando um serviço necessário ao cumprimento dos objetivos finais de uma organização cujo propósito está em desacordo com Isaías 2:4. Ela recebe salário da instituição militar, trabalha em propriedade militar e executa regularmente um trabalho que faz dela parte dessa organização e de seus obetivos.

 

Portanto, a primeira mulher, que presta trabalho doméstico para um militar na residência dele, na base, pode manter sua condição na congregação; a segunda, que limpa as casernas, talvez na mesma base, não pode. Como o restante do manual e todas as publicações da Torre de Vigia deixam claro, qualquer pessoa “em conflito com Isaías 2:4” deve ser ou desassociada ou declarada “dissociada.”26 A primeira mulher é paga por um oficial, até um general, que comanda os homens das casernas em combate. O salário dela vem dele, é verdade, mas este dinheiro sai do salário militar dele. Ainda assim, seu trabalho não a torna “impura.” A segunda mulher, que limpa as casernas, por que o salário dela vem dos militares qual organização e por que ela de algum modo é vista como alguém que contribui para os “objetivos finais” da instuição militar, é tida como culpada de sangue e merecedora de ser cortada da congregação.

É difícil conceber raciocínio e ênfase mais tortuosos de uma distinção técnica que isto. É igualmente difícil não ver um paralelo entre tais interpretações legalísticas e as dos fariseus e das antigas fontes rabínicas. ¾ Compare com mateus 23:16-22.

Seguindo esta norma, um barbeiro Testemunha poderia abrir uma barbearia próximo a um quartel numa área onde não há residências. Todos os seus clientes podem ser soldados, cujos salários vêm da instituição militar. Ele não seria considerado culpado de ‘violar Isaías 2:4.’ Mas se prestasse o mesmo serviço de barbeiro no quartel para estes mesmos soldados, recebendo seu salário da administração militar, ele, seria, por esta linha de raciocínio, culpado de sangue, merecedor da desassociação. Tal raciocínio só pode ser classificado como farisaico.

Tampouco tratam-se de meros exemplos hipotéticos. Muitos casos reais foram tratados exatamente deste modo, inclusive situações envolvendo mulheres Testemunhas que trabalhavam em lojas de subsistência dentro dos quartéis vendendo itens como mantimentos, cosméticos, etc., o que de algum modo as tornava culpadas de apoiar os “objetivos finais” das forças armadas, e, assim, culpadas de sangue. Os anciãos chegaram a tomar medidas para desassociar um homem simplesmente por trabalhar em controle de pragas e roedores ¾ exterminando baratas e ratos ¾ por que este trabalho era regularmente executado num quartel! As pessoas consideradas como violadoras da diretriz da Sociedade recebem um prazo, talvez de seis meses, para encerrar tal atividade. Se não o fizerem serão desassociadas ou declaradas “dissociadas,” os resultados sendo na realidade os mesmos.27

Considere mais um exemplo tirado do manual (conforme proposto) nesta mesma seção:

 

EXEMPLO: Um irmão que presta serviço de encanamentos recebe um chamado para reparos de emergência no cano de água rompido no porão de um igreja local. Algum tempo depois, um representante da igreja contata outro irmão, empreiteiro, para construir um novo teto e uma ampliação para a igreja.

Comentários: O primeiro irmão conclui que, como um serviço humano, sua consciência o permite cuidar duma situação de emrgência., embora aconselhe a igreja a buscar outro bombeiro para quaisquer serviços em base regular. Poucos provavelmente o criticariam ou o achariam repreensível por ajudar alguém numa emergência.

 

O segundo irmão raciocina que, muito embora tenha construído tetos e ampliações para muitos lares e empresas, fazer um contrato para isso no caso de uma igreja seria prestar considerável apoio à promoção da adoração falsa. Não seria apenas um contato incidental, como o de um carteiro que entrega correspondência, ou um ato de ajuda humanitária numa situação de desespero. Seria um empreendimento grande que envolveria trabalho demorado num edifício usado exclusivamente para a promoção da adoração falsa, contribuindo para a perpetuação de Babilônia, a Grande. (2 Cor. 6:14-18) Como cristão, ele não poderia fazer isso.

 

Por dizer “Como cristão, ele não poderia fazer isso,” o manual simplesmente quer dizer que se ele o fizer estará sujeito à desassociação. Isto, também, não é nada hipotético. No capítulo que segue, são ilustrados os extremos a que esta norma pode levar.

Tais normas ilustram claramente que a organização é deveras dirigida “do alto para baixo e não de baixo para cima.” Isto resulta numa verdadeira usurpação do exercício da consciência pessoal do indivíduo. Isto é feito por se superporem à consciência dela as regras legisladas pela liderança organizacional, regras tornadas obrigatórias e impostas por meio dos decretos de desassociação.28

Os exemplos dados são apenas superficiais. Desde então, muitas regras adicionais foram criadas. Parece não haver nada sobre que a organização não se disponha a legislar. Uma “Pergunta dos Leitores” na Sentinela de 15 de dezembro de 1982 (página 31) chega a pronunciar-se quanto a se uma Testemunha pode submeter-se a um tratamento médico no qual (para reduzir o risco de trombose por coágulos sangüíneos ou para outros fins) se usa uma sanguessuga para extrair sangue. A resposta, baseada num tipo muito vago de argumento, é “Não.”29

 

Raciocínio Desequilibrado

 

Pelo raciocínio legalístico, um ato relativamente inocente e insignificante pode tornar-se um ato significativo de grande culpa. Há na vida necessidade de equilíbrio, já que o grau em que as coisas são feitas é que realmente determina se são certas ou erradas. Como um exemplo simples, um afago gentil no rosto de alguém significa afeto, enquanto que um forte tapa expressa ira e até ódio. A ação das mãos e dos dedos em ambos os casos é a mesma; a diferença no grau de força é que transforma em ódio uma expressão de afeto. O mesmo ocorre em aspectos mais complexos. Embora o fator grau não contribua de modo notável para violações bem definidas, tais como assassinato (um assassino não “mata ligeiramente” ou “mata moderadamente” ou “mata gravemente” alguém), roubo ou adultério, ele exerce papel decisivo numa ampla variedade de assuntos da vida. Assim, as pessoas normalmente trabalham para ganhar dinheiro. Isto, porém, não justifica classificá-las como “gananciosas.” Mas se o grau de preocupação com o dinheiro passa de um certo ponto, a ganância torna-se evidente. Quem pode especificamente identificar esse “certo ponto” de modo a traçar uma clara linha de demarcação, que divida de maneira precisa as áreas da preocupação apropriada e imprópria com os ganhos? Apenas quando a evidência aponta claramente o excesso é que se justifica classificar alguém como ganancioso. Isto se aplica a toda uma gama de assuntos.

Mais uma vez, nos tempos bíblicos, os líderes religiosos deixaram de exercer tal equilíbrio, de distinguir entre as ações de natureza mais e menos importante. Assim, quando eles viram os discípulos de Jesus, no dia de Sábado, apanhando grãos de trigo, esfregando-os nas mãos para tirar a palha e comê-los, eles os acusaram de violar a lei sabática que proibia trabalhar. Como puderam fazê-lo? Por que, em seu modo de pensar desequilibrado e extremamente escrupuloso, estes homens estavam, na prática, tanto colhendo como debulhando. É verdade que, se eles tivessem apanhado grandes quantidades de grãos, carregando suas capas de trigo, e daí esfregado-os nas mãos para tirar a palha, formando montes destes grãos, eles estariam fazendo isto. Mas não estavam. E Jesus reprovou os líderes religiosps por ‘condenarem os inocentes.’ ¾ Mateus 12:1-7.

Este mesmo modo de pensar desequilibrado parece ser a única explicação para as posições tomadas pela organização torre de Vigia em várias das normas já descritas. Talvez nada demonstre isto com mais vigor do que a questão do serviço alternativo a ser prestado no lugar do serviço militar.

 

Submissão às Autoridades Superiores

 

Lembra-lhes que devem ser submissos aos magistrados e às autoridades, que devem ser obedientes e estar sempre prontos para qualquer trabalho honesto.

¾ Tito 3:1, Bíblia de Jerusalém.

 

Em muitos países esclarecidos, o governo provê uma forma não-militar de serviço a ser cumprido em vez do serviço e treinamento militares. Fazem-no especificamente em consideração às objeções conscienciosas de alguns cidadãos a participar em guerra ou serviço militar, uma concessão deveras elogiável. Em Crise de Consciência este assunto foi parcialmente discutido.30 Conforme se explica lá, a norma da organização era que nenhuma Testemunha podia aceitar a ordem de um órgão de recrutamento (ou de qualquer outra agência governamental que não fosse um tribunal) para prestar serviço alternativo ¾ que geralmente consiste em trabalho hospitalar, prestar serviços a idosos, trabalho em bibliotecas, em acampamentos florestais, ou em quaisquer outros setores que beneficiem à comunidade como um todo.

Já que qualquer destes serviços é claramente “trabalho honesto,” por que não devia uma Testemunha aceitá-lo? Porque por ser “serviço alternativo” era um “substituto” do serviço militar, e, porque este trabalho era posto no lugar do serviço militar, por alguma espécie de raciocínio, aceitar uma designação de serviço alternativo de um órgão de recrutamento era tido como equivalente a aceitar serviço militar, e, portanto, aquele que o fizesse tinha “transigido,” “violado sua neutralidade,” e se tornado culpado de sangue. Se esse raciocínio parecia incrivelmente contorcido, ainda havia mais.

Ao mesmo tempo, quando uma Testemunha era presa e levada a julgamento por recusar-se a cumprir as ordens do órgão de recrutamento e era considerada culpada, se o juiz a sentenciasse a executar tal serviço alternativo, ela podia então obedecer à ordem do tribunal, fazer o trabalho designado, e estava isenta de transigência e culpa de sangue. O raciocínio por trás disto? A pessoa, tendo sido condenada, era agora prisioneira, e desta forma não tinha “voluntariamente” aberto mão de sua liberdade de ação e opção de uma ocupação. Na verdade, nada existia de “voluntário” em relação ao serviço designado pelo governo, assim como o pagamento de impostos também não é voluntário. Era um serviço obrigatório, compulsório, e era primeiramente por isso que o homem que o recusasse era preso. E podia-se dizer também que ele tinha realmente aberto mão de sua liberdade e opção quando se submetera a decisão da organização Torre de Vigia, pela qual ele estaria errado se obedecesse à ordem do órgão de recrutamento para cumprir trabalho hospitalar ou outros serviços do tipo. Ao fazê-lo, ele permitia que sua consciência se tornasse prisioneira e excluía a possibilidade de fazer uma escolha baseada na consciência pessoal.

Mais um detalhe técnico, porém, foi introduzido. A organização até tomou a posição de que, se antes da sentença final ser proferida, o juiz perguntasse a Testemunha se sua consciência lhe permitiria fazer trabalho hospitalar ou serviço similar, ele não podia responder na afirmativa, mas tinha de dizer, “isso cabe ao tribunal decidir.” Se ele respondesse, “Sim” (o que seria a resposta verdadeira), ele seria considerado como tendo “transigido,” feito um “trato” com o juiz, e assim rompido sua integridade. Mas se ele desse a resposta prescrita, aprovada, já citada, e daí o juiz o sentenciasse a fazer trabalho hospitalar ou algo similar, ele poderia odedecer.31 Ele ficava então sem culpa por violar a exortação apostólica “parai de vos tornardes escravos de homens.” (1 Coríntios 7:23) Tais detalhes técnicos são, com certeza, verdadeiramente casuísticos e não é exagero aplicar-se a isto o termo “farisaico.”32

Não era uma questão sem importância. Durante a 2a Guerra Mundial, só nos Estados Unidos, cerca de 4.300 jovens Testemunhas de Jeová foram presos, com sentenças que chegavam a 5 anos, não por mera objeção de consciência à guerra, mas primariamente por que, ao apoiarem a norma da Sociedade, recusaram as provisões governamentais que lhes permitiam executar outros serviços de natureza não-militar facultados aos objetores de consciência. Na Inglaterra, houve 1.593 condenações, inclusive as de 334 mulheres.33 Por volta de 1991, houve centenas de prisões em vários países, em resultado de obediência à norma da Sociedade. Em 1988, apenas na França e na Itália, havia cerca de 1.000 Testemunhas de Jeová na prisão por este motivo.34

Em Crise de Consciência, ao relatar o debate desta questão pelo Corpo Governante em várias reuniões durante anos, fez-se apenas breve menção de uma pesquisa realizada em todas as Comissões de Filial que atuavam em todo o mundo sob a direção do Corpo Governante. A pesquisa foi sugerida por Milton Henschel, visto que, conforme ele disse, ‘talvez ela revele que apenas relativamente poucos países têm provisões de serviço alternativo.’ Se fosse assim, isto seria um argumento contra a necessidade de fazer qualquer mudança de norma. Aparentemente, o fato de que homens nesses “poucos países” estavam na prisão e que outras centenas de homens ainda iriam para a prisão (se a norma continuasse como estava) não teria suficiente peso ou gravidade para tornar a questão crucial.

Na pesquisa, indagou-se das Comissões de Filial quanto a se as Testemunhas de seus países entendiam o raciocínio por trás da norma e sua base bíblica, e também quais eram as opiniões dos próprios membros das comissões acerca da norma existente. Visto que o Corpo Governante me encarregara da correspondência da pesquisa com as 90 e poucas Comissões de Filial, tenho em meus arquivos cópias de todas as respostas delas. Estas eram reveladoras.

Antes de considerá-las, poderia citar o trecho do memorando submetido ao Corpo Governante por Lloyd Barry, um dos membros. Advertindo contra qualquer mudança na norma existente, ele escreveu:

 

Aqueles que estudaram a fundo a questão à base da Bíblia e que passaram pela experiência, não têm dúvida alguma quanto a manter uma posição de “nada de transigência” ¾ a menos que alguém se adiante e tente implantar tal dúvida. Uma mudança de ponto de vista empreendida pelo Corpo Governante seria muito decepcionante para estes países e irmãos, os quais por tanto tempo batalharam em favor de sua posição de intransigência.

 

O que mostram os fatos quanto ao verdadeiro pensamento dos afetados? Ajusta-se à realidade o quadro descrito no memorando? A informação que segue é razoavelmente extensa (embora seja apenas uma fração do todo). Creio que ela merece o espaço. O motivo é que ela bem descreve o poder de doutrinação que fez pessoas sacrificarem a liberdade, anos de vida, subsistência e associação familiar, a fim de obedecer a algo que eles não entendiam e em que realmente não acreditavam ¾ fazendo-o puramente por senso de lealdade a uma organização. Tudo aquilo que produz tal estado mental de submissão cega traz perigo potencial de conseqüências ainda maiores.

Já que discordar de qualquer posição da organização é geralmente visto como indício de falta de lealdade e mesmo de falta de fé e confiança na direção de Deus, de modo algum surpreende que a maioria das Comissões expressasse pleno apoio à norma da organização. O que surpreende é o número significativo de Comissões de Filial que falou das sérias dificuldades que tinham as Testemunhas em seus países de compreender a norma ou de ver qualquer base bíblica para ela. Não é que eles não se sujeitassem à norma. Os varões Testemunhas preferiam ir para a cadeia que agir de modo contrário. Mas, achavam eles, como afirmou o membro do Corpo Governante Barry, que ‘não havia dúvida alguma’ quanto à norma que os levava a serem postos na prisão? Eis aqui citações diretas das cartas enviadas por algumas Comissões de Filial:

 

· Áustria:        “Muitos dos irmãos não compreendem plenamente a posição bíblica pela qual não devemos prestar serviço alternativo.”

 

· Brasil:           “Cremos que os irmãos não teriam dificuldade alguma em provar sua posição se o trabalho envolvesse apoio direto à máquina militar, digamos, trabalhando numa fábrica de munições, construindo casernas ou cavando trincheiras, etc. Eles usariam os mesmos textos bíblicos que usam para objetar ao serviço militar. Os irmãos teriam dificuldade se o trabalho envolvesse construir uma estrada para uso civil, ou trabalho em algum projeto agrícola ou em outro trabalho dessa espécie.”

 

Itália:          “Dos contatos diretos feitos com os irmãos confrontados com o problema do serviço militar, descobrimos que, na maioria dos casos, eles não compreendem por que não podem aceitar serviço civil alternativo. Eles insistiram que não mais estando sob a jurisdição direta das autoridades militares por terem sido designados para outro ministério, eles poderiam aceitar o serviço civil alternativo desde que não se empenhassem em qualquer atividade que tenha a ver com o militarismo, mas fazendo trabalho não-militar tal como em museus ou hospitais, etc. eles não seriam culpados de qualquer violação de sua neutralidade.”

 

Espanha:          “Como parte da pesquisa para este relatório, um membro da comis-são de filial falou extensamente com três irmãos que foram exemplares em sua posição neutra anos atrás. Também conversou com três anciãos maduros, dois deles de outros países, que não enfrentaram pessoalmente a questão na Espanha. Opiniões variadas vieram à tona em muitos aspectos deste assunto, mas num dos pontos houve completo acordo. Praticamente nenhum de nossos irmãos jovens compreende realmente por que não podemos aceitar o ‘serviço substituto,’ se ele é de natureza cívica e não está sob controle militar. Parece claro que a maioria dos anciãos tampouco compreende isto, e portanto, eles amiúde mandam os jovens ao escritório [da filial] para obter informações. Assim, aurge a pergunta: Por que eles não compreendem? É falta de estudo pessoal? Ou é porque os argumentos e raciocínios que usamos não são bastante convincentes ou não têm uma base bíblica firme e clara?”35

 

Em acréscimo à amostra apresentada, as Comissões de Filial da Alemanha, Austrália, Bélgica, Canadá, Fiji, França, Grécia, Havaí, Malásia, Nigéria, Noruega, Porto Rico, Portugal, Rodésia, Tailândia, Trinidad, Uruguai e Zaire expressaram todas problemas entre as Testemunhas de seus países quanto a compreender a norma da organização ou a sua base bíblica.

Apesar disso, em todo o mundo as Testemunhas de Jeová tomavam a posição inflexível de rejeitar o serviço alternativo (a menos que sentenciadas por um juiz a cumpri-lo). Centenas estavam então nas prisões de muitos lugares por essa razão. Que isto não era, de fato, fruto da lealdade à Palavra de Deus e da convicção pessoal delas quanto à base bíblica desta atitude é evidente pelo que segue. A conformidade a uma norma organizacional, e a preocupação quanto a ser visto de modo negativo pela organização e por seus companheiros, parecia ser o fator determinante para estes rapazes. Embora algumas das citações já feitas toquem neste aspecto, outras cartas vindas das comissões foram muito explícitas. Revelando a razão básica pela qual as Testemunhas rejeitavam as provisões de serviço alternativo oferecidas pelos governos de seus países.

 

· Bélgica:       “Poucos irmãos estão de fato, em posição de explicar com a Bíblia por que se recusam... basicamente, eles sabem que é errado e que a Sociedade o considera como tal. Por esta razão alguns tribunais disseram aos irmãos que eles foram forçados pela Sociedade a recusar a provisão do serviço civil.

 

· Dinamarca: “Embora muitos irmãos jovens pareçam capazes de entender os argumentos, refletir neles e explicá-los até certo ponto, nota-se que a maioria dos irmãos jovens, atualmente, segue o exemplo de outros e tomam a posição que a comunidade dos irmãos espera deles sem realmente compreenderem os princípios básicos e argumentos envolvidos, e sem serem capazes de explicar claramente sua posição.

 

· Espanha:    “Quando um ancião discute a questão do serviço substituto com alguém, essa pessoa geralmente aceita [a posição] que substituição corresponde a equivalência. Mas esta idéia não é costumeiramente compreendida realmente. Em vez disso, é considerada como sendo a opinião da organização, os anciãos a apresentam o melhor que podem e os irmãos lealmente a cumprem conforme sabem que se espera deles. Mas nos parece que muitos irmãos acham nosso raciocínio um tanto artificial.

 

· Havaí:         “Falando de modo geral, os irmãos aqui acham difícil entender os princípios bíblicos que determinam guardar estrita neutralidade. Uma vez que conhecem a posição da Sociedade em tais questões, eles cooperam plenamente, mas não vêem com muita clareza os princípios em que se apoia a nossa posição.

 

· Noruega:        “Os irmãos na Noruega não aceitam trabalho civil sem uma sentença do tribunal, principalmente porque sabem que esta é a norma da Sociedade e eles são leais à Sociedade. Para eles é difícil entender por que é errado aceitar o trabalho civil quando o próprio trabalho não é errado e condenado pela Bíblia. Eles não conseguem fundamentar a posição deles com as Escrituras de modo adequado.

 

· Tailândia:      “De nossa experiência, muitos tiveram problemas no passado quando tentavam manter a neutralidade. Muitos recusaram o trabalho por uma espécie de lealdade ao grupo. Eles não sabem por que razão ou princípio, mas ouviram dizer que certa coisa era errada, e então a recusaram.

 

O memorando de Lloyd Barry falava em “implantar” idéias nas mentes dos irmãos. A evidência indica nitidamente que qualquer implantação feita partiu da própria Sociedade Torre de Vigia, visto estar claro que estas Testemunhas jamais teriam chegado à norma decretada pela organização a partir de sua própria leitura das Escrituras ou como fruto de sua consciência pessoal. Tampouco foram apenas os das chamadas “fileiras” ou as Testemunhas jovens que tiveram dificuldades tão sérias com a norma. Os próprios homens das Comissões de Filial acharam difícil apoiá-la, quer à base da razão quer à base das Escrituras.

Citando de novo o memorando de Lloyd Barry, ele dizia ainda:

 

Agora, o assunto não é cobrança de impostos, emprego, etc., mas TRANSIGÊNCIA. Estamos de acordo que não devemos empunhar armas com os militares. Devemos, então, estar também de acordo que, se a instituição militar ou qualquer outra agência nos pedir para fazer algo em substituição disso, não aceitamos a alternativa. Essa é a nossa atitude. Então, se formos entregues a um tribunal, e um juiz nos sentenciar, essa será uma atitude dele. Aceitamos a sentença. Não transigimos. Somos mantenedores de integridade. A coisa é simples assim. ¾ Jó 27:5.

 

Todavia, junto com a maioria das outras Testemunhas, muitos dos próprios membros das Comissões de Filial de modo algum achavam a posição tomada “simples.” Eles não viam lógica alguma na posição de que seria errado aceitar uma ordem de trabalho de um órgão de recrutamento mas aprovava que se aceitasse ordem idêntica, para prestar serviço idêntico, sob circunstâncias idênticas, se essa ordem viesse de um tribunal. Eles não podiam entender como isso era possível visto que estas agências são todas simplesmente ramos do mesmo governo, da mesma “autoridade superior.” Portanto, a Comissão de Filial chilena apontou certas inconsistências, dizendo:

 

Se o trabalho em si não contribui para propósitos militares, que importância tem a agência que o ordena? Aqui no Chile, não está claro quão independentes são os tribunais. Este é um governo militar e muitos dos civis que servem no ministério são apenas figuras decorativas. Os militares comandam o espetáculo... É tudo um sistema só.

 

Da Polônia comunista veio esta declaração:

 

Até onde sabemos, os irmãos alemães assumem este trabalho à base de que as autoridades administrativas é que os dirigem no trabalho, e não os militares. Significaria isto que que eles não assumiriam o mesmo trabalho, sob as mesmas condições, se fossem as autoridades militares que os dirigissem? Não se trata do mesmo César?

 

Numa longa carta, a Comissão de Filial canadense concentrou-se especialmente neste ponto. Referindo-se à norma existente como “uma confusa abordagem quanto a ‘agências,’” eles diziam:

 

...sentimos que os funcionários achariam difícil entender onde nós traçamos o limite. Estaríamos complicando a questão para eles como também para os irmãos. Se, por exemplo, tentarmos explicar o conceito de que o órgão de recrutamento é parte de uma instituição política e que somos neutros em questões de política, eles iriam se perguntar por que os tribunais também não são vistos como um ramo da mesma instituição política governamental.

Por outro lado, se tentarmos defender o conceito quanto a agência ser parte da instituição militar e argumentar sobre nossa neutralidade a partir deste ponto de vista, eles podem admitir que respeitam nosso desejo de não querer nenhuma ligação com os militares, mas se no final o trabalho designado é o mesmo, independentemente da agência envolvida, qual é, então, a diferença? Achamos que isso é um problema para se argumentar indefinidamente... Hoje, os tribunais, as câmaras, a polícia, os centros de indução e as forças armadas são todos manifestações da autoridade de César. Todos, de um modo ou de outro, são suas agências.

 

A questão parecia resumir-se nesta pergunta simples enviada pela Comissão de Filial da Nigéria:

 

Se algo está biblicamente errado, por que, então, a ordem de um tribunal torna correto fazê-lo?

 

As próprias perguntas ilustram como as normas da organização levaram a complexidades técnicas bem como à confusão, homens que sinceramente buscavam ser guiados pela própria Palavra de Deus.

Ilustrando os extremos a que o conceito da organização podia levar e de fato levou, considere esta incrível situação e a posição que foi apresentada pela Comissão de Filial da Suécia:

 

Mesmo em tais instâncias, em que fizeram a nossos irmãos a oferta de cumprir seu treinamento do Serviço Nacional em seu local costumeiro de trabalho, por exemplo, numa Administração Municipal ou nas Ferrovias Estatais, eles recusaram, por que tinham sustentado que não podiam aceitar qualquer espécie de serviço substituto para o treinamento do Serviço Nacional, nem que este fosse puramente civil, ou mesmo que isto significasse que eles poderiam permanecer em suas ocupações diárias costumeiras.

 

Incrível como possa parecer, essa era a posição tomada naquele país com base na norma organizacional, a saber, que mesmo onde as autoridades, esforçando-se para acomodar a posição religiosa das Testemunhas, em alguns casos ofereceram deixar que seu serviço costumeiro fosse considerado cumprido em vez do tal treinamento, elas tinham de recusar!

Isto não se devia a convicções pessoais das Testemunhas suecas. Eram por estarem sensibilizadas pela norma da organização que decretava ser o trabalho substituto o equivalente ao serviço militar e que toda oferta de qualquer espécie tinha de ser recusada.36 Após uma “viagem de zona” aos escritórios de filial dos países escandinavos, Robert Wallen, secretário da Comissão de Serviço do Corpo Governante, expressou sua preocupação com este assunto. Relatou a conversa que teve com uma Testemunha escandinava, que disse: ‘Se eu aceitar a designação do governo para o serviço alternativo, eles me designarão para trabalhar num hospital aqui na minha região e poderei morar em casa com minha família. Mas a norma da Sociedade é que eu não posso fazer isto e que devo recusar. Serei então preso, julgado e sentenciado, e o tribunal de novo me designará a trabalhar num hospital, mas desta vez será em outra parte do país. Estarei fazendo exatamente o mesmo trabalho mas estarei longe de minha casa e de minha família. Será que isto realmente faz sentido?

Os membros da Comissão de Filial não questionaram apenas a lógica da norma da organização. Apresentaram também evidência bíblica em favor de uma atitude diferente. Como apenas um exemplo, a Comissão de Filial do Brasil expressou a opinião da comissão, dizendo:

 

O ponto é que o jovem tornou clara sua posição para as autoridades militares, mostrando biblicamente por que não pode participar em guerra alguma ou nem mesmo ser treinado para isto. Portanto, que textos poderiam ser usados para mostrar que seria impróprio executar serviço civil ordenado pelas autoridades, visto que ele tornou clara sua posição bíblica? Isto [fazer tal serviço civil desigando] parece ser apoiado por Mateus 5:41; Rom. 13:7; Tito 3:1-3; 1 Pedro 2: 13, 14 e outros.

 

Os textos citados rezam como segue (Tradução do Novo Mundo):

 

Mateus 5:41: “Se alguém sob autoridade te obrigar a prestar serviço por mil passos, vai com ele dois mil.”

 

Romanos 13:7: “Rendei a todos o que lhes é devido, a quem exigir imposto, o imposto; a quem exigir temor, tal temor; a quem exigir honra, tal  honra.”

 

Tito 3:1-3: “Continua a lembrar-lhes que estejam sujeitos e sejam obedientes a governos e autoridades como governantes, que estejam prontos para toda boa obra, que não ultrajem a ninguém, que não sejam beligerantes, que sejam razoáveis, exibindo toda a brandura para com todos os homens. Pois até mesmo nós éramos outrora insensatos, desobedientes, desencami-nhados, escravos de vários desejos e prazeres, procedendo em maldade e inveja, abomináveis, odiando-nos uns aos outros.”

 

1 Pedro 2:13, 14: “Pela causa do Senhor, sujeitai-vos a toda criação humana: quer a um rei, como sendo superior, quer a governadores, como enviados por ele para infligir punição a malfeitores, mas para louvar os que fazem o bem.”

 

Lendo as cartas destes membros da Comissão de Filial, não pude deixar de contrastar a reflexão e a amplitude de ponto de vista reveladas por muitas de suas declarações com as asserções estreitas e rígidas feitas por vários membros do Corpo Governante. Eu já tinha submetido ao Corpo Governante uma análise de 14 páginas, cuida-dosamente documentada, da evidência bíblica e histórica relativa à submissão à autoridade governamental quando essa autoridade ordena ao cidadão que execute certo trabalho ou serviço de natureza não-militar. Entre outras coisas, achei que a evidência mostrava claramente que a execução de tal serviço era similar à cobrança de impostos bíblica, visto que esta, nos tempos antigos, incluía formas de trabalho compulsório. Como apenas um exemplo, em 1 Reis 5:13-18 lemos (Tradução do Novo Mundo) que Salomão “fazia subir de todo o Israel os recrutados para trabalho forçado.” A expressão hebraica vertida por “trabalho forçado” é a palavra mas, que significa trabalho compulsório. Quando os tradutores da Versão Septuaginta (do terceiro século A.C.) traduziram este termo hebraico ¾ não só aqui mas em outros textos onde ele aparece ¾ que termo grego utilizaram? Eles o verteram com a palavra phó ros. Esse termo é idêntico ao usado por Paulo em Romanos 13:6, quando fala de pagar impostos às autoridades superiores.37 Embora o termo possa ser, e sem dúvida o seja na maioria dos casos, aplicado a imposto em dinheiro, ele de modo algum se restringe a isto, como o uso dele na Septuaginta por “trabalho compulsório” obrigatoriamente comprova.38 Lamento que, devido à sua extensão, não seja possível apresentar aqui a análise completa e a documentação bíblica, histórica, lexicográfica e etimo-lógica fornecida.39

 

Qual foi o resultado de tudo isto? Lembremo-nos de que qualquer decisão tomada afetaria as vidas de milhares de pessoas. A norma existente já tinha resultado em prisões que representavam dezenas de milhares de anos. Mais uma vez, creio que o modo em que se tratava do assunto é altamente revelador. Ilustra dramaticamente a maneira em que normas antigas, tradicionais, podem exercer um poder sobrepujante no modo de pensar dos homens que declaravam sua determinação em deixar que a Palavra de Deus fosse sua única e exclusiva autoridade.

O Corpo Governante reuniu-se e discutiu a questão em quatro sessões separadas, estendendo-se de 26 de setembro a 15 de novembro de 1978. Em todos estes quatro dias de debates as cartas enviadas receberam atenção apenas superficial; nenhum dos argumentos ou perguntas receberam análise cuidadosa ou consideração tópico por tópico, e isto aplicou-se igualmente às quatorze páginas de evidência bíblica e histórica que eu pessoalmente havia preparado. As reuniões foram típicas da maioria das sessões do Corpo Governante, no fato de que não houve nenhuma pauta específica de debates, nenhuma consideração sistemática de nenhuma das perguntas ou tópicos em questão antes de passar-se à consideração de outro tópico em questão. A discussão podia pular, como era típico, de um aspecto do problema para outro aspecto inteiramente diferente e relativamente não-relacionado. Um membro podia concluir com a pergunta: “Que base bíblica existe, então, para dizer que, por que um serviço é ‘alternativo’ ele conseqüentemente torna-se equivalente ao que ele substitui?” O membro seguinte a ter a palavra podia abordar um tópico totalmente diferente, deixando a pergunta do membro anterior pairando no ar.40

Os que eram a favor de manter a norma existente referiam-se às cartas das Comissões de Filial principalmente para descartar sua importância. Portanto, Ted Jaracz disse: “Apesar do que os irmãos possam dizer, é a Bíblia que nos guia.” Passou então a considerar alguns tópicos, não da Bíblia, mas de certos artigos da Sentinela que tratavam do assunto.

Mesmo assim, muitos dos homens das comissões de filial tinham suscitado sérios argumentos bíblicos, e estes não foram refutados nem claramente respondidos, pelo menos não de modo a convencer a maioria dos próprios membros do Corpo Governante, como revelou a votação subseqüente. Ted Jaracz, porém, exortou a que nos perguntássemos: “Até que ponto isto se constitui problema em todo o mundo?” (a pesquisa mostrara que na maioria dos países não havia provisão de serviço alternativo). Admitindo que talvez “cerca de cem pessoas sejam desassociadas” em conseqüência da norma existente, ele perguntou: “Que dizer de todos os outros irmãos da organização mundial que rejeitaram o serviço alternativo e do sofrimento já suportado pelos que tomaram tal posição? Esta pergunta parecia dizer que, por que uma opinião errada passada causou considerável sofrimento, isto de algum modo justificava continuar com a opinião errada ¾ e com o sofrimento que ela continuaria a causar! Isto ilustra como as normas tradicionais podem, nas mentes de alguns, sobrepujar tanto as Escrituras como a lógica. Como razão adicional para manter a norma que levava a este “sofrimento,” ele acrescentou: “Se nós permitirmos aos irmãos esta abertura, teremos sérios problemas, como aqueles em se mostra abertura em questões de emprego.” Na verdade, os únicos “problemas” causados pela abertura em questões de emprego foram para os que procuravam manter estrito controle sobre as atividades dos concristãos. Qualquer risco que existisse não estava realmente ligado à moralidade ou à integridade cristã da congregação; o que estava em risco era a prática da autoridade eclesiástica.

Indício disto foi o modo como o presidente da Sociedade, Fred Franz, também expressou dúvida quanto ao peso das declarações dos membros das comissões de filial. Ele lembrou ao Corpo que não votara a favor da pesquisa mundial, e daí, acentuando o tom de voz, perguntou: “Afinal, de onde vem toda esta informação? Vem do alto para baixo? Ou de baixo para cima?” Ele disse que não devíamos basear nossa decisão nas situações encontradas em diferentes países.

Como se observa, esta expressão com respeito a “alto”e “baixo” não era nova. Ele a usara tão recentemente quanto em 1972, num artigo da Sentinela, junto com a referência aos membros “das fileiras” da organização. Mas achei o tom todo do debate extremamente perturbador, especialmente as expressões como “Se nós permitirmos aos irmãos esta abertura.” Quando Klein, presidente do Corpo, me deu a palavra, lembrei aos membros que foi decisão do Corpo Governante escrever aos membros das comissões de filial, que esses homens estavam entre os anciãos mais respeitados de seus respectivos países, e que se não déssemos peso às declarações deles, daríamos peso às declarações de quem? Vi-me obrigado a acrescentar que eu entendia que nós nos considerávamos como uma fraternidade e que não tínhamos razão para ver a nós mesmos como no “alto” de alguma coisa, que devíamos até repelir pessoalmente este conceito.

Qual foi, então, o resultado final? Na reunião de 11 de outubro de 1978, dos então dezesseis membros do Corpo, treze estavam presentes e nove votaram pela mudança da norma tradicional, quatro (Henschel, Jackson, Klein, e Fred Franz) não o fizeram. Como não era uma maioria de dois terços de todos os membros, nenhuma mudança se fez. A 15 de novembro, a votação mostrou que, de dezesseis, onze eram a favor da mudança, uma maioria de dois terços. A moção votada era uma de várias sugeridas, e fora apresentada por mim. Dizia:

 

MOÇÃO

 

Que quando as autoridades superiores de qualquer país, atuando por meio de quaisquer das agências constituídas que utilizam, ordenarem que um irmão execute alguma forma de trabalho (quer devido à objeção conscienciosa dele ao serviço militar quer por outros motivos), nenhuma ação congregacional será tomada contra tal irmão se ele acatar esta ordem, contanto que o trabalho que lhe ordenarem não esteja em violação a ordens diretas ou claros princípios bíblicos que se acham na Palavra de Deus, incluindo o de Isaías 2:4.¾ Mat. 5:41; 22:21; 1 Cor. 13:1-7; 1 Pe. 2:17; Tito 3:1; Atos 5:29.

Continuaremos a exortar nossos irmãos a se guardar contra tornar-se parte do mundo e que, em quaisquer circunstâncias em que se encontrarem, devem manter o reino de Deus em primeiro lugar, jamais esquecendo que são escravos de Deus e de Cristo. Devem, pois, valer-se de quaisquer provisões que lhes concedam a maior liberdade para usar tempo, energia e fundos em prol desse reino. ¾ João 15:17-19; Atos 25:9-11; 1 Cor. 7:21. 23.

 

Uma maioria de dois terços votara a favor da moção ¾ mas esta maioria de dois terços não durou muito. Durante um breve intervalo na reunião, um dos membros comentou que haveria evidentemente uma mudança de voto. Citou o presidente Franz (um dos contrários a qualquer mudança) dizendo: “Ainda não terminou; Barry reconsiderou.” Lloyd Barry estava entre os onze que votaram pela moção. Por que a mudança? Já que a decisão podia fazer a diferença entre homens irem ou não irem para a prisão, acho esclarecedor imaginar que espécie de coisas podem acontecer num corpo governante religioso que detém poder de afetar as vidas de milhares de pessoas.

Pode-se notar que nos textos citados no fim do primeiro parágrafo da moção aparece a citação “1 Cor. 13:1-7”. Minha intenção era pôr “Rom. 13:1-7” mas, talvez pela familiaridade com a conhecida descrição do amor na Primeira aos Coríntios, capítulo 13, escrevi aquilo por engano. Alguém trouxe o assunto à minha atenção durante o intervalo, e o Corpo foi informado da necessidade de corrigir esta única referência.

Quando voltamos a nos reunir, porém, Lloyd Barry declarou que não votaria a favor da moção com o texto de Romanos capítulo 13 entre as citações. Quando tive chance de falar, sugeri a Lloyd que podíamos simplesmente eliminar totalmente a referência ou até remover todos os textos citados se isso tornasse a moção aceitável para ele. Sem explicar o motivo de sua objeção, ele disse que mesmo assim não votaria pela moção e que estava retirando seu voto anterior. Outros membros empenharam-se para fazer algum ajuste conciliatório, mas sem êxito. Embora não existisse provisão alguma para alguém retirar seu voto após uma moção ter sido aprovada, cedemos à ação de Barry. Acabara-se a maioria de dois terços. Quando, após mais algum debate, fez-se outra votação, o resultado foi: Nove a favor, cinco contra, uma abstenção.41 Embora ainda existisse uma maioria defintiva, já não era uma maioria de dois terços. Embora apenas uma minoria do Corpo Governante favorecesse a continuação da norma existente e das sanções que seriam impostas a quem aceitasse o serviço alternativo (a menos que sentenciados a isso), aquela norma continuou em vigor. Ano após ano, centenas de jovens que se submeteram a essa norma, mesmo sem compreendê-la ou ter convicção de que era correta, continuaram a ser detidos, julgados e presos ¾ por que uma pessoa de um conselho religiosos mudou de idéia. Os varões Testemunhas podiam exercer sua opção conscienciosa apenas pelo preço de serem excluídos das congregações de que faziam parte, de serem vistos como infiéis a Deus e a Cristo.

Tais circunstâncias certamente deixam claro por que nunca se deveria esperar que um cristão hipoteque sua consciência a qualquer organização religiosa ou a algum corpo de homens com autoridade virtualmente ilimitada sobre a vida das pessoas. Eu achava tudo isso desalentador, trágico. Aprendi, todavia, de modo mais claro, exatamente até onde o caráter de uma estrutura de autoridade pode levar os homens, como esta os faz tomar posições rígidas que eles normalmente jamais tomariam. Este caso ilustrou o modo em que o poder da tradição, junto com o legalismo técnico e a desconfiança nas motivações das pessoas, pode impedir alguém de assumir uma posição compassiva.

A questão veio à tona mais uma vez e a votação ficou empatada. Conseqüentemente, ela foi retirada e pareceu perder a importância para a maioria dos membros. A organização, seguindo suas regras de votação, tinha falado. Os argumentos das comissões de filial não precisavam de resposta ¾ seriam simplesmente informadas de que “nada mudara” e elas procederiam concordemente. Os homens nas prisões jamais saberiam sequer que a questão fora debatida e que, consistentemente, a metade ou a maior parte do Corpo Governante não acreditava que eles precisavam estar onde estavam.

 

Como exemplo da inconsistência sempre presente em tais raciocínios está uma questão paralela que foi depois considerada. Originou-se na Bélgica, o país onde surgira toda a questão do serviço alternativo. A filial belga pediu diretrizes sobre outro assunto. A lei belga determinava que certas pessoas, geralmente advogados, fossem selecionadas e designadas para servir nos locais de votação durante as eleições políticas, para garantir o devido cumprimento do processo de votação. A Comissão de Filial queria saber se isto era permissível aos advogados Testemunhas. Curiosamente, o Corpo Governante decidiu que prestar serviço deste modo não desqualificaria alguém como Testemunha aprovada ¾ embora fosse difícil imaginar uma designação mais próxima do envolvimento com o processo político do que esta.

 

Generalização e Classificação

 

Outra característica do raciocínio legalístico é a prática de generalizar e classificar as coisas. Isto é, por que certos aspectos de alguma coisa são maus, a tendência é generalizar dizendo que a coisa toda é má.

Este é, essencialmente, o mesmo tipo de generalização injustificada que classifica todo um grupo nacional ou racial como contaminado se algumas pessoas dentro desse grupo ou raça forem culpados de uma ação ou atitude errada. Por meio desta generalização, pessoas desta raça ou nacionalidade são vistas como propensas ao crime, desonestas, preguiçosas, não-confiáveis, gananciosas e astutas, só porque o todo é julgado com base numa parte. O resultado é o preconceito, que denota um modo de pensar tacanho. É preciso cautela e critério para avaliar um povo individualmente, pessoa por pessoa. Amontoá-las todas numa só classe é bem mais fácil, obviamente, como também é flagrantemente injusto e ilógico.

Nos debates do Corpo Governante, comecei a perceber até que ponto as decisões se baseavam num tipo similar de generalização e classificação injustificadas. Em muitas das diretrizes elaboradas concentrava-se a atenção na organização como um todo, em vez de naquilo que as pessoas individualmente eram ou faziam. Se fosse detectada alguma falha em parte das práticas ou padrões de uma determinada organização, amiúde a organização inteira ¾ e todos nela ¾ eram condenados e vistos como zona “tabu” para as Testemunhas.

Esta atitude permite que todas as outras professas associações cristãs sejam vistas como intrinsecamente más. Se houver alguma falha em certos ensinos da religião, a religião passa a ser vista, em sua totalidade, como impura, e qualquer pessoa que dela faça parte é também impura, desprovida do favor de Deus. Esta atitude faz com que até filiar-se à A.C.M. seja motivo para desassociação.42 O fato de eu achar que há algo não-cristão numa religião dificilmente me dá o direito de julgar todos os seus membros como totalmente inaceitáveis para Deus. Isto segue o princípio da “culpa por associação,” um princípio que foi usado contra Jesus pelos líderes religiosos. (Confira Mateus 9:11; 11:19.) Por este princípio, não importa que tipo de pessoa o indivíduo seja, quais são suas crenças pessoais, quanta devoção à Palavra de Deus ele pessoalmente demonstra, quão elevados são os padrões de moral pelos quais ele vive. A menos que ele encerre sua associação com quaisquer destes grupos religiosos ¾ e se torne membro das Testemunhas de Jeová ¾ ele será destruído por Deus na época da “grande tribulação.” Paradoxalmente, quando pessoas associadas com as Testemunhas de Jeová descobrem ensinos não-bíblicos ou práticas não-cristãs em sua organização, dizem-lhes que não devem fazer crítica aberta, não devem esperar perfeição, e sim apegar-se à organização, “esperando em Deus,” que eventualmente esclarecerá as coisas.

A generalização e a classificação destacam-se especialmente em questões de emprego, como já vimos. Em muitos casos, o fator que determina se um certo emprego é ou não é “aceitável” ¾ não é o trabalho que de fato se presta ¾ mas quem o supervisiona, quem paga por ele, ou se é prestado na propriedade de alguma organização religiosa ou militar.

Em Romanos capítulo 13, versículo 4, o apóstolo Paulo escreveu a respeito da “autoridade superior” do governo:

 

Pois é ministro de Deus para ti, para teu bem. Mas, se fizeres o que é mau, teme; porque não é sem objetivo que leva a espada; pois é ministro de Deus, vingador para expressar furor para com o que pratica o que é mau.

 

A “espada” da autoridade superior nos dias de Paulo era o exército, pois não havia força policial à parte na época dele. O objetivo do exército romano na Palestina era manter a Pax Romana, e ao fazê-lo ele agia especialmente como força em prol da paz e da ordem, agindo contra os violadores. Na própria experiência de Paulo, pode-se notar que foram os militares que o salvaram da multidão irada na área do templo. Foram os militares que o protegeram de uma trama para assassiná-lo e lhe proveram transporte seguro para Cesaréia.43 Até hoje, as forças militares são muitas vezes mais ativas na manutenção da lei e da ordem em tempos de crise do que na guerra. Durante os anos que servi na República Dominicana, houve muitas ocasiões em que o perigo de distúrbios e violência fugiu ao controle policial e foram as forças militares que foram chamadas a servir como principais guardiãs da paz. Embora alguém possa corretamente fazer objeção de consciência ao mal envolvido em combates militares e derramamento de sangue e a participar nestes, isso não justifica a recusa em admitir quaisquer benefícios prestados pelas forças militares, nem fornece base para se classificar tudo que é ligado aos militares como inerente, automatica e totalmente mau, de modo que qualquer contato com estes contamine a pessoa, tornando-a culpada de sangue.
O mesmo se aplica à política. É fácil converter este termo em sinônimo de todos os aspectos negativos que surgem no governo humano. As dissensões e a ambição egoísta típicas de muitas campanhas políticas, com seus insultos e baixezas, junto com a hipocrisia, a corrupção e a tirania que também são muito freqüentes nos sistemas políticos, podem ser usadas, nesta equação, para classificar como automaticamente má qualquer coisa a que se possa aplicar o termo “político.” Foi esta mesma condenação e classificação em bloco que gerou a norma da organização para Malaui, com seus resultados calamitosos.44 Mas política significa basicamente governo e as Escrituras ensinam que os governos têm definitivamente um aspecto benéfico.

Segundo a diretriz da Torre de Vigia, se o governo ordenar a uma Testemunha que sirva como secretário de uma administração comunitária estabelecida por ele (como ocorreu nas Filipinas com seu sistema de barangays), ela deve recusar, mesmo arriscando-se a ser multada ou presa, para evitar a desassociação.43 É difícil harmonizar isto com a atitude de Daniel e seus três companheiros durante o domínio político dos impérios babilônico e medo-persa. Daniel não só aceitou a designação para um alto cargo na estrutura política babilônica como pediu cargos administrativos para seus três amigos.46 Com isso não mostraram falta de integridade, pois eles se provaram dispostos a enfrentar a morte para não serem desleais a Deus. (Daniel 3:8-18) Na questão de servir à estrutura governamental (política), eles mostraram a discriminação conscienciosa ¾ e não a classificação em bloco. Os cristãos hoje podem também rejeitar e evitar o que é mau e ao mesmo tempo reconhecer o que possa existir de bom. Eu não poderia conscienciosamente tomar parte numa campanha política, com suas táticas agressivas e desagregadoras. Isto, no entanto, não faz com que eu veja alguma coisa como automatica e intrinsecamente má apenas porque ela leva o rótulo de “política.”

Com respeito a Daniel e seus três companheiros, existe evidência adicional de sua capacidade de distinguir entre o que era e o que não era uma questão importante. Relaciona-se com os nomes que lhes foram designados pelos babilônios. Se não em todos, pelo menos em alguns casos esses nomes incluíam os nomes de deuses babilônicos.47  O próprio Nabucodonosor fala especificamente do nome designado a Daniel, Beltessazar, dizendo que este era “segundo o nome de meu deus.” (Daniel 4:8, 9) Bel (correspondente ao termo cananeu Baal), era um dos maiores deuses babilônicos. Duvido seriamente que qualquer Testemunha de Jeová atenderia se fosse chamada por um nome que lhe fosse designado por uma fonte pagã e que tivesse qualquer ligação com o nome de um deus falso. Todavia, os relatos do livro de Daniel mostram que, quando chamados por estes nomes, Daniel e seus companheiros não se recusavam  a atender.48

Penso nisto quando recordo algumas medidas extremas que Testemunhas têm sido obrigadas a tomar para demonstrar “estrita neutralidade,” “completa separação do mundo,” especialmente em resultado das normas classificadoras da organização, que as deixaram altamente sensíveis. Há uma  preocupação excessiva quanto ao que as coisas vão parecer, em vez da realidade. No moderno estado de Israel, as Testemunhas que recusaram o serviço militar foram presas. Mandaram-nas vestir roupas militares. Qualquer que fosse a aparência que tivessem, a realidade é que eles eram prisioneiros devido à posição que tomaram. Não obstante, recusaram-se a usar as vestimentas e alguns até circularam com suas roupas de baixo em vez de vestir aquelas roupas. Uma sugestão do Corpo Governante foi de que eles poderiam usá-las pelo avesso para registrar sua objeção. No entanto, já que um nome é muito mais visto como identificação do que um uniforme, o fato de que Daniel atendia pelo nome Beltessazar não pode deixar de vir à mente. Ele sabia que esta denominação não alterava o que ele era e quando um problema genuíno surgiu, estava disposto a demonstrar o que ele era, embora isso significasse a morte na cova dos leões. (Daniel 6:6-23) Caso se tivesse guiado pela doutrinação e normas da Torre de Vigia, ele certamente não teria mostrado tal ponto de vista equilibrado, perspicaz.

Um tanto relacionado a isto é o modo como a organização Torre de Vigia costuma agora abster-se das celebrações de vários feriados (ou mesmo aniversários) como evidência de uma justiça superior. Até hoje não comemoro estes feriados, mas reconheço que uma importância exagerada lhes foi atribuída, pois o fato de a pessoa comemorá-los ou não, é motivo para se determinar se ela é praticante da adoração pura ou merecedora de desassociação.

Dá-se muita importância à “origem pagã” de vários costumes e coisas relacionadas com alguns destes feriados.49 Realisticamente, porém, qualquer significado “pagão” que estes tenham tido há muito despareceu. Recordo de um discurso que fiz nos anos 70, tratando da necessidade de não ir a extremos nestes assuntos, destacando, entre outras coisas, que os próprios dias da semana (em inglês) envolvem os nomes de objetos pagãos de adoração, o sol, a lua, e dos deuses e deusas Twi, Votã, Tor, Fréia e Saturno. O mesmo ocorre com os nomes dos meses.50 No entanto, hoje empregamos esses nomes sem a menor idéia de sua “origem pagã.” Atualmente a maioria das pessoas desconhece totalmente sua fonte “pagã.” Isto se aplica igualmente aos vários adornos e costumes relacionados com muitos dias festivos.

Embora dêem grande ênfase à questão da “origem pagã,” a organização Torre de Vigia simplesmente a ignora em outras áreas, como no caso das alianças de casamento. Sua própria publicação, Que Tem Feito a Religião Pela Humanidade? (1956), páginas 268 e 269, cita o cardeal Newman, católico, dizendo que, junto com coisas tais como o uso de templos, incenso, velas, etc, “o anel nos casamentos” está entre as coisas que são “de origem pagã, e santificadas pela sua adoção na Igreja.”51 Todavia, quase todas as Testemunhas de Jeová usam o “anel nos casamentos,” algo que sua própria publicação revela como “de origem pagã.”

Recordo que quando a Sociedade adquiriu um antigo cinema em Queens, Nova York, para usá-lo como Salão de Assembléias, o local era todo decorado com antigos temas egípcios. Por sobre a marquise, a fachada do prédio tinha grandes azulejos retratando vários deuses e deusas egípcios, e até um que trazia uma crux ansata. O interior continha outros itens, inclusive flores de lótus, que tinham várias conotações nas crenças egípcias. Quando a Torre de Vigia restaurou o prédio todos estes itens foram deixados intactos. Alguns anos depois, uma amiga nossa da República Dominicana assistiu lá, como nossa convidada, a uma formatura da Escola de Gileade. Ela ficou chocada com os símbolos pagãos e me expressou o que sentia, dizendo que  não saberia o significado destas coisas se não tivesse lido sobre elas nas próprias publicações da Torre de Vigia.52 Ela não conseguia harmonizar as declarações firmes e negativas, feitas nas publicações, com esta aparente tolerância. Senti-me obrigado a escrever ao presidente Knorr, indicando que minha preocupação primária era com ela (e com outros que pudessem sentir-se como ela). Knorr veio à minha sala e argumentou sobre o assunto, dizendo que aquelas coisas eram simples decorações e que ele não achava, por exemplo, que as pessoas que vissem aqueles lótus iriam atribuir-lhes uma conotação sexual. Perguntou-me se eu achava que nós não podíamos sequer fazer uso de uma tradução católica se esta tivesse uma cruz na capa. Respondi que eu mesmo não era hipersensível quanto a tais coisas, mas que eu achava que tínhamos a obrigação de nos preocupar se houvesse um efeito negativo sobre outros, que se criávamos um determinado padrão para os outros, as pessoas tinham então o direito de esperar que nós mesmos o seguíssemos. Não muito depois, as decorações de deuses e deusas foram encobertas com tinta. O interior do prédio permaneceu essencialmente o mesmo. Mais recentemente, a Torre de Vigia adquiriu o grande Hotel Bossert, em Brooklyn, que tem seu exterior ornamentado por gárgulas. Estas, também, são vistas pela organização como decorações inconseqüentes, sem nenhum significado sério. Como vim a constatar em muitos casos, as severas exigências lançadas sobre as Testemunhas das “fileiras” de repente se abrandam quando estão envolvidos os interesses da organização.

Pessoas dentre as Testemunhas têm sido desassociadas por comemorar aniversários. O cerne do argumento da Torre de Vigia parece se basear no princípio da culpa por associação ¾ que devido às Escrituras mencionarem que apenas Faraó e Herodes comemoraram aniversários e porque estes eram iníquos, então a comemoração de aniversários é necessariamente iníqüa também.53 Esta é com certeza uma conclusão forçada. Se, como ilustração, as únicas referências a festas de casamento nas Escrituras fossem as de dois pagãos ou não-cristãos (talvez até coincidindo com a ocorrência de embriaguez ou imoralidade) ¾ tornaria isso as festas de casamento algo errado, impróprio para os cristãos?

A Torre de Vigia utiliza citações sobre a ausência de comemorações de aniversário pelos judeus ou pelos professos cristãos dos primeiros séculos. É esta realmente uma razão sólida para tomar uma posição rígida? Comemoravam os judeus ou os professos cristãos dos primeiros séculos aniversários de casamento? Determinaria o fato de que eles não o faziam que hoje nós não o façamos? Em muitos países as Testemunhas de Jeová comemoram aniversários de casamento. A idéia proclamada de que as comemorações de aniversário significam intrinsecamente ‘idolatrar’ a pessoa é uma classificação irrealista. Os casais que comemoram seus aniversários de casamento não idolatram a si mesmos nem a seu matrimônio. Como muitas outras coisas, é o modo como as coisas são feitas, o espírito demonstrado, e isto pode variar enormemente.54 Em parte alguma das Escrituras há alguma indicação de que Deus desaprova, em si mesmas, as comemorações de aniversário. Nada dizem a esse respeito. Eis um caso em que homens presumem saber o pensamento de Deus, fazendo julgamentos e regras que o próprio Deus não fez.

Não defendo, com tudo isto, quaisquer destas comemorações. Creio simplesmente que, considerado de modo calmo e realista, estas são questões de pouca importância, jamais dando base ao sentimento de justiça superior gerada pela abstenção das Testemunhas, e certamente nunca justificando a norma de desassociação que está em vigor. O mero fato de saber que algo não é condenado não o torna atraente. Sinto repulsa pela futilidade e pelo comercialismo de muitos dias festivos. Não simpatizo com o costume de crianças “fazerem um pedido” quando sopram as velas (como se faz em meu país), já que isto alimenta a superstição, ou cultivar ficções tais como Papai Noel. Assim mesmo, creio que atribuir tamanha gravidade a estas coisas como se fossem questões de vida e morte e julgar outros com base nisso seria ir além do que o ensino cristão autoriza.

 

Em sua atitude absolutista e na prática de classificar as coisas, acha-se um paradoxo na norma da organização Torre de Vigia que permite filiar-se a sindicatos trabalhistas. A organização sabe, porém, que os sindicatos são claramente uma força política. Ela condena a participação nas greves como forma de coerção por intimidação; ela considera aquele que aceita um cargo oficial num sindicato como “não-exemplar,” não podendo assim ser ancião ou servo ministerial; ela declara que fazer piquete não é cristão ¾ e no entanto, estranhamente, diz que se, ao recusar o trabalho de piquete, a Testemunha for designada a um trabalho substituto (“serviço alternativo”) de limpar a sede do sindicato ou atender o telefone, isto cabe à consciência dela.55 Por que não é este serviço em substituição ao piquete visto da mesma forma que era o trabalho substituto do serviço militar? E por que, com todos estes alegados aspectos “não-cristãos,” fazer parte de um sindicato não torna maculado e impuro o trabalhador Testemunha? Como contorna a Sociedade Torre de Vigia a evidente contradição desta norma? Faz isto por simplesmente dizer às Testemunhas que elas podem ver a filiação a um sindicato como um “seguro de emprego”! E no entanto, não podem considerar a filiação à A.C.M. e o uso de suas instalações para exercícios e natação como um “seguro de saúde,” ou, no caso das Testemunhas malauis, possuir uma carteira partidária como um “seguro de residência,” ou mesmo um “seguro de vida.”56

Uma vez mais, é um caso de líderes religiosos que ditam ao indivíduo quando ele pode ou não pode ter reservas mentais. (Compare com Mateus 15:3-9) O Corpo Governante se dispõe, para obter benefícios legais, a classificar a organização das Testemunhas como “hierárquica,” embora fora dos tribunais ele negue que é assim. Isto é certamente uma busca de acomodação por meio de certa medida de transigência. A transigência não é algo necessária ou inerentemente errado. Implica em ceder até certo ponto, e a vida exige de nossa parte certa transigência a fim de podermos viver e trabalhar com outros. O erro acontece quando começamos a transigir em nossos princípios. A organização atribui a si própria o direito de apresentar-se ao mundo numa forma que em toda parte ela condena firmemente, sem ver nisso uma transigência de princípios, mas nega a seus membros o direito correspondente de decidir o que eles podem fazer de consciência tranqüila quando se deparam com circunstâncias igualmente difíceis ou mais. A opinião que a liderança religiosa adota com relação a uma questão é imposta a todos os que estão abaixo como a opinião que eles devem adotar. O fato de os membros do Corpo Governante em sua “torre de marfim” enclausurada, protegida, raramente terem de enfrentar dificuldades, privações ou problemas que a Testemunha comum tem de enfrentar, parece não ter nenhum efeito acautelador ou moderador na prontidão com que impõem seus conceitos aos membros individuais.

 

Estabelecem Critérios Duplos

 

Uma outra falha comumente vista no legalismo religioso é a existência de critérios duplos ¾ estabelecendo uma série de critérios para si mesmos e outra para os demais. Conforme Jesus disse daqueles que, na prática, se sentavam na cadeira de Moisés e atuavam como advogados da lei Mosaica:

 
Portanto, todas as coisas que eles vos dizem, fazei e observai, mas não façais segundo as ações deles, pois dizem, mas não realizam.57
 
A evidência dessa atitude foi mais um dos fatores que me perturbou como membro do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová. Em Crise de Consciência, coloquei alguns exemplos da aplicação de critérios duplos.58 Constituíam apenas parte do todo.
Considere, por exemplo, estas citações sobre a honestidade nos negócios:

 

Respeitamos realmente a verdade ou estamos dispostos a torcer a verdade um pouco, para nos livrar duma situação inconveniente ou para obter algo que desejamos? Mentir é uma prática comum no comércio... Sente-se tentado a mentir, como saída fácil, quando está em apuros?59
 
Às vezes, o que temos de declarar a outros tem de ser por escrito. Por alguma razão, pessoas que jamais mentiriam oralmente acham que a coisa é diferente quando se trata de declarar renda para fins de imposto ou relacionar itens para agentes alfandegários numa fronteira internacional. Este tipo de defraudação custa a todos os que pagam impostos. É isso genuíno amor ao próximo? Além do mais, não tem os cristãos o dever de ‘pagar de volta a César as coisas de César’?... Homens inescrupulosos talvem recorram à linguagem dúbia para distorcer e enganar.60

 

Paulo continua: “Rendei a todos o que lhes é devido, a quem exigir imposto, o imposto; a quem exigir tributo, o tributo; a quem exigir temor, tal temor; a quem exigir honra, tal honra.” (Romanos 13:7) A palavra “todos” inclui toda autoridade secular que seja servo público de Deus. Não há exceções. Mesmo se vivemos sob um sistema político que pessoalmente não gostamos, pagamos impostos... nenhum cristão deve legalmente esquivar-se de pagar impostos.61

 

Tudo isto, de fato, estabelece um alto padrão. Recordo-me duma carta sobre este assunto enviada da Itália. Informava que naquele país o costume de declarar lucros comerciais abaixo da realidade era tão comum e difundido, que era prática do governo ajustar automaticamente as declarações de renda por acrescentar um certo percentual à quantia declarada. A pergunta era se, em vista disso, a Testemunha comerciante devia declarar o montante da sua verdadeira renda ¾ sabendo que seria considerada muito baixa ¾ ou se cabia a ela decidir como relatá-la de modo a pagar o que as leis tributárias realmente exigiam que pagasse. O Corpo Governante determinou que a questão não cabia ao indivíduo e que a quantia total tinha de ser declarada. (Artigos na seção “Perguntas dos Leitores” da revista Sentinela estabeleceram padrões igualmente rigorosos sobre tais assuntos, e as Testemunhas que deixam de acatá-los estão sujeitas à disciplina, e em alguns casos à desassociação.)

De modo algum questiono a importância do princípio cristão da honestidade, ou como este é enaltecido nos artigos acima citados. O que questiono é se cabe a um conselho religioso ditar normas à pessoa em circunstâncias específicas e incomuns, e, na prática, dizer-lhe como deve reagir sua consciência. A razão que me faz pensar isso é o que sei das próprias práticas da organização nestas áreas.

Como exemplo, a Comissão de Filial da Colômbia, em preparação para a “visita de zona” anual de um representante da sede, fez uma lista de perguntas para as quais buscavam respostas. Algumas envolviam sua preocupação quanto a certas normas contábeis que a organização estebelecera e às quais eles seguiam. Assim, a sexta pergunta desta lista tratava do fato de a filial declarar certas rendas ao governo como “doações,” enquanto elas apareciam em seus livros como “restituições de investimento.” Eles ficavam perturbados com isto, e esta fotocópia da matéria deles mostra como explicavam o que sentiam:

 

6.     De acordo com a lei colombiana das sociedades sem fins lucrativos, estamos proibidos de fazer empréstimos sobre os quais incidam juros. Fazer isso nos classificaria como firma comercial e passível de pagar impostos corporativos à taxa das sociedades limitadas. No momento, classificamos a renda proveniente dos reembolsos de empréstimos para Salões, que incluem juros, como doações, para fins de declaração de nossa renda ao governo. Todavia, nos livros da Sociedade, esta renda está classificada como restituição de investimentos, #7A, e nos livros-razão individuais os pagamentos sobre o principal e o juro estão claramente identificados. Podemos saber sua opinião sobre os aspectos morais deste procedimento?

 

A sétima pergunta deles tratava de similares malabarismos de informações com respeito aos missionários estangeiros que eram introduzidos no país:

 

7.    Temos contratos de trabalho com nossos missionários e nós os registramos como empregados junto ao ministério do governo que cuida dos estrangeiros. Temos de fazer isto a fim de fazê-los entrar no país. Todavia, em nossas declarações de imposto, mostramos que não temos empregados. Isto é para evitar pagar contribuições para empregados à previdência social, etc, e para evitar problemas com complexos pagamentos de benefícios sociais exigidos por lei. “Todo mundo faz isso,” mas como ficamos nós moralmente?

 

Em ambos os casos, pode-se notar que a razão deste método “irregular” de prestar contas ao governo era esquivar-se de certos impostos ou outras despesas. Embora o princípio de que os cristãos obedecem a todas as leis exceto as que violam a lei de Deus seja legítimo, esse princípio não pode servir de justificativa para não obedecer a estas leis tributárias da Colômbia.62 Deve-se notar, mais uma vez, que estes métodos contábeis não partiram do escritório da filial da Colômbia. Com base no conhecimento pessoal, tanto por ter servido como superintendente de filial em Porto Rico e na República Dominicana, bem como pelas visitas oficiais que fiz como membro do Corpo Governante às filiais de vários países, sei que nenhuma filial estabelece as próprias normas contábeis. Estas são determinadas pela sede central da organização. A filial da Colômbia estava simplesmente seguindo a prática que a organização também adota em outros países. Eles não achavam que podiam desviar-se de tais práticas sem antes pedir permissão, como demonstram suas perguntas. Mas, conforme demonstrado por suas declarações, os homens da filial sentiam-se com a consciência perturbada quanto à moralidade destas práticas, sem dúvida pelo contraste que estas fazem com as afirmações da organização publicadas na revista A Sentinela. Pelo que sei, as práticas instituídas não foram alteradas.

O segundo tópico vindo da Colômbia, mostrado acima, toca em outra inconsistência. Como bem se sabe, muitos do México entram nos Estados Unidos como estrangeiros ilegais, que buscam trabalho e melhorar suas condições de vida. Os cartões da previdência social são geralmente obtidos com base em informações falsas. Alguns destes, daí por diante, levaram vidas responsáveis no país durante décadas, criaram famílias, compraram ou construíram casas e até abriram negócios. Alguns destes depois tornaram-se Testemunhas, às vezes muitos anos depois.

A norma da organização permitiu aos que desejavam ser batizados como Testemunhas de Jeová que o fizesem. Mas não se permitia aos varões servirem em qualquer responsabilidade, quer em dirigir reuniões, quer como servos ministeriais ou anciãos.63 A posição tomada era de que “eles estão vivendo uma mentira.” Apresentavam-se falsamente como morando legalmente no país, portando documentos que não eram autênticos. A fim de qualificar-se para quaisquer responsabilidades, eles têm de ir às autoridades e buscar legalizar sua situação. De outra forma, o único outro meio de qualificar-se seria retornar ao México ¾ o que normalmente significaria abrir mão de seus empregos, vender ou desfazer-se de suas casas e propriedades caso as tivessem.64

A organização, todavia, estabeleceu ela própria certos arranjos que geram uma situação similar de ilegalidade. A Sociedade Torre de Vigia tem por vezes enfrentado barreiras legais em seus esforços de enviar seus missionários treinados para certos países da América do Sul, Europa, África e Pacífico Sul. O país pode recusar conceder vistos de entrada ou de residência aos missionários da Torre de Vigia. Esta geralmente envia missionários, nestes casos, não porque não haja Testemunhas no país, mas por querer enviar um pessoal mais bem treinado pela organização em seus ensinos, normas e métodos. A obra e a adoração das Testemunhas de Jeová não depende da entrada deles no país, mas a organização crê que isto geralmente resulta em crescimento numérico mais rápido ou no funcionamento mais eficiente de um escritório de filial.

A organização tem muitas vezes feito arranjos com alguma Testemunha local que tenha algum negócio ou indústria que provê uma carta ou documento afirmando que determinado missionário (que não é identificado como tal no documento) está sendo contratado para trabalhar em sua firma. Ou uma Testemunha ligada a uma firma que não está nesse país, mas que tem comércio ou tratos internacionais, pode fornecer esta carta ou documento, declarando que a pessoa servirá como representante de tal forma no país visado. O missionário, e sua esposa, se casado, podem ir ao país como não-Testemunhas, e, após a chegada, manter-se propositalmente (seguindo instruções da organização) afastados de reuniões e de associação com  Testemunhas (exceto talvez com algumas pessoas “de contato” designadas) Daí, após algum tempo, e fazendo uso de uma visita de Testemunhas que vão de porta em porta em sua região, agem então como se estivessem interessados na religião das Testemunhas de Jeová e logo começam a assistir às reuniões. Não demora muito e estão trabalhando no escritório da filial ou em outraa funções ¾ todas tornadas possíveis por este fingimento. Tenho conhecimento pessoal de tais casos, como por exemplo, em Portugal.

Outro método, utilizado em alguns países sul-americanos, tem sido o missionário solicitar entrada como estudante, que vai estudar na universidade do país envolvido. Quando chega, ele assume o mínimo de aulas exigido e gasta o resto do tempo na atividade de testemunho ou outra atividade destinada a promover os interesses da organização.

Outros ainda ingressam no país apresentando-se como “turistas,” a cada seis meses deixam-no por meio de uma cidade de fronteira, e, após um dia ou dois, reingressam através da mesma cidade ou outra próxima. Alguns representantes estrangeiros da Torre de Vigia na Espanha e no México viveram durante décadas nesses países usando este método, por todo esse tempo continuando a fazer-se passar por “turistas,” embora muitas vezes sendo empregados de tempo integral nos escritórios da filial da Torre de Vigia.

Em todos os casos, estes arranjos são elaborados pela sede da Torre de Vigia, não por iniciativa pessoal dos missionários.

O motivo para considerar estas práticas não se deve a qualquer interesse de julgar a natureza ética ou moral das práticas em si mesmas, ou as pessoas envolvidas. O que me perturba é, mais uma vez, a aplicação de um critério duplo, no qual a organização toma para si o direito de julgar a moralidade de uma ação quando posta em prática pelas pessoas “comuns” (classificando-as quanto a serem designadas como exemplares), mas considera-se acima de crítica ou condenação quando faz a mesma coisa para promover os “interesses organizacionais.”

Quaisquer que sejam os métodos empregados, os representantes da Torre de Vigia estão vivendo em tais países, e sabem disso, sob falsas aparências, violando as leis do país. Um trabalhador mexicano que talvez se desesperou com a situação de miséria de sua esposa e filhos, que entrou ilegalmente nos Estados Unidos e obteve emprego por apresentar-se como estando lá legalmente, foi classificado como “vivendo uma mentira,” e não podia, ao tornar-se Testemunha de Jeová, servir como alguém exemplar na congregação. A organização, porém, podia enviar os próprios representantes para um país (talvez o mesmo país de onde veio o trabalhador, o México), duma maneira que viola a lei ou no mínimo a contorna através de uma declaração enganosa, em que o enviado da Sociedade representa um papel não-autêntico, contrário aos fatos, e isto é visto como apropriado; é nos interesses da Sociedade e sua expansão. É como se nas operações e atividades religiosas fosse permitido e aceitável um padrão inferior de conduta, que não seria considerado aceitável em assuntos seculares. A posição parece ser a de que os fins justificam os meios, desde que o fim que se busca seja o da organização, e não o de uma pessoa qualquer. Desta forma, a balança da justiça dela é regulada de um modo, quando se trata de pesar a justiça dos outros, e de modo oposto, quando pesa a dela própria.65

 

Exemplos similares de inconsistência também podem ser achados nos conselhos que a Torre de Vigia dá às Testemunhas, inclusive os jovens, que precisam depor perante um tribunal. O departamento jurídico da Sociedade agora fornece uma brochura às Testemunhas que lidam com casos de custódia de filhos (em tais casos o cônjuge adversário geralmente não é Testemunha). A brochura com mais de 60 páginas fornece orientações para pais Testemunhas, seus filhos e seus advogados, bem como para anciãos locais e outros que possam prestar depoimento, examinando perguntas difíceis que possam ser feitas pela parte adversária, daí oferecendo sugestões de respostas-modelo. Recordando o já citado artigo de A Sentinela sobre a honestidade, podemos lembrar que este perguntava:

 

Que dizer da veracidade? Respeitamos realmente a verdade ou estamos dispostos a torcer a verdade um pouco, para nos livrar duma situação inconveniente ou para obter algo que desejamos?

 

Compare isso com algumas das respostas sugeridas no manual da Sociedade. Debaixo de “ATITUDE DO PAI TESTEMUNHA NA ACAREAÇÃO,” acha-se esta pergunta e a resposta sugerida (página 12):

 

Serão todos os católicos (ou outros) destruídos?

 

       Jeová é quem faz esses julgamentos, não nós.

 

Isto soa bem, sugere que se está livre de uma atitude dogmática, condenatória. Todavia, a Testemunha que responde assim sabe que as publicações de sua organização ensinam claramente que só aqueles que estão associados com a “organização de Jeová” sobreviverão à “grande tribulação,” e que todos os que deixam de vir para essa organização enfrentam a destruição.66

No tópico “INTERROGATÓRIO DIRETO E RESPOSTAS PARA ANCIÃO LOCAL,” o folheto apresenta estas perguntas e respostas (páginas 29-31):

 

· Que conceito tem a igreja [isto é, a religião das Testemunhas] quanto ás

      pessoas de outras religiões?

 

  (Jesus ensinou a amar o próximo como a si mesmo, inclui todos;

   respeitamos o direito dos outros de adorarem como preferirem.)

 

· Ensina a igreja que os jovens devem aprender apenas a religião das

  Testemunhas de Jeová?

 

  (Não. Considere as seguintes considerações objetivas de outras religiões

  em nossas publicações.) [Segue uma lista de artigos das revistas A Senti-

  nela e Despertai!]

 

Mais uma vez, as respostas sugerem uma atitude de considerável tolerância e até de mente aberta. Mais uma vez, porém, o ancião Testemunha que responde assim sabe que as “pessoas de outras religiões” estão todas dentro de “Babilônia, a Grande,” o império da religião falsa, descrito como uma “grande meretriz” nas Escrituras, que a adoração que elas preferiram é considerada como não-cristã, e que, se permanecerem nela, enfrentarão a destruição. Ele sabe também que as Testemunhas são exortadas a não ter relações sociais com tais “pessoas de outras religiões,” já que isto teria um efeito “corrompedor.” A única forma aprovada de associação com tais pessoas seria a de “dar testemunho” a elas na esperança de que mudem de religião. Ele sabe que todos os artigos citados na lista da brochura enfatizam os aspectos negativos das “outras religiões” e que a organização desencoraja que se leia literatura diretamente procedente de outras religiões; apenas o que ela própria publica sobre tais religiões é visto como leitura sadia.

Encontramos o seguinte parágrafo introdutório debaixo de “EVIDÊNCIAS VINDAS DE JOVENS” (página 43):

 

Isto pode ser usado para mostrar que els são normais. Tentem levar crianças de congregações locais que foram criadas como Testemunhas de jeová e, aos olhos do superintendente presidente, tenham espiritualidade mas também gostem das coisas normais e saudáveis que os jovens fazem. Não precisam ser competitivas para gostar de esportes. Tenham cuidado para que elas não dêem a impressão de que estão numa demonstração numa assembléia de circuito, na qual mostrariam que as primeiras coisas da vida são o serviço e ir ao Salão do Reino. Mostrem passatempos, trabalhos manuais, atividades sociais, esportes e principalmente planos para o futuro. Tenham cuidado para que todas elas não digam que vão ser pioneiras. Os planos podem incluir comércio, casar-se e ter filhos, jornalismo e todo tipo de outras coisas. Talvez possam mostrar interesse em arte e teatro. Devem ser limpa, de boa moral, honestas, mas com o s interesses que se esperam de outros jovens.

 

Novamente, os jovens aconselhados a responder desta maneira devem saber que lhes pedem para apresentar uma aparência que é bem diferente da incentivada nas publicações da Torre de Vigia.67 Se estivessem falando a verdade, sem ‘torcê-la um pouco,’ não precisariam que lhes dissessem para falar de modo diferente do que fariam se estivessem numa assembléia de circuito ¾ ou em qualquer outro lugar, se fosse o caso.

Em todos os exemplos citados acima ¾ quanto a práticas comerciais e financeiras, entrada em países estrangeiros ou depoimentos em tribunais ¾ não há de minha parte interesse algum de entrar em debate para condenar quaisquer dos métodos ou práticas aqui tratados. A questão é quanto aos critérios duplos. Em nossa imperfeição humana, qualquer de nós pode errar alguma vez por aplicar um critério para nós mesmos e outro para as demais pessoas. O que se espera é que peçamos o perdão de Deus e tentemos não repetir o erro. Todos somos culpados de incoerências ocasionais em nosso raciocínio. Novamente, o que se espera é que tentemos aprender de nossos erros, corrigir nosso modo de pensar, exercer maior cuidado para não ser dogmáticos em nosso raciocínio.

 Creio, no entanto, que proclamar mundialmente padrões organizacionais que são claramente desiguais, mantê-los durante décadas para milhões de pessoas, enquanto se condenam como transgressores não-cristãos aqueles que não os acatam, deve certamente levar a uma prestação de contas mais séria diante de Deus. Não posso acreditar que Aquele que percebe até a queda de um pardal não leve em consideração toda a ansiedade, desespero, sofrimento ou perdas desnecessários que tais normas possam causar. Não posso crer que Ele passe por alto como sem nenhuma conseqüência o efeito debilitante que tais normas desiguais podem ter sobre a atitude das pessoas, o efeito perversor e sufocante que podem ter sobre a consciência e o efeito destrutivo que podem ter sobre a liberdade cristã.

 

 

 

1      Dictionary of New Testament Theology, Vol. II, página 810.

2      Veja A Sentinela de 1º de novembro de 1980, página 6.

3       W. H. C. Frend, A Ascensão do Cristianismo (em inglês), Fortress Press, Filadélfia, 1984, páginas 24, 25.

4       Lucas 18:1-14, compare com João 7:49.

5       A Sentinela, 1º de dezembro de 1963, página 716, parágrafo 25.

6       Webster’s Ninth New Collegiate Dictionary, sob “lei,” com sinônimos.

7       Este livro texto foi elaborado sob a direção da Comissão de Ensino do Corpo Governante. Entre seus membros estavam Albert Schroeder, Karl Klein, Leo Greenlees e Ted Jaracz.

8      O contexto, de fato, fala que ela se cumpre por se ‘levar os fardos uns dos outros.’

9       Jeremias 31:31-33; Hebreus 8:8-10

10   Gálatas 3:10-12, NVI.

11    Gálatas 2:21.

12    Gálatas 5:4.

13    Romanos 3:20; Gálatas 3:10, 11.

14    Romanos 10:3, 4.

15    Mateus 12:1-10; Lucas 18:9-12; João 7:49.

16    Romanos 3:21-25; 5:15-17.

17    O sublinhado é meu.

18    A Sentinela (em inglês) de 15 de maio de 1944, páginas 151-155. Estes artigos consideravam textos como Mateus 18:15-17; 1 Coríntios 6:1-8; e 2 Tessalonicenses 3:14. Enfatizavam principalmente que assuntos de transgressão não deviam ser tratadas pela congregação como um corpo (como era anteriormente) mas por “representantes Teocráticos organizados.” (Veja também a página 246 e a declaração lá citada desta revista de 1944.) Depois, fizeram-se artigos com base nisto, que levaram a um envolvimeento cada vez maior dos “servos” congregacionais designados nos assuntos judicativos.

19    1 Coríntios 5:11, NVI.

20    Ainda recordo nitidamente a sensação deprimente que senti com isto.

21    Estes versículos rezam: “Um nome é melhor do que bom óleo, e o dia da morte é melhor do que o dia em que se nasce. Melhor é ir à casa de luto, do que ir à casa de banquete, porque esse é o fim de toda a humanidade; e quem está vivo deve tomar isso ao coração. Melhor o vexame do que o riso, pois pelo aborrecimento da face melhora o coração. O coração dos sábios está está na casa de luto, mas o coração dos estúpidos está na casa de alegria.”

22    Haviam me pedido para fazer uma oração após o discurso e lembro-me de sentir a voz um pouco embargada e que comecei dizendo, “Um inimigo entrou em nosso meio e nos roubou um ente querido. Uma esposa perdeu seu marido. Criancinhas perderam um pai. Um pai e uma mãe perderam um filho. E nós todos perdemos um amigo.” Pude então, pela primeira vez, ouvir expressões de pesar entre os da assistência, e, sinceramente, apreciei isto. Procurei incluir algumas coisas boas sobre ele, coisas dignas de serem imitadas, pois raciocinei: “Com certeza, se há um momento para mostrar apreço por quaisquer qualidades valiosas que ele tinha, é agora. Devemos isso a ele, à memória dele.”

23    Em 1980, ao dirigir o texto matinal para a “família de Betel,” ele enfatizou a importância do trabalho feito pelo pessoal da sede por contar que, em 1939, ao ser avisado por sua mãe da morte de seu pai, ele informou a ela que não poderia comparecer ao funeral devido à grande quantidade de trabalho em Betel. Zangada, sua mãe telefonou ao Juiz Rutherford e, conforme disse meu tio, o “Juiz” ordenou-lhe que fosse ao funeral. Isto foi dito aparentemente sem nenhum embaraço, mas como algo ilustrativo da importância que ele dava a seu trabalho designado em Betel, a “Casa de Deus.”(Confira Mateus 15:3-5.)

24    Apesar disso, quando se questionava a correção das posições e normas anteriores, ele geralmente argumentava contra as mudanças e expressava sua opinião por meio do voto.

25    Ao contrário do que alguns pudessem pensar, Nathan Knorr tendia a ser mais razoável nestas áreas. Assim é que ele e Fred Franz às vezes ficavam em “lados opostos da cerca” em algumas das votações. Dentre todos os membros do Corpo Governante apenas um, Albert Schroeder, sabia o que era ser pai, e mesmo ele não sentia isso como o homem trabalhador comum, visto que, após o nascimento de seu filho, ele continuou a ser empregado pela Sociedade em designações de ensino, como instrutor da Escola do Ministério do Reino, sendo-lhe providas moradia e outras necessidades.

26    O uso do termo “dissociado” veio a existir como um eufemismo, sendo empregado em vez de “desassociado” sempre que assuntos delicados, tais como entrar para as forças armadas, votar e outros similares estivessem envolvidos. Qualquer que seja o termo empregado, o efeito é o mesmo, pois as pessoas “dissociadas” são atualmente tratadas da mesma forma que as desassociadas.

27    Na realidade, a profecia de Isaías 2:4 é apenas isto, uma profecia. Não foi colocada como base para algum tipo de lei ou paar um cógigo de regras, mas simplesmente prediz os efeitos pacificadores da atuação de Deus entre as nações em favor de seu povo pactuado, Israel. Um membro de uma universidade da Califórnia, comentando sobre a expressão “em violação de Isaías 2:4,” disse, “Como foram as Testemunhas imaginar que só porque a Bíblia prediz um mundo pacífico, ninguém pode agora assumir um emprego de lavar o piso de um quartel do exército? Poderiam também dizer que só porque Isaías 11 profetiza que ‘a criança desmamada porá sua mão na toca da serpente,’os pais deveriam então deixar seus filhos entrar na cova da naja.” Poder-se-ia também perguntar por que a profecia de Joel 3:10 não deve ser aplicada com o mesmo vigor quando diz em contraste, “Forjai das vossas espadas relhas de arado e lanças das vossas podadeiras.”

28    Conforme já demonstrado, isto vem, às vezes, particularmente quando estão envolvidas questões militares, na forma de “dissociação” automática.

29    Embora dizendo de início que tal “uso de sanguessugas entraria em conflito com a Bíblia,” os únicos textos citados a respeito são as palavras de Deus a Noé de que os humanos não devem comer sangue (Gênesis 9:3, 4), e sua ordem por meio de Moisés de que o sangue dos animais abatidos seja derramado no solo. (Levítico 17:10-14) Já que nenhum humano come a sanguessuga, e ninguém provavelmente reterá o sangue sorvido pela sanguessuga, é difícil ver que ligação possa existir aqui.

30    Páginas ___-___, ___-___.

31    Veja Crise de Consciência, páginas ___, ___, e nota de rodapé 10.

32    Todas estas distinções técnicas foram elaboradas dos anos 40 em diante, até os anos 60. Embora a aprovação final dependesse inquestionavelmente de Nathan Knorr e o advogado da Sociedade, Hayden Covington, estivesse envolvido durante os anos 40 e 50, o estilo de raciocínio não é típico de nenhum dos dois, mas é típico de Fred Franz, então vice-presidente. Creio que as distinções técnicas posteriores visavam moderar um pouco a posição da Sociedade, por reduzir o número dos que iam para as prisões (nos casos em que os juízes se dispunham a sentenciá-los a trabalho hospitalar ou outros) e ainda manter a aparência de sustentar a posição original em sua premissa básica como sendo correta, dirigida por Deus. Esta norma elaborada permanecia em vigor até recentemente. A Sentinela de 1o de novembro de 1990, página 12, embora não delineasse a norma em detalhes, referia-se a ela dizendo que “quando um governo ordena aos cristãos que participem em trabalhos comunitários, eles mui apropriadamente obedecem, contanto que tais trabalhos não equivalham a uma substituição transigente de algum serviço não-bíblico, ou que de alguma outra forma violem princípios bíblicos, como os que se acham em Isaías 2:4.”                                                

33    Veja As Testemunhas de Jeová no Propósito Divino (em inglês), página 157.

34    Relatório da Anistia Internacional para 1988, páginas 199, 206.

35    Nestas, e nas citações que seguem, sublinhei certos pontos chave.

36    O governo sueco finalmente resolveu a questão por eximir totalmente as Testemunhas de Jeová do serviço.

37    Pode-se comentar que Paulo se destaca entre os escritores das Escrituras Cristãs por seu uso freqüente das versões da Septuaginta quando citava as Escrituras Hebraicas, e isto se aplica de modo especial em sua carta aos Romanos.

38    A Sentinela de 1º de novembro de 1990, página 11, faz uma versão tipicamente tendenciosa do assunto, afirmando que as referências de Paulo a “imposto” (e “tributo”) em Romanos 13 “referem-se especificamente a dinheiro pago ao Estado.” Ela cita Lucas 10:22 como prova, como se a única referência a um imposto monetário se aplicasse ao sentido de phó ros em todos os lugares. O redator, evidentemente, fez um estudo apenas superficial da matéria, e, no entanto, escreve de modo bem definitivo. Até a própria Tradução Interlinear do Reino, da organização, reconhece a amplitude da aplicação do termo phó ros. Como significado básico do termo, sua leitura interlinear mostra ¾ não “dinheiro pago” ou mesmo “imposto” ¾ mas simplesmente “a coisa trazida.” A “coisa” trazida pode ter sido dinheiro, produtos ou serviço na forma de trabalho compulsório. Nos tempos bíblicos, imposto podia, e de fato significava, qualquer um destes.

39    Cópias do documento de 14 páginas podem ser obtidos por meio da Commentary Press.

40    A questão da substituição ser igual à equivalência fora levantada na carta (vinda da Bélgica) que deu início a todo o debate. O autor, Michel Weber, era um ancião que tinha visitado Testemunhas presas em seu país e percebido que eles não conseguiam entender o raciocínio por trás da norma da Sociedade. Entre outras coisas, ele perguntava por que, após recusar uma transfusão de sangue, não recusávamos também, consistentemente, qualquer substituto dado em lugar do sangue? Não deveria aplicar-se o mesmo raciocínio?

41    Lloyd Barry viajara a serviço e portanto não estava presente nesta votação que se tornara necessária por ele ter retirado seu voto anterior. Os cinco que votaram contra a mudança foram Carey Barber, Fred Franz, Milton Henschel, William Jackson e Karl Klein. Ted Jaracz absteve-se. Veja também Crise de Consciência, página ___, nota de rodapé _.

42    A Sentinela, 15 de julho de 1979, páginas 30 e 31.

43    Atos 21:35-40; 23:16-33.

44    Veja Crise de Consciência, páginas ___-___.

45    Esta questão surgiu nas Filipinas em 1973, quando vários membros do Corpo Governante (inclusive eu) assistiram lá a uma assembléia durante uma viagem ao Oriente.

46    Veja Daniel 2:48, 49; 5:29.

47    Daniel 1:6, 7. Veja Estudo Perspicaz das Escrituras sob “Beltessazar,””Sadraque.” “Mesaque” e “Abednego.”

48    Daniel 3:13-18; 4:19.

49    Veja A Escola e as Testemunhas de Jeová (1983), páginas 15-17.

50    Estes incluem os nomes do deus de duas faces, Jano, Februa (uma festa pagã de purificação), Marte (deus da guerra), e Maia (uma deusa romana).

51    Ensaio Sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã (em inglês), John Henry Newman (1878), páginas 355, 371, 373, edição de 1881.

52    Veja por exemplo, o livro Que Tem Feito a Religião Pela Humanidade?, páginas 101 a 113.

53    Veja Raciocínios à Base das Escrituras (1985), páginas 37, 38; A Escola e as Testemunhas de Jeová, páginas 14, 15.

54    Uma irmã de minha esposa tem um filho, que foi concebido bem depois de seu casamento e que nasceu com um defeito cardíaco. Os pais foram avisados de que ele poderia nâo passar dos dois anos de idade, mas uma cirurgia realizada quando ele atingiu essa idade corrigiu o problema. Como sua mãe dizia: “Alguns comemoram aniversários de casamento, mas para mim e meu marido o dia em que nosso filho nasceu é uma recordação mais preciosa até mesmo do que o dia de nosso casamento.

55    O sugerido Orientações para Correspondência, após citar Efésios 6:5-8, Colossenses 3:22-24 e 1 Pedro 2:18, 18, diz: “Os sindicatos trabalhistas discordam do conselho declarado nestes textos e não atuam em harmonia com eles.” Mais adiante diz: “Uma demanda salarial conjunta é uma arma, uma ameaça de sério golpe econômico para o empregador se ele não faz o que exigem dele. É um meio de obter algo de um empregador indisposto por meio da intimidação. Esta mesma matéria considera o piquete e o trabalho em substituição ao mesmo. Veja também A Sentinela, 15 de julho de 1961, página 448.

56    A destruição de lares e perda de vidas das Testemunhas em Malaui está registrada em Crise de Consciência, páginas ___ a ___. Parece provável que a posição da organização quanto aos sindicatos se deva ao importante papel que estes desempenham na área de empregos. Tomar uma posição consistente com as opiniões dela em relação a outras organizações objetáveis e exigir que todas as Testemunhas renunciem aos sindicatos. iria sem dúvida criar um sério problema de de desemprego e dificuldades econômicas para milhares de Testemunhas. A organização não tem nenhum arranjo concreto para cuidar de membros em tais circunstâncias, especialmente nas nações industrializadas. De qualquer modo, a norma demonstra que, quando deseja, a organização sabe fazer notáveis exceçções e dispensas.

57    Mateus 23:3, NM.

58    Veja Crise de Consciência, páginas ___-___.

59    A Sentinela, 15 de julho de 1974, página 442, parágrafo 17.

60    A Sentinela, 15 de fevereiro de 1988, página 4.

61    A Sentinela, 1o de novembro de 1990, página 24.

62    Atos 5:29; compare com Romanos 13:5-7.

63    Veja, por exemplo, A Sentinela de 1o de setembro de 1977, páginas 543, 544.

64    Na mesma época em que vigorava esta norma, conforme documentado em Crise de Consciência, varões Testemunhas no México portavam documentos declarando que tinham cumprido um serviço militar que não tinham cumprido, documentos obtidos por meio de suborno, e muitos deles eram conscientemente aprovados pela organização como anciãos, superintendentes de circuito, e até como representantes de filial. A acusação de “viver uma mentira” nunca lhes foi feita.

65    Provérbios 20:23.

66    A Sentinela de 15 de setembro de 1983, por exemplo, diz (página 14): “Jeová está usando hoje em dia apenas uma organização para realizar a Sua vontade. Para recebermos a vida eterna no Paraíso terrestre, precisamos identificar essa organização e servir a Deus como parte dela. A Sentinela de 1o de setembro de 1989 diz na página 19: “Apenas as Testemunhas de Jeová, os do restante ungido e os da “grande multidão”, qual organização unida sob a proteção do Organizador Supremo, têm esperança bíblica de sobreviver ao iminente fim deste sistema condenado, dominado por Satanás, o Diabo.”

67    Quanto a “ter filhos,” A Sentinela de 1o de março de 1988, página 18-27, trazia dois artigos sobre o assunto. Basta lê-los para perceber como são enfatizados os aspectos negativos e os casais são incentivados a abster-se de ter filhos como uma evidência de seu apreço pelo “tempo limitado” que resta para terminar a “obra vital” da organização.