Compras de Natal 

A cidade deseja ser diferente, escapar às suas 
fatalidades. Enche-se de brilhos e cores; sinos que não 
tocam, balões que não sobem, anjos e santos que não se 
movem, estrelas que jamais estiveram no céu. 
As lojas querem ser diferentes, fugir à realidade do ano 
inteiro: enfeitam-se com fitas e flores, neve de algodão de 
vidro, fios de ouro e prata, cetins, luzes, todas as coisas 
que possam representar beleza e excelência. 
Tudo isso para celebrar um Meninozinho envolto em 
pobres panos, deitado numas palhas, há cerca de dois mil 
anos, num abrigo de animais, em Belém. 
Todos vamos comprar presentes para os amigos e 
parentes, grandes e pequenos, e gastaremos, nessa 
dedicação sublime, até o último centavo, o que hoje em dia 
quer dizer a última nota de cem cruzeiros, pois, na loucura 
do regozijo unânime, nem um prendedor de roupa na corda 
pode custar menos do que isso. 
Grandes e pequenos, parentes e amigos são todos de 
gosto bizarro e extremamente suscetíveis. Também eles 
conhecem todas as lojas e seus preços — e, nestes dias, 
a arte de comprar se reveste de exigências 
particularmente difíceis. Não poderemos adquirir a 
primeira coisa que se ofereça à nossa vista: seria uma 
vulgaridade. Teremos de descobrir o imprevisto, o 
incognoscível, o transcendente. Não devemos também 
oferecer nada de essencialmente necessário ou útil, pois a 
graça destes presentes parece consistir na sua 
desnecessidade e inutilidade. Ninguém oferecerá, por 
exemplo, um quilo (ou mesmo um saco) de arroz ou feijão 
para a insidiosa fome que se alastra por estes nossos 
campos de batalha; ninguém ousará comprar uma boa 
caixa de sabonetes desodorantes para o suor da testa 
com que — especialmente neste verão — teremos de 
conquistar o pão de cada dia. Não: presente é presente, 
isto é, um objeto extremamente raro e caro, que não sirva a 
bem dizer para coisa alguma. 
Por isso é que os lojistas, num louvável esforço de 
imaginação, organizam suas sugestões para os 
compradores, valendo-se de recursos que são a própria 
imagem da ilusão. Numa grande caixa de plástico 
transparente (que não serve para nada), repleta de fitas de 
papel celofane (que para nada servem), coloca-se um 
sabonete em forma de flor (que nem se possa guardar 
como flor nem usar como sabonete), e cobra-se pelo 
adorável conjunto o preço de uma cesta de rosas. 
Todos ficamos extremamente felizes! 
São as cestinhas forradas de seda, as caixas 
transparentes os estojos, os papéis de embrulho com 
desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas, o que 
na verdade oferecemos aos parentes e amigos. Pagamos 
por essa graça delicada da ilusão. E logo tudo se esvai, 
por entre sorrisos e alegrias. Durável — apenas o 
Meninozinho nas suas palhas, a olhar para este mundo.

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