Destino

Pastora de nuvens, fui posta a serviço 
por uma campina desamparada 
que não principia nem também termina, 
e onde nunca é noite e nunca madrugada. 

(Pastores da terra, vós tendes sossego, 
que olhais para o sol e encontrais direção. 
Sabeis quando é tarde, sabeis quando é cedo. 
Eu, não.) 
Pastora de nuvens, por muito que espere, 
não há quem me explique meu vário rebanho. 
Perdida atrás dele na planície aérea, 
não sei se o conduzo, não sei se o acompanho. 
(Pastores da terra, que saltais abismos, 
nunca entendereis a minha condição. 
Pensais que há firmezas, pensais que há limites. 
Eu, não.) 
Pastora de nuvens, cada luz colore 
meu canto e meu gado de tintas diversas. 
Por todos os lados o vento revolve 
os velos instáveis das reses dispersas. 
(Pastores da terra, de certeiros olhos, 
como é tão serena a vossa ocupação! 
Tendes sempre o início da sombra que foge... 
Eu, não.) 
Pastora de nuvens, não paro nem durmo 
neste móvel prado, sem noite e sem dia. 
Estrelas e luas que jorram, deslumbram 
o gado inconstante que se me extravia. 
(Pastores da terra, debaixo de folhas 
que entornam frescura num plácido chão, 
Sabeis onde pousam ternuras e sonos. 
Eu, não.) 
Pastora de nuvens, esqueceu-me o rosto 
do dono das reses, do dono do prado. 
E às vezes parece que dizem meu nome, 
que me andam seguindo, não sei por que lado. 
(Pastores da terra, que vedes pessoas 
sem serem apenas de imaginação, 
podeis encontrar-vos, falar tanta coisa! 
Eu, não.) 
Pastora de nuvens, com a face deserta, 
sigo atrás de formas com feitios falsos, 
queimando vigílias na planície eterna 
que gira debaixo dos meus pés descalços. 
(Pastores da terra, tereis um salário, 
e andará por bailes vosso coração. 
Dormireis um dia como pedras suaves.
Eu, não.)

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