Esfolhada
Outono! Que arrepio
anda por tudo!
- Como um pássaro esguio,
e lento,
um vento,
muito frio!
Muito frio!...
Outono! Que arrepio
pões em tudo!...
Certo, não tarda
o dia a esfalecer;
em cada fronte há um sabiá
que canta;
na voz dos sabiás
quanta tristeza
e quanta tristeza
no meu ser!
Pingam folhas...
Outono!
A ramaria
mais branda oscila,
a água do mar se amansa,
e a queda das cachoeiras
se amacia...
Chegas, Outono,
e que mudança
em tudo, à tua vinda!
- A existência se faz
uma lembrança
- o amor se faz uma
saudade linda
Em despenhos de plumas
frias, tenuíssimas,
estranhas,
sinto que no meu ser
agora te avolumas,
sinto que lentamente,
a minha vida ganhas...
Outono, e tenho às tuas brumas,
a enorme nostalgia das montanhas
É lenta e suave
a tarde, Outono,
em que me vens chegando,
tarde que me lembra uma ave
agoniada, no poente,
asas de luz murchando
em seu vôo morrente
Caem folhas, de leve,
quando em quando,
na alfofeza da alfombra;
serão folhas, Outono,
ou se estão desplumando
da tarde as asas funerais,
de sombra?
Esfolhada...
Esfolhada...
Um a um, lá se vão
os sonhos do meu ser,
ó minha vaga percepção
do Nada,
ó meu Outono,
ó meu pungitivo prazer!
Vivi depressa, estou cansada,
quisera em ti acalmar
para morrer
Esfolhada...
Esfolhada...
Devo, porém, viver
para os outros, viver!...
Chega de leve, devagar,
não despertes, Outono,
esta criança que dorme
deixe-a dormir, deixe-a sonhar;
a amargura da vida
é grande, é enorme,
Outono, dá vontade de chorar!...
Dorme, filha minha, dorme!
Não pertube teu sono
o imenso dissabor
do meu precoce Outono
Cantam os sabiás,
lentamente se movem
as frondes: sons e folhas
rolam no ar,
cada árvore parece-me
uma jovem mãe,
a infância dos frutos
a embalar
Cantarão os sabiás
nas francas que se movem,
Outono, ou se enche
a paz crepuscular
dessa tristeza jovem
das árvores que estão
os filhos a embalar?
A tarde espalha
de um espasmo a nuança,
e saí de toda a parte,
e enche todo o ar
essa infinita voz
que não se cansa de cantar,
a cantar
num lamurioso entono
de água mansa
Balança a frondeira,
a água do mar balança;
a Natureza, Outono,
é um berço enorme:
há uma existência nova
que descansa
em cada coisa que se acaba,
se destrança...
Dorme, filha minha, dorme!
Seja bendito o sono
que te ilude!
Que importa a natureza
se transforme
no Outono,
e se desfolhe a juventude?
Árvores e mulheres
temos destinos altos impolutos
na Terra, são iguais
nossos místeres:
é preciso viver
pela vida dos frutos,
dorme, filha, descansa
O Outono guarda
uma tristeza mansa;
no seu macio
e lamurioso entono,
é o embalo do sono
de uma criança...
Pingam folhas...
O pranto os olhos
meus irrora...
Pela estação que chega,
que me vem,
em cada árvore
eu vejo uma mulher,
lá fora...
E me suponho uma
árvore também
na esfolhada desta hora