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A arte de
morrer de Sylvia Plath
Poetisa americana se matou há exatos 40 anos, em Londres, deixando uma obra densa e personalíssima
ANA CLÁUDIA MENEZES
Há exatos 40
anos morria em Londres a poeta Sylvia Plath, uma das principais revelações
literárias americanas do século 20. Ela teve uma vida curta cometeu suicídio aos
30 anos asfixiada pelo gás de cozinha em sua casa, enquanto os dois filhos
pequenos dormiam, mas muito intensa, escrevendo compulsivamente poemas que
lidavam direta ou indiretamente sobre sua agonia interior, sobre os limites
extremos da alma que beiravam o delírio, a loucura. Muito de sua obra refere-se
à morte, como no poema "Lady Lazarus," um dos mais emblemáticos e lembrados por
críticos e estudiosos: "Morrer é uma arte, como tudo o mais. Nisso sou
excepcional".
Mas o que distingue Sylvia Plath de outros autores de poesia com tom
confessional é a arte conduzida pela poeta a partir desses estados psicológicos,
analisa a professora doutora em inglês (literatura) Maria Lúcia Milléo Martins,
que conheceu a obra da escritora quando ainda cursava o mestrado na Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), onde leciona atualmente. "Ela ousou, acima de
tudo, sem ser melodramática", explica ela. Outro ponto que deve ser notado é a
linguagem enxuta, sem floreios e acessórios, observa Maria Lúcia.
Sylvia Plath nasceu no dia 27 de outubro de 1932, em Boston, Massachusetts,
berço de outros poetas importantes americanos como Robert Lowell, Anne Sexton,
Elizabeth Bishop, Emily Dickinso- e Robert Frost. Foi lá também que Maria Lúcia
Milléo Martins obteve o grau de doutora pela University of Massachusetts
estudando as relações entre as obras de Elizabeth Bishop e Carlos Drummond de
Andrade. A tese adaptada para o português, que ganhou o título de "Duas Artes",
está no prelo, aguardando publicação por uma editora de renome nacional.
Segundo ela, Sylvia Plath integrou a geração de "poetas malditos", que
produziram freneticamente ao mesmo tempo em que vivenciavam intensas agonias
pessoais. Nessa lista estão Joh- Berryman, pouco conhecido no Brasil, e os já
citados Anne Sexto- e Robert Lowell. Logo após a morte de Sylvia Plath, Sexto-
escreveu alguns poemas lamentando o destino trágico da amiga, o mesmo que
estaria reservado para ela, 11 anos mais tarde.
A morte não pode ser o único foco de análise da obra da poeta americana, que em
1955 ganhou uma bolsa de estudos Fulbright e seguiu para Cambrigde, na
Inglaterra, onde conheceria o marido, o poeta inglês Ted Hughes. "Ao mesmo tempo
existe um misto de morte, prazer e alegria", pontua Maria Lúcia. "Não acho que
seja justo ver a obra dela apenas pelo viés do suicídio. Há momentos de alegria,
principalmente depois que ela tem os filhos", explica a professora. Um ano após
chegar à Inglaterra, ela casa-se com Ted Hughes, mas logo depois, volta aos
Estados Unidos, convidada para lecionar no Smith College, a mesma faculdade para
mulheres que ela freqüentou em Massachusetts. Em dezembro de 1959 ela retorna
para a Europa com o marido e no ano seguinte nasce a primeira filha, Frieda. A
chegada da menina muda a rotina de Plath, que passa a incorporar o cotidiano em
sua arte poética. "Em seus diários, ela busca um lado transformador nestas
atividades cotidianas da mulher", explica Maria Lúcia. Tanto que a obra da
escritora é bastante estuda pela crítica feminista nos Estados Unidos, ao lado
de Anne Sexton.
Seus poemas repercutiam um estado de espírito e suas experiências, entre elas,
duas tentativas de suicídio. A primeira aconteceu em 1953, um ano após
permanecer em Nova York como redatora na revista "Mademoiselle". Em textos como
"Lady Lazarus", ela descreve as tentativas de pôr um fim a tudo, de "acabar com
tudo e nunca mais voltar".
Depois de Frieda, Sylvia Plath sofre um aborto, uma apendicite e engravida
novamente. Em 1962, mesmo ano de nascimento de Nicholas, ela e Ted Hughes
resolvem se separar (mais tarde Sylvia descobria o envolvimento amoroso dele com
outra mulher) e a poeta tenta pela segunda vez livrar-se do sofrimento tentando
se matar. O livro "Redoma de Vidro" ("The Bell Jar"), único romance escrito por
ela e publicado semanas antes de sua morte, dá título a um sentimento que ela
vivera durante toda a vida, diz Maria Lúcia Milléo Martins. "Ela fala muito
desse senso de isolamento, de uma atmosfera rarefeita em uma redoma de vidro,
como algo a ser experimentado num laboratório".
Na madrugada do dia 11 de fevereiro de 1963, antes que Frieda e Nicholas
acordassem, ela abre a torneira do gás de cozinha de sua casa em Londres,
cometendo o suicídio. Por sua vida conturbada, Sylvia Plath foi por muito tempo
considerada mais um mito literário do que uma poeta com qualidades literárias.
No Brasil, uma releitura mais abrangente foi realizada pelos poetas paranaenses
Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça, que em 1994 publicaram a
tradução e análise de "Poemas", pela editora Iluminuras. "Essa mitificação foi
responsável pelas leituras estreitas e pela recepção equivocada que seu livro
póstumo, "Ariel", recebeu da crítica da época", escreveu Garcia Lopes no livro.
Em 1982 "The Collected Poems", de Sylvia Plath, ganha o famoso prêmio Pulitzer
de poesia. Para Maria Lúcia, é difícil particularizar a contribuição da obra de
Plath para a literatura, mas ela sugere ao leitor que quiser mergulhar no
universo poético da autora que comece lendo em voz alta os textos da escritora.
"Como disse Saramago, e eu assino emabaixo, as palavras escritas num livro estão
dormindo. Se você lê silenciosamente, elas estão meio-acordadas. Elas só acordam
completamente se você lê em voz alta", ensina. "Há uma musicalidade muito forte
na poesia dela, que ela conseguiu dosar bem com o lado pessoal, dos extremos da
alma", conclui.
Breve caminho
antes do fim
Há 35 anos a poeta Sylvia Plath suicidava-se em Londres, deixando uma obra que é um strip-tease da alma com lamentos em forma de versos
Raul Arruda Filho
Especial para o Anexo
A melancolia costuma aparecer nos finais de tarde, naquela hora em que todo mundo está fragilizado, sem forças para resistir às dores do mundo. Simultaneamente, como amigas inseparáveis, a ausência de objetivos e a depressão sussurram no ouvido de suas vítimas que essa angústia precisa ter um fim e que nada mais tem sentido. É hora de tomar uma decisão.
Frieda (três anos) e Nicholas (um ano) foram colocados a salvo, no andar de cima. A janela do quarto ficou entreaberta, apesar da neve torrencial que caía lá fora. As frestas da porta foram vedadas com alguns panos. Junto da cama das crianças, pão e leite.
A porta da cozinha também foi vedada. Lentamente, para cumprir as muitas mortes que haviam sido anunciadas pelos versos tristes e complicados de sua poesia, Sylvia Plath abriu o forno do fogão. Colocou dentro um pano dobrado. Provavelmente ajoelhou-se, como a verificar se alguma coisa poderia estar errada. Depois, deitou-se a cabeça sobre o pano, dentro do fogão. Abriu a torneira do gás. E esperou, com resignação, o fim de todos os problemas.
Na manhã seguinte, quando arrombaram a porta do nº 23 da Fitzroy Road, as crianças estavam com muito frio.
Sylvia Plath nasceu em 27 de outubro de 1932, em Boston (EUA), e suicidou-se no dia 11 de fevereiro de 1963, em Londres (Inglaterra). Era loura, alta, e tinha como hábito sentar-se com as pernas cruzadas, balançando impacientemente os pés enquanto as mãos faziam evoluções sobre o colo, os dois polegares "apunhalando-se com as unhas". Trinta anos de existência foram suficientes para inscrever o seu nome, de forma definitiva, no confuso e sempre antagônico mundo literário que, separado pelo Oceano Atlântico, chamamos de anglo-americano. No entanto, o grande debate que motiva a sua notoriedade não está relacionado com aquilo que o seu conterrâneo, Henry James, havia, no século passado, chamado de "tema internacional" verdadeira contramão da história, sair de casa e conviver com o auto-exílio europeu. Não, não é nada disso.
E pior: a pequena obra poética de Sylvia Plath está meio esquecida. Parece que o mundo tem os interesses voltados para outras coisas e que pouco ou nada significam diante dos versos que ela escreveu.
Sylvia Plath é cada vez mais famosa porque sempre existirá alguém querendo contar as intrigas e as fofocas que envolveram a sua existência, e, particularmente, os seus últimos meses de vida. Já foram escritas, pelo menos, uma meia dúzia de biografias. Uma delas, "Bitter Fame", possui tradução no Brasil, "Amarga Fama" (Rocco, 1982) um título primoroso, retirado de dois versos de Anna Akhmatova (outra mulher talentosa e complicada): "Se não podes dar amor e paz/Dá-me então amarga fama".
SILÊNCIO OBSESSIVO
Além disso, no caso de Plath, como um acréscimo que só serve para aguçar a curiosidade geral, há o silêncio obsessivo de seus filhos e de Ted Hughes, o ex-marido. Todos adotaram "um distanciamento educado", essas coisas que aos ingleses são caras e que para nós, latinos, acostumados em "lavar a roupa em público", nunca passaram de "frescura". Mas, claro, não se trata "apenas" de colocar as coisas em ordem, nos seus devidos lugares. Ted Hughes, por exemplo, foi atingido por outras tragédias. Alguns anos depois da morte de Plath, a "outra" também se suicidou! Na imprensa inglesa, onde piedade é apenas uma palavra no dicionário, não faltou quem lembrasse um verso famoso da "titular": "Every woman adores a Fascist" ("Toda mulher adora um fascista"). E o poema, que faz as delícias dos freudianos pois se chama "Daddy" ("Papai"), continua "(...) the brute/Brute heart of a brute like you ("... o bruto/coração bruto de um bruto como você). Jogo pesado.
A questão básica é que quando uma mulher bonita e sensível se suicida, seis meses depois de ter se separado tempestuosamente do marido, "fica para sempre fixada no tumulto" (como disse Janet Malcolm em "A Mulher Calada" Companhia das Letras, 1995). E é esse tumulto (rancor, acusações irrefletidas, histeria, tristeza, traição, neuroses e filhos pequenos) que tem sido explorado por todos aqueles que sentem um, digamos, frenesi diante da possibilidade de poder olhar pelo buraco da fechadura e descobrir que sórdidos segredos estão escondidos dentro da vida de alguém famoso.
Sylvia Plath, então, foi um prato cheio para os adeptos desse tipo de tara sexual. A morte de seu pai, o professor Otto Plath, um brilhante entomologista, especialista em abelhas, quando ela tinha oito anos de idade, deixou cicatrizes imensas (poemas como "Daddy", "Electra on Azalea Path", "The Arrival of the Bee Box", entre outros, são terríveis pelas imagens que projetam, strip-tease da alma, lamentos em forma de versos). Durante parte de sua vida o suicídio foi uma constante há provas que ela tentou o encontro com a morte em, no mínimo, duas vezes.
Durante a temporada que passou no Smith College, a sua vida foi dividida entre os muitos namorados, as sucessivas crises de depressão e a pretensão de seguir uma carreira literária (publicou contos em diversas revistas e ganhou vários prêmios). É mais ou menos nesse período, ao saber que algumas de suas estórias haviam sido recusadas, que ocorre a sua primeira tentativa de suicídio, ingerindo barbitúricos. A situação é tão deprimente que Plath é internada, por quatro meses, no Hospital McLean, em Belmont (Massachusetts). Entre outras delícias terapêuticas, eletrochoques.
Depois, voltou à universidade, namorou bastante, graduou-se com um estudo sobre o duplo em Dostoievski e foi para a Inglaterra. Em Cambridge, "barbarizou" nem mais, nem menos. Com seu nasalado sotaque americano provocou inquietação no mundo aparentemente seguro dos ingleses. Freqüentou aulas, conheceu gente, fez teatro e foi à França. Quando retornou, nova crise nervosa e a inevitável visita ao psiquiatra.
Aquelas coisas todas que alfinetam
a alma e o existir humano
No final de fevereiro de 1955, na festa de lançamento da "St. Botolph's Review", conhece Ted Hughes. Foi amor ao primeiro olhar, atração fatal, cena de conto de fadas. Em carta para sua mãe, relata a impressão que o jovem poeta inglês lhe causou: "A coisa mais dilacerante é que nos últimos dois meses eu me apaixonei terrivelmente, o que só pode levar a muito sofrimento. Conheci o homem mais forte do mundo, ex-Cambridge, poeta brilhante cuja obra eu já adorava antes de conhecê-lo, um Adão alto, forte e saudável, meio francês e meio irlandês, com uma voz que lembra a trovoada de Deus cantor, contador de histórias, leão e viajante, um vagabundo que jamais vai parar". A fúria da paixão foi tão grande que eles casaram quase seis meses depois, no dia 16 de junho (foi proposital a escolha pelo "Bloomsday" data em que se passa a ação do romance "Ulisses", de James Joyce).
O que aconteceu depois é apenas a repetição monótona do velho drama que atinge jovens casais: como colocar alguma comida na mesa? A procura de um emprego os levou a mudanças constantes. Finalmente, em março de 1957, Sylvia foi aceita como professora auxiliar no Smith College. Foi o seu retorno aos Estados Unidos.
Nesse período, o fracasso literário passa a rondar a sua poesia, vários concursos devolveram os poemas enviados - com Ted as coisas estavam acontecendo exatamente ao contrário: muitos prêmios, publicações, resenhas favoráveis.
No começo de janeiro de 1959 o casal Hughes voltou para Londres. Foi o início de uma série de bons acontecimentos: a carreira literária de Ted deslanchou, Frieda Rebecca nasceu em abril e "The Colossus and Other Poems", o primeiro livro de Sylvia, foi publicado em setembro.
Em 60, um aborto, apendicite e a suspeita de que Ted estava cometendo adultério fizeram com que Sylvia tivesse uma série de crises nervosas. Em compensação, a atividade poética é intensa.
Em 61, eles mudaram para Court Green, em North Devon. Nessa casa isolada, no interior da Inglaterra, é que o mundo começa a desabar parar Sylvia Plath. O sucesso profissional de Ted o leva a fazer viagens cada vez mais freqüentes a Londres. Com duas crianças pequenas (Nicholas nasceu em janeiro), uma obra poética densa e as velhas crises nervosas dizendo: olá, tudo bem?, não foi fácil segurar a barra. O pior foi constatar que Ted estava de caso com Assia Wevill. Como todo "british gentleman", Ted chegou a sugerir uma separação "civilizada" que acabou não acontecendo. A raiva e o rancor passaram a fazer parte do dia-a-dia do casal. Em setembro de 62, Ted vai morar em Londres.
O que se seguiu foi uma nova mudança para Londres. Sylvia alugou um apartamento (23, Fitzroy Road Yeats morou nesse endereço) e deixou Devon. Em janeiro, o seu romance "The Bell Jar" ("A Redoma de Vidro", Editora Globo) é publicado na Inglaterra, sob o pseudônimo de Victoria Lucas. As crises nervosas se sucedem em maior intensidade. O seu médico, dr. Horder, lhe recomendara que empregasse Myra Norris, uma enfermeira. No dia 11 de fevereiro, quando chegou ao apartamento Myra sentiu um cheiro muito forte de gás. Pediu ajuda. A porta foi arrombada. As crianças tinham frio.
Poesia e dor
A importância de Sylvia Plath está no tom confessional de seus versos, no "eu" dividido, nas imagens tormentosas, quase discursivas. O seu discurso poético nos remete ao inferno interior, à amargura, ao desespero e a todas aquelas coisas que alfinetam a alma e o existir humano. Não é uma poesia fácil, agradável, para ser lida em saraus ou no ouvido da namorada. Por outro lado, é de uma riqueza impressionante, cheia de energia, agressiva como um desabafo ou um tapa no rosto.
Há quem diga que Sylvia Plath é uma espécie de mártir do feminismo americano. Ledo e ivo engano. Sylvia não estava interessada nesse tipo de ativismo político, inclusive porque suas neuroses não a deixavam em paz. A força de sua poesia brota espontaneamente do seu estar-no-mundo e não do mundo que nela deveria estar.
Em 1965, Ted Hughes permitiu a publicação do volume póstumo "Ariel", que reúne o melhor de sua produção poética.
No Brasil, há várias traduções esparsas de Sylvia Plath, mas uma boa introdução à sua poesia pode ser "Poemas de Sylvia Plath" (Ed. Iluminuras), traduzido por Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça.
Um encontro com o passado
Talvez para marcar os trinta e cinco anos de morte de sua primeira esposa, Ted Hughes está lançando, na Inglaterra, uma coleção de 88 poemas confessionais. O livro se chama "Birthday Letters" (Cartas de Aniversário) e, segundo a crítica britânica, será o acontecimento literário do ano. É ver para crer.
Os poemas são uma espécie de declaração de amor tardio, um reencontro com o passado. Com uma linguagem que mistura o fervor religioso da paixão com o entusiasmo juvenil, Hughes derrama pelos versos o desespero de quem quer nos fazer acreditar que sempre esteve apaixonado por Sylvia Plath. Uma tarefa árdua e que talvez apareça tarde demais. (Raul Arruda Filho)
Sylvia Plath