Biografia Bicentenário Poesias


Victor Hugo - 200 anos de nascimento

Em 2002, celebrou-se o bicentenário de nascimento de Victor Hugo. Maior poeta romântico francês, também principal mentor do romantismo em seu país e um de seus mais importantes prosadores, Victor Hugo influenciou fortemente a literatura ocidental. Como político, evoluiu da postura conservadora e monarquista para o liberalismo reformista e os ideais revolucionários. Em vida, Victor Hugo desfrutou de um conceito nacional e internacional sem paralelo e ainda hoje é apontado como um dos grandes escritores de todos os tempos.

Victor Hugo, considerado o maior poeta romântico da França.

Em toda a França e mesmo em outros países uma série de eventos estão programados para homenagear o bicentenário de nascimento do escritor. Visando a aproveitar a ocasião para difundir a obra de Victor Hugo, o Ministério de Cultura e da Comunicação da França formou um comitê nacional, composto de personalidades do mundo das artes, das letras, do meio universitário e dos meios de comunicação. As celebrações acontecerão ao longo de todo o ano, especialmente no dia 26 de fevereiro, data do aniversário de Victor Hugo.

Victor-Marie Hugo nasceu em Besançon em 26 de fevereiro de 1802 e morreu em Paris a 22 de maio de 1885. Poeta, romancista, dramaturgo, ensaísta e orador, deixou obra extensa e variada. Exerceu influência profunda sobre os escritores de todos os países ocidentais, em particular os de idiomas românicos. No Brasil entre seus principais seguidores destaca-se Castro Alves.

Filho do major napoleônico - mais tarde, general - Joseph-Léopold-Sigisbert Hugo, Victor Hugo viveu a infância e a juventude em companhia da mãe, acompanhando-a em ocasionais visitas ao pai, que periodicamente era destacado para diferentes países. Estudou direito em Paris, mas desde cedo mostrou-se decidido a seguir a carreira literária. Seu primeiro ídolo foi François-René Chateaubriand (1768-1848), um dos iniciadores do romantismo na França. A esse propósito, confessava: "Je veux être Chateaubriand ou rien" (Quero ser Chateaubriand ou nada).

Em seu primeiro livro, Odes et poésies diverses (1822; Odes e poesias diversas), inclui-se a "Ode sur la mort du duc de Berry" (1820; "Ode à morte do duque de Berry"). Na época da divulgação desse poema, Luís XVIII concedeu a Hugo um prêmio, transformado em pensão com a publicação do livro, o que lhe permitiu casar-se com sua namorada de infância, Adèle Foucher.

A partir de 1822 a atividade literária de Victor Hugo é incessante, quer como poeta, quer como prosador. Ao sucesso inicial do primeiro livro de poesias, segue-se no ano seguinte, 1823, o primeiro romance, Han d’Islande, roman noir, fantástico. Em 1826 sai Bug-Jargal, escrito antes dos 18 anos, e que trata de uma revolta de negros em São Domingos. No intervalo publica Nouvelles odes (1824; Novas odes). Também em 1826 surge uma edição completa de poesias, sob o título de Odes et ballades, profissão de fé monarquista e católica. Hugo, então, já é romântico, admirador de Walter Scott e Lord Byron.

A primeira peça teatral, Cromwell, surge em 1827. O drama destaca-se pelo prefácio, em que o autor toma posição de chefe do romantismo. Opondo-se ao classicismo no teatro, defende o drama "moderno", com a coexistência do sublime e do grotesco.

Seguiram-se, em 1828, o drama Amy Robsart, que foi mal recebido e a peça Marion Delorme, em 1829, que não pôde ser levada a cena, devido à censura: um dos personagens é Luís XIII. Victor Hugo não desiste. No ano seguinte, obtém seu primeiro êxito teatral, com Hernani, em que exalta o herói romântico, fora-da-lei, em luta contra a sociedade, mas condenado a um destino inexorável. É estrondoso o sucesso que alcança, principalmente entre o público jovem. A estréia da peça, a Bataille d’Hernani, em 25 de fevereiro de 1830, consagra o triunfo de Hugo e o do romantismo.

Em 1829 é publicado o volume de versos Les Orientales (As Orientais), com enorme repercussão de crítica e de público. Os poemas abordam com raro virtuosismo o fascínio do Oriente, lembrando distantemente a guerra de independência da Grécia. E em 1829 surge o romance Le Dernier jour d’un condamné (O último dia de um condenado) - com um apelo à supressão da pena de morte.

O ano de 1830 é um marco decisivo na vida de Victor Hugo. A situação política, que culminaria na revolução de julho, com a ascensão de Luís Filipe, conta com intensa participação do escritor, que escreveria o poema "Dicté après juillet 1830". Hugo é agora o escritor oficial da monarquia constitucional e do liberalismo moderado. Ao mesmo tempo, contudo, surgem os desentendimentos conjugais, pela infidelidade da esposa, os quais tão profundamente haveriam de afetá-lo. Como para se libertar dessas preocupações, aumenta ainda mais sua já considerável atividade literária.

Consagrado como chefe do movimento romântico, publica em 1831 uma das suas melhores coletâneas de poemas, Feuilles d’automne (Folhas de outono) e o romance Notre-Dame de Paris (Nossa Senhora de Paris). Este último claramente influenciado por Walter Scott, é por muitos considerado superior aos romances do escritor inglês. Nele o herói é a própria cidade de Paris, sua catedral, sua população anônima, num grande painel movimentado e melodramático.

Por essa época tem início a ligação amorosa de Hugo com a jovem atriz Juliette Drouet, que a ele se devotaria até morrer, dois anos antes do poeta. A fecunda atividade literária não cessa. Surgem novas peças teatrais: Le Roi s’amuse (1932; O rei se diverte); Lucrèce Borgia e Marie Tudor (1833); as coletâneas poéticas Chants du crépuscule (1835; Cantos do crepúsculo) e Voix intérieures (1837; Vozes interiores); o mais melodramático de seus dramas, Ruy Blas (1838); e uma nova coletânea de poemas, Les Rayons et les ombres (1840; Luzes e sombras). Em 1841 é eleito para a Academia Francesa, verdadeira consagração.

O ano de 1843 marca uma nova fase na vida de Victor Hugo, mas de declínio e dor. Nesse ano, vê o fracasso de sua peça romântica Les Burgraves, levando-o a abandonar a carreira de dramaturgo, e sua filha Léopoldine morre afogada, em plena lua-de-mel. O prestígio de que desfruta junto à corte de Luís Filipe torna-o uma espécie de poeta oficial e reduz-lhe o ímpeto criativo. Em 1848, porém, faz-se republicano e passa, depois, a combater Napoleão III. O golpe de 1851 leva-o ao exílio, que se estenderia por vinte anos. "L’exil", escreveria Hugo, "est une espèce de longue insomnie" (O exílio é uma espécie de longa insônia).

A "longa insônia do exílio" virá a ser o período mais fértil da abundante vida literária de Victor Hugo. São desse período algumas de suas mais importantes obras de poesia e prosa. Quanto à poesia, destacam-se os sarcásticos versos políticos de Les Châtiments (1853; Os castigos); Les Contemplations (1856; As contemplações), talvez suas melhores poesias líricas; a primeira série da La légende des siècles (1859; A lenda dos séculos) e Chansons des rues et des bois (1865; Canções das ruas e dos bosques). Quanto a obras em prosa, publica seus melhores romances: Les Misérables (1862; Os miseráveis), Les Travailleurs de la mer (1866; Os trabalhadores do mar) e L’Homme Qui rit(1869; O homem que ri). Escreve, ainda, um prefácio à tradução das obras de Shakespeare feita por seu filho François Victor e que se transforma num ensaio entusiástico. Hugo é agora poeta político, grande poeta retórico, poeta épico e romancista, lidíssimo, de tendências sociais.

Em 1859 Victor Hugo é anistiado por Napoleão III, mas recusa-se a deixar a ilha de Guernsey, localizada diante da costa da Normandia e onde viveria quinze dos vinte anos de exílio. Com o surgimento da terceira república dá-se o retorno triunfal de Hugo à França, em 5 de setembro de 1870. Eleito deputado à Assembléia Nacional, renuncia pouco depois. Não adere à Comuna de Paris, mas em 1876, ocupando uma cadeira no Senado, faz vigorosa intervenção a favor da anistia aos communards.

A essa altura, Hugo vive na plenitude da glória, nacional e internacional. Ainda assim não cessa sua produção literária, em que se destacam os seguintes livros: L’Année terrible (1872; O ano terrível), Quatre-Vingt-Treize (1874; Noventa e três), Actes et paroles (1875-1876; Atos e palavras), a segunda série de La Légende des siècles (1877-1883) e L’Art d’être grand-père (1877; A arte de ser avô), poemas inspirados por seus dois netos, que nessa fase da vida o consolam da perda da família.

Como costuma acontecer, um período de esquecimento, de queda do interesse, seguiu-se à morte de Victor Hugo. Mesmo assim, o escritor mais famoso do seu tempo continua a gozar de popularidade em seu país. Seu prestígio decorre principalmente de sua obra poética, dotada de vertiginosa riqueza verbal. Seus romances, Les misérables particularmente, ainda podem ser apreciados, como espécie de poemas épicos em prosa. Orador, Victor Hugo também figura entre os maiores, apesar desse aspecto de sua obra ser geralmente relegado a segundo plano. O teatro é a parte mais fraca de sua gigantesca atividade. Em geral, a mudança total do gosto literário, depois da sua época, tem afetado sua influência, mas não a sua fama.

Barsa Planeta Internacional
 


O bicentenário do gigante francês que humanizou as letras no século 19

2002- 200 Anos de Victor Hugo

BICENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE VICTOR HUGO
Por ANA NAVARRO PEDRO, em Paris
Terça-feira, 26 de Fevereiro de 2002

Nascido com o século XIX, Victor Hugo personifica hoje, no imaginário francês e mundial, os valores universais que este século legou ao mundo: justiça social, liberdade, consciência. Quase ninguém lê o romancista, o poeta, o dramaturgo, acusado, em seu tempo, de "não saber falar francês", porque o seu estilo não obedecia às regras empoladas da época.

Personifica valores como justiça social, liberdade, consciência. Quase ninguém o lê. Mas todos conhecem os seus personagens.

Nunca um aniversário de um escritor foi festejado como o dos 80 anos de Victor Hugo. Nesse dia 26 de Fevereiro de 1881, o povo da capital francesa cobre de pétalas de flores a rua onde ele mora. Uma maré humana de chapéus elegantes e de bonés sebentos desfila durante todo o dia pelo nº 50 da rua d'Eylau, aclamando "o poeta, o filósofo, o grande justiceiro da causa dos povos". As delegações das cidades e das aldeias de França sucedem-se sob as aclamações populares, e das escolas primárias chegam criancinhas de bata, que os professores trouxeram a saudar este monumento vivo das letras francesas.

Dois séculos depois do seu nascimento, raros serão os franceses que lêem "Os Miseráveis" ou "Nossa Senhora de Paris". Mas todos conhecem os miúdos Gavroche e Causette. E os amores de Esmeralda e de Quasimodo ainda são a mais segura garantia de sucesso para uma comédia musical. Ele próprio personagem incrível, romancista, poeta, desenhador, dramaturgo, panfletário, mas também consciência da República, grande europeu, político inquieto com as questões sociais, Victor Hugo pôs nos seus textos uma fuga, um vigor, uma potência capazes de darem vida a personagens que decorrem de valores universais. E se conseguiu impor as personagens dos seus romances como verdadeiras e "vivas", no imaginário dos leitores, é porque com elas defendeu as causas da liberdade e da fraternidade que "Os Miseráveis" resumem tão bem.

Visionário, previu que, um dia, a Europa teria uma moeda única e que "os Estados Unidos da Europa seriam mais poderosos do que os Estados Unidos da América". Mas Hugo tornou-se numa referência universal porque, no seu combate, chegou a personificar os valores universais de justiça, de liberdade e de consciência. Durante dezoito anos, viveu no exílio, numa ilha selvagem, homem sozinho insurgido contra o poder opressor do Segundo Império (1852-1871), mas que não abdicou dos seus princípios em troca dos favores mundanos da época.

Nascido monárquico e conservador, a 26 de Fevereiro de 1802, em Besançon, Victor Hugo acaba por concentrar a sua atenção nos oprimidos, e aproximar-se da República. Mas a preocupação com a dignidade do homem já estava presente nos escritos do jovem autor: aos 27 anos, coroado de sucesso, mundano, dotado com "uma esposa que não abusa dos seus direitos conjugais", pai de família extremoso, cortejado por inúmeras amantes, escritor louvado pelos seus pares (se bem que mais afins do romantismo melancólico de Lamartine), Victor Hugo põe tudo em causa para se insurgir contra a pena de morte em "O último dia de um condenado".

A "questão social" só virá assombrá-lo mais tarde. Em casa, o poeta idolatra as filhas, Léopoldine e Adèle, segue atentamente os estudos dos filhos Charles e François-Victor, e faz de conta que não vê a ligação da mulher com o seu rival Sainte-Beuve. Fora de casa, está ocupado com a amante que o seguirá toda a vida, sua primeira leitora que copia os seu manuscritos, Juliette Drouet, mas também com todas as outras que cruza, quase diariamente, até ao seu último suspiro. Tão ocupado, que saberá da morte de Léopoldine, a filha adorada, pela edição do jornal "Le siècle" de 9 de Setembro de 1843.

Nos anos seguintes, o escritor sente que a questão social se impõe de forma irresistível. Os motins da fome e da miséria multiplicam-se. Eleito deputado, o programa de Victor Hugo, em 1849, escandaliza a o Parlamento: "Destruir a miséria". O autor aceitara acompanhar o economista Adolphe Blanqui a Lille, cidade do norte, e descreve o horror que sentiu ao descobrir os tugúrios em que viviam os operários do têxtil.

Na Assembleia, o deputado Hugo faz um discurso com uma acentuada fibra social: "Declaro que, com efeito, haverá sempre infelizes, mas que é possível deixar de haver miseráveis". Foi assim pela questão social - ou, dir-se-ia hoje, por preocupações humanitárias - que Victor Hugo aderiu ao ideal republicano.

A partir daí, defenderá a República contra tudo e contra todos, e sobretudo contra Napoleão III, o herdeiro de Bonaparte eleito presidente, e que, graças a um golpe de Estado, restaura o Império em 1851. Procurado pela polícia, Victor Hugo foge para Bruxelas, e depois para a ilha britânica de Jersey, antes de ancorar nos rochedos vizinhos de Guernesey. Dezoito anos de exílio para combater o despotismo estão resumidos numa foto de Hugo, no topo de um rochedo de Guernesey, que é uma das imagens fortes do século XIX.

Regressado a Paris com a Terceira República, idolatrado ainda em vida, o patriarca terá direito a exéquias sumptuosas. Um milhão de parisienses na rua, fazem alas de honra ao féretro, desde a Avenida Victor Hugo (a antiga rua d'Eylau) até ao Panteão. Na sua mesa de cabeceira, será encontrada a última linha escrita: "Amar, é agir".


Reprodução

Basta acompanhar sua trajetória para ter certeza de que Victor Hugo foi o maior artista de sua época, comparável a Voltaire e Chateaubriand antes dele

Com determinação inabalável e talento de gênio, o autor de 'Os Miseráveis' foi a grande voz da França em seu tempo e o defensor de todas as causas generosas

GILLES LAPOUGE
Correspondente do jornal O Estado de São Paulo

PARIS - O inconveniente de Victor Hugo é que ele se assemelha muito a um gênio. Não há um único erro na construção de seu destino ao mesmo tempo grandioso e trágico, ao mesmo tempo subversivo e acadêmico. A mais bela obra de Victor Hugo é Victor Hugo. Victor Hugo é a estátua soberba de Victor Hugo.

Em primeiro lugar, ele se livra de preencher a totalidade de seu século (o 19). Nasceu em 1802 e conseguiu não morrer antes de 1885. Como pai, escolheu um general do Império. Ainda criança, queima as etapas: aos 17 anos, ganhou um concurso nacional de poesia, o Jeux Floraux, organizado em Toulouse.
Quando escreveu seu primeiro romance, Han d'Island, tinha 21 anos.

Ele pressente que novos sentimentos sopram no século 19, depois do "abismo" da Revolução Francesa. Trata-se do "romantismo". Ele encabeça o romantismo e faz com que a apresentação de sua primeira peça, Hernani (1830), seja um alvoroço colossal, organizado com seus companheiros, o que o torna de um dia para outro universal, implacável.

Ele tem o apetite de um gigante. Come as lagostas sem tirar sua carapaça, as laranjas sem descascá-las. E tem o mesmo apetite pelo poder, pelas honras.

Salta como um tigre sobre tudo que está a seu alcance. Esse "revolucionário" da arte entra na Academia Francesa aos 38 anos. E como é monarquista, ele é "pair de France" em 1845. Poucos anos depois, foi eleito deputado em 1849 (após a sangrenta Revolução de 1848) na Assembléia Legislativa, no grupo dos "conservadores".

Assim, aos 47 anos, já havia conquistado tudo: academia, deputado, "pair de France" e líder dos "românticos". Com uma obra considerável, com belos momentos: Notre Dame de Paris (romance), Les feuilles d'Automne e dez coletâneas de poesia. Cinco ou seis peças de teatro (como Le Roi S'Amuse, Lucrèce Borgia, Marie Tudor e, principalmente, Ruy Blas).

No que diz respeito às mulheres, bela colheita. Sua esposa: a encantadora Adèle Foucher. Sua amante: Juliette Drouet. Outra amante: Léonie Biard. E é preciso somar as prostitutas das quais gostava, como muitos poetas (gosto que jamais abandonou). Crianças, enfim, que ele adora e muito bonitas.

O que pedir mais? Está tudo no lugar. Ele anda nos trilhos. Basta acompanhar sua trajetória para ter certeza de que é o maior artista de sua época (como Voltaire e Chateaubriand antes dele), admirado por todos. É digno de ser sepultado um dia no Panthéon, o templo em que a França acolhe os restos mortais de seus grandes homens.

E, na verdade, foi enterrado no Panthéon, mas ali chegou por um caminho inesperado. Em 1850, seu destino fez um ziguezague extraordinário. O deputado "conservador" Victor Hugo, na Assembléia, surpreende seus colegas:

faz discursos, discursos de esquerda.

Golpe - E eis que se apresenta a grande chance de Hugo: Luís Napoleão Bonaparte, o futuro Napoleão III, deu um golpe de Estado em 1851. E surge um Victor Hugo desconhecido, mais grandioso, mais genial, mais moderno que o primeiro.

Hugo se exila. Para protestar contra o "golpe de Estado", embarcou para a ilha anglo-normanda de Jersey (mais tarde para a de Guernesey). Lá, escreve um primeiro panfleto, terrível, contra Luís Napoleão: Napoleão, o Pequeno. A partir de então, até sua morte, será o grande tribuno liberal, progressista, atento aos pobres, ao povo, à injustiça social e defensor tempestuoso, iluminado, da República.

Napoleão III, que treme por ter um inimigo tão poderoso, procura seduzi-lo.

Propõe-lhe, alguns anos depois, em 1859, a anistia e a volta à França.

"Não", diz Hugo. Continua no exílio. Escreve Os Miseráveis e William Shakespeare, em seguida Os Trabalhadores do Mar. E sempre, sempre, poesias.

A guerra de 1870 chega. A França é derrotada. Napoleão III é deposto. Hugo volta a Paris triunfante. Mas explode, então, a insurreição popular da Comuna, em Paris, que é esmagada pelos soldados da burguesia em um "banho de sangue".

E Victor Hugo, com toda razão desgostoso, assume todos os riscos. Já tinha oferecido asilo ao "membros da Comuna". Deixa Paris, instala-se em Bruxelas, acolhe ainda "membros da Comuna" perseguidos pela polícia, é expulso da Bélgica.


Maison de Victor Hugo - (Casa de Victor Hugo)

De 1832 a 1848 Victor Hugo viveu no 2º andar do antigo hotel de Rohan-Guéménée, situado na Place des Vosges. O autor escrevia ali algumas peças maiores de sua obra (Les Chants du crépuscule, Les Voix Intérieures, uma grande parte dos Misérables, o princípio da Légende des Siècles e de Contemplations).
Esse apartamento se tornou o museu, cada sala é dedicada a um período da vida do artista: documentos, fotos e mobiliário se harmonizam retratando a vida desse monstro da literatura francesa, as lembranças de infância até a fiel reconstituição de seu caixão. O museu abriga uma biblioteca sobre Victor Hugo.


Cronologia

- 1802 Victor Hugo nasce a 26 de Janeiro em Besançon, terceiro filho do general napoleónico Léopoldo Hugo e de Sophie Trébuchet.

- 1811 A família reencontra-se com o seu pai em Madrid onde vive durante um ano. Victor faz os seus primeiros estudos, como interno, no Seminário de Los Nobles, na companhia do seu irmão Eugène.

- 1812 Os dois regressam a França ao mesmo tempo que os seus pais se separam.

- 1815 Eugène e Victor vão viver com a sua mãe no bairro parisiense Val de Grâce.

- 1816 Aos catorze anos confessa numa das cartas que escreve com frequência: "Quero ser Chateubriand ou ninguém."

- 1817 A Academia Francesa premeia um dos seus poemas.

- 1819 Fica noivo de Adèle Foucher, uma amiga de infância, apesar dos ciúmes do seu irmão Eugène e contra os conselhos da sua mãe.

- 1820 Publica a novela "Bug-Jargal" ao mesmo tempo que recebe uma pensão de dois mil francos do rei Luís XVIII pela sua Ode sur la Mort du Duc de Berry

- 1821 Sophie Hugo, a mãe do romancista, falece a 27 de Junho. A 20 de Julho o seu pai volta a casar-se cm Catherine Thomas.

- 1822 As suas primeiras "Odes" vêm a lume no ano em que casa com Adèle Foucher.

- 1823 Aparece "Hans de Islandia".

- 1825 É nomeado Cavaleiro da Legião de Honra ao mesmo tempo que se torna líder de um grupo de jovens escritores criando o Cenáculo.

- 1826 Nasce o seu segundo filho, Charles. O prefácio do seu drama "Cromwell" é considerado o manifesto do Romantismo contra o Classicismo.

- 1828 Morre o seu pai. A 24 de Outubro nasce François-Victor.

- 1929 Em Agosto, a sua peça "Marion de Lorme" é censurada.

- 1830 Publica "Hernani", máxima expressão romântica. Nasce a sua filha Adèle.

- 1831 Consegue a sua consagração graças à publicação de "Notre-Dame de Paris", o seu primeiro romance histórico. A sua mulher inicia uma relação com o célebre crítico Sainte-Beuve.

- 1832 Publica a peça teatral "Le Roi s'Amuse".

- 1833 Estreia dos dramas "Lucrèce" e "Marie Tudor". Hugo e a actriz protagonista destas peças, Juliette Drouet, começam uma relação amorosa.

- 1834 Edita "Littérature et Philosophie Mêlées" e a novela "Claude Gueux". Um ano mais tarde é a vez de "Chants du Crépuscule".

- 1837 É nomeado Oficial da Legião de Honra.

- 1840 "Le Retour de L'Empereur" é editado.

- 1841 Depois de quatro tentativas, ingressa na Academia Francesa no mesmo ano em que sai a lume o seu livro de viagens "Le Rhin".

- 1843 A sua filha Léopoldine casa-se em Fevereiro. Em Setembro, o casal morre afogado no Sena. Victor Hugo estará três anos sem escrever.

- 1845 Luis Felipe de Orleans nomeia o escritor par de França. Começa a esboçar "Les Misérables" que começou por chamar-se "Les Misères".

- 1848 É eleito deputado por Paris.

- 1849 A 13 de Maio é eleito deputado conservador na Assembleia Legislativa. Em Agosto preside ao Congresso Internacional da Paz.

- 1851 Declara-se inimigo acérrimo de Luis Bonaparte acusando-o de tirano. Os seus filhos são presos. Depois de organizar a resistência ao golpe de Estado, sai de Paris e refugia-se em Bruxelas.

- 1852 Bonaparte assina o decreto de expulsão de Hugo que responde com o manifesto "Napoléon Petit". Deixa a Bélgica e instala-se em Jersey.

- 1856 Publica "Les Contemplations".

- 1859 Recusa a amnistia de Napoleão III.

- 1861 Conclui "Les Misérables".

- 1870 Depois da proclamação da República, regressa a Paris após cinco anos de exílio.

- 1871 É eleito deputado, como cabeça de lista dos republicanos por Paris. Morre o seu filho Charles e dois anos depois François.

- 1876 É eleito senador por Paris.

- 1878 Sofre uma congestão cerebral.

- 1881 Milhares de pessoas enchem as ruas de Paris por ocasião do seu 80º aniversário.

- 1883 Morre Juliette Drouet e em Junho é publicado o último volume de "Légendes des Siècles".

- 1885 A 13 de Maio sofre uma congestão pulmonar e morre oito dias depois. O Governo decreta luto nacional. O corpo é sepultado no Panteon dos Homens Ilustres.


O escritor francês Victor Hugo faria aniversário em 26 de Fevereiro 2002. Seu clássico Os miseráveis foi chamado de “um dos maiores best-sellers de todos os tempos”. Em 1862, nas 24 horas seguintes à publicação da primeira edição de Paris, as 7 mil cópias foram todas vendidas. O livro foi publicado simultaneamente em Bruxelas, Budapeste, Leipzig (Alemanha), Madri, Rio de Janeiro, Rotterdam e Varsóvia. Depois, a obra foi traduzida para quase todas as línguas do mundo. No século XX, Os miseráveis se tornou filme e musical da Broadway.


VICTOR HUGO: EU SOU UMA ALMA

O que é que faz o homem livre?

A alma. Quem diz livre, diz responsável.

Responsável por tudo nesta vida?

Efetivamente, não, porquanto nada há mais demonstrado do que a prosperidade possível e freqüente dos maus e o infortúnio imerecido dos bons durante a sua passagem sobre a terra.

Quantos homens justos não tiveram só angústias e misérias até o seu derradeiro dia? Quantos homens criminosos viveram até a mais extrema velhice no gozo pacífico e sereno de todos os bens deste mundo, neles incluindo a consideração e o respeito de todos! É o homem, então, responsável depois da vida? Evidentemente, sim, pois que não o é só durante ela. Alguma coisa, pois, dele sobrevive para submeter-se a essa responsabilidade, a alma.

A liberdade da alma explica a sua imortalidade. A morte não é, portanto, o fim de tudo. Ela não é senão o fim de uma coisa e o começo de outra. Na morte o homem acaba, e a alma começa. Tome-se por testemunho o que considerar o rosto de um ente amado com essa ansiedade estranha, feita de esperança e de desesperança. Digam esses que atravessam essa hora fúnebre, a última alegria, a primeira do luto, digam se não é verdade que bem se sente que ainda há ali alguém que tudo não acabou?

Sente-se em roda dessa cabeça como o frêmito de asas que acabaram de expandir-se, uma palpitação confusa e inaudita flutua no ar ao redor desse coração que não bate mais. Essa boca aberta parece chamar o que acaba de partir e dir-se-ia que deixa cair palavras obscuras no Mundo Invisível.

Eu sou uma alma.

Bem sinto que o que darei ao túmulo não é o meu Eu, o meu Ser. O que constitui o meu eu, irá além.

Terra, tu não és o meu abismo.

O homem outra coisa não é senão um cativo.

O prisioneiro escala penosamente os muros da sua masmorra, trepa de saliência em saliência, coloca pé em todos os interstícios e sobe até ao respiradouro. Aí, olha, distingue ao longe a campina, aspira o ar livre, vê a luz.

Assim é o homem.

O prisioneiro não duvida que encontrará a claridade do dia, a liberdade, como pode o homem duvidar se vai encontrar a Eternidade à sua saída? Porque não possuirá ele um corpo sutil, etéreo, de que o nosso corpo humano não pode ser senão um esboço grosseiro?

A alma tem sede do absoluto e o absoluto não é deste mundo. É por demais pesado para esta terra. Há duas leis, a lei dos globos e a lei do Espaço. A lei dos globos é a morte. O limite exige a destruição. A lei do Espaço é a Eternidade. O Infinito permite a expansão.

Entre os dois mundos, entre as duas leis, há uma ponte, a transformação. A ambição do vivo dos globos deve ser, pois, tornar-se um vivo do Espaço.

O mundo luminoso é o Mundo Invisível. O Mundo do Luminoso é o que não vemos. Os nossos olhos carnais só vêem a noite. Ah, do que vive com os olhos abertos sobre o mundo material e com as costas voltadas para o mundo desconhecido!

A morte é uma mudança de vestimenta.

Alma, tu estavas vestida de sombra, vais ser vestida de luz. É no túmulo que o homem faz o último progresso.

Na morte, o homem fica sendo sideral. A morte é a vindita da alma. A vida, é o poder que tem o corpo de manter a alma sobre a terra, pelo peso que faz nela. A morte é o poder que tem a alma de arrebatar o corpo fora da terra pela assimilação.

Na vida terrestre, a alma perde o que irradia na vida extraterrestre, o corpo perde o que pesa.

A morte é uma continuação. O meu olhar penetra o mais que é possível nessa sombra, onde vejo, a uma profundidade que seria amedrontadora, se não fosse sublime, dealbar-se o imenso arrebol da eternidade.

As almas passam de uma esfera para outra, tornam-se cada vez mais luz, aproximam-se cada vez mais e mais de Deus.

O ponto de junção é no infinito.

O que dorme e desperta, desperta e vê que é homem.

O vivo que morre, desperta e vê que é espírito.

(Victor Hugo - Artigo publicado após a sua morte)


Victor Hugo muito se agigantou pela inteligência; poeta genial, escritor primoroso e fecundo. Sustentou, sem esmorecimentos, tremendas lutas em prol da liberdade, enfrentando a ira dos reacionários de todos os tempos, desses que não vacilam em sacrificar as coisas mais sagradas e nobres para que seus interesses fiquem incólumes.

Por ter sido grande demais, deixou de ser cidadão francês para se tornar cidadão do mundo, porque, como foi dito, sua obra literária, suas palavras, no campo político, suas idéias e pensamentos influíram e beneficiaram os povos do mundo inteiro! Ele próprio sentia, não obstante seu entranhado amor ao país de seu nascimento, que pertencia a todos os povos que sofriam e se viam cerceados da liberdade de pensar, e que a ele cabia o dever de trabalhar, lutar infatigavelmente para que a luz da verdade espiritual reinasse nas almas de todos os seus irmãos, fossem eles desta ou daquela pátria. E para que essa luz pudesse brilhar era condição, sine qua non, que aos homens fosse adjudicado o sagrado direito de liberdade, liberdade de sentir Deus e a sua justiça, dentro das possibilidades intelectuais de cada um, dessa liberdade, enfim, que é uma condição essencial do homem.

Eis por que em pleno Congresso da Paz, em Lausanne, afirmou: "Sou cidadão de todo homem que pensa!".

Não é nosso intento, sem dúvida, descrever a vida e a obra de Victor Hugo, vida por demais extensa, pois que em tudo ele foi exímio, seja como poeta, pensador, dramaturgo, romancista, historiador, panfletista, orador, jornalista e espírita!

Mostrou-se sempre inimigo intransigente da pena de morte: "A cabeça do homem do povo está cheia de princípios úteis... cultivai, decifrai, regai, esclarecei, moralizai, utilizai essa cabeça e não tereis necessidade de cortá-la!".

Nosso propósito, porém, acerca da personalidade de Victor Hugo, é o de focalizá-lo como espírita, o que procuraremos fazer sucintamente.

Em 1852, em face de suas atitudes políticas, viu-se ele na contingência de refugiar-se em Jersey, na vivenda Marine-Terrace. Logo após chamou para junto de si a mulher e os filhos, aos quais se reuniram alguns amigos, e entre eles Vacquerie e Julieta Drouet.

Em setembro de 1853 chegava a Jersey, de visita, a Sra. De Girardin, levando a grande novidade: o Espiritismo.

Neste ponto, transcreveremos o que sobre esse assunto escreveu Raymond Escholier, em seu livro intitulado "A Vida Gloriosa de Victor Hugo":

As suas crenças religiosas, que a certas almas frívolas parecem tão simples, tão restritas, por vezes tão extravagantes, são a verdadeira herança transmitida pelos seus ancestrais rústicos.
A bem dizer, essas idéias são mais velhas do que o Cristianismo: fé na sobrevivência e na presença permanente dos mortos, no poder do sortilégio e da magia. Hugo não se limita a introduzir na poesia francesa as expressões do povo, a linguagem popular, tão cheia de imagens, tão colorida, tão expressiva; deu igualmente o direito de cidadania às crenças do homem primitivo, que sempre existiu no velho solo da França.

Para encontrar aquela que ficou em França, aquela a quem Victor Hugo cantou a mãe dolorosa, consultou ele à sua velha amiga, a Sra. Girardin; interrogando, por intermédio das mesas falantes, o túmulo coberto de ervas e de sombras. Com a Sra. Hugo, com Carlos, maravilhoso médium, com Augusto Vacquerie e o General Le Flô, Victor crê penetrar o segredo das forças obscuras.
O primeiro Espírito que se apresentou em Marine-Terrace foi o de Leopoldina.
-Onde estás? - pergunta o poeta.
-Luz.
-Que é preciso fazer para ir ter contigo?
-Amar.
Então na pequenina casa, tão triste, todos choraram, todos acreditaram.

Nas revelações das mesas, Hugo vê a deslumbrante confirmação das suas idéias religiosas. E é nessa convicção que escreve, a 19 de setembro de 1854:

- Tenho uma pergunta grave a fazer. Os seres, que povoam o Invisível e que lêem os nossos pensamentos, sabem que há vinte e cinco anos me ocupo dos assuntos que a mesa suscita e aprofunda. Mais duma vez a mesa me tem falado desse trabalho; a Sombra do Sepulcro incitou-me a terminá-lo. Nesse trabalho, evidentemente conhecido no além, nesse trabalho de vinte e cinco anos, encontrara, apenas pela meditação, muitos resultados que compõem hoje a revelação da mesa; vira distintamente confirmados alguns desses resultados sublimes; entrevira outros que viviam no meu espírito num estado de embrião confuso. Os seres misteriosos e grandes que me escutam, vêem, quando querem, no meu pensamento, como se vê numa gruta com um archote; conhecem a minha consciência e sabem quanto tudo o que eu acabo de dizer é rigorosamente exato, que fiquei por momentos contrariado, no meu miserável amor-próprio humano, pela revelação atual, que veio lançar à volta da minha lampadazinha de mineiro o clarão dum raio ou dum meteoro. Hoje, tudo o que eu vira por inteiro é confirmado pela mesa: e as meias revelações a mesa as completa. Neste estado de alma escrevi: "O ser que se chama Sombra do Sepulcro aconselhou-me a terminar a obra começada; o ser que se chama Idéia foi mais longe ainda e "ordenou-me" que fizesse versos atraindo a piedade para os seres cativos e punidos, que compõem o que parece aos não videntes a Natureza morta; obedeci. Fiz versos que Idéia me impôs".

Em 22 de maio de 1885 desencarnou o Espírito de Victor Hugo. Eis as suas últimas vontades consignadas em testamento confiado a Augusto Vacquerie:

Deixo 50.000 francos aos pobres. Desejo que me levem ao cemitério na carreta dos pobres. Recuso as orações de todas as igrejas. Creio em Deus.


Reflexões de Victor Hugo

" Seja como os pássaros que,
ao pousarem , um instante,
sobre os ramos muito leves,
sentem-nos ceder, mas cantam!
Eles sabem que possuem asas ".

"O artista, retirando do universo as formas e as cores, com sua sensibilidade em sua arte, procura traduzir-nos as realidades invisíveis essenciais que estão presentes e que nossos olhos acostumados com as aparências, muitas vezes, não conseguem captar e admirar."

"Colocar formas e cores naquilo que sente, é sublime revelação de sua capacidade de enxergar o invisível aos olhos, portanto, o essencial. Um grande artista é um grande homem ... uma grande criança..."

"O Romantismo é o liberalismo em literatura";
"A liberdade literária é filha da liberdade política";
eis-nos libertos da velha forma social;
e como não nos libertaríamos da velha forma poética?
A um povo novo, uma nova arte".

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