A Consciência

Caim, fugindo a Deus, carregando seus filhos
lívido, desgrenhado, após mil empecilhos,
certa noite alcançou a paragem estranha
de uma enorme planície, ao pé de uma montanha
A mulher fatigada e seus filhos exaustos.
"É melhor que se durma aqui"- disse ele, então.
E, apenas, não dormiu o assassino do irmão
que, sob o jugo atroz de temores cruciantes,
viu surgirem no céu dois olhos vigilantes,
que o fitavam por entre a escuridão noturna
"É demasiado perto." acordou com a soturna
voz, filhos e mulher, já mortos de cansaço,
e a fuga continuou, sinistro, pelo espaço.

Trinta vezes andou a vagar, noite e dia,
pálido, a estremecer quando um ruído ouvia,
sem sono, sem descanso, umedecido e triste,
até que viu, por fim, uma praia que existe
em longínquo país. "É seguro este abrigo
Fiquemos" disse "Aqui não pode haver perigo,
pois os confins do mundo alcançamos agora!"
E, ofegante, parou. Porém, na mesma hora,
idêntica visão no céu viu desenhada...
Um tremor sacudiu-lhe a carne amaldiçoada!
"Escondam-me!" gritou, e ao formidável brado,
o bando circunda o avô alucinado.
Esse disse a Jabel, cuja estirpe ainda agora
nomademente vai pelo deserto em fora:
"Estende deste lado o pano de uma tenda!"
E, enquanto procurava encontrar qualquer fenda
na muralha da lona, a meiga Tsila, linda
como a aurora, inquiriu-lhe: "Ó meu avô, ainda
vês qualquer coisa agora." E apontando coa a mão
respondeu-lhe Caim "Sim! Os olhos lá estão !"
Foi aí que Jubal, pai dos soldados, vendo
a angústia do infeliz, acalmou-o dizendo:
"É melhor se fazer uma muralha." E, assim,
um brônzeo muro ergueu-se em torno de Caim
"Inda os vejo! Inda os vejo! este, porém, lhes disse...
Depois falou Enoc: - "E se alguém erigisse
um abrigo perfeito e dispusesse em volta
compacta multidão de torres como escolta.
Façamos uma forte e grande cidadela
e encerremos Caim conosco dentro dela!"
Então Tubalcaim, o ancestral dos ferreiros
empregou nessa empresa os seus dias inteiros,
ao passo que os irmãos, pela planície em frente,
vigiavam. E, ao encontram alguém, barbaramente
atacavam, com raiva os olhos lhe vazando;
levavam toda a noite o céu trevoso olhando,
e, assim que viam nele uma estrela brilhar
lançavam-lhe uma seta, ansiosos de a cegar!
E a lona deu lugar a moles de granito
presas com nós de ferro. O recinto maldito
ficou sendo um primor de cidade infernal,
desenrolando a sombra, além de um modo tal
que um derredor reinava uma noite infinita;
da rígida muralha a grossura inaudita
somente uma montanha a podia igualar;
na porta alguém gravou: "Vedado a Deus entrar".
A torre mais central, a mais fortificada,
foi que elegeu Caim para sua morada.
"Ó meu pai! disse Tsila Agora certamente,
te sentirás seguro! E Caim, já descrente
e a tremer de pavor, respondeu: - Maldição!
Ainda me persegue a maldita visão! ...
Só me resta tentar o negro insulamento
de um tétrico sepulcro! O meu padecimento
há de acabar então! Nessa nova morada
ninguém mais me verá e não verei mais nada!"
E ei-lo, então, encerrado em um fosso, por fim.
... Mas os olhos lá estão a interrogar Caim!...

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