UMA REFLEXÃO DE HABERMAS  SOBRE  A MODERNIDADE

                                                               

 

                                                                                                              Iara Severo da Silveira

 

 

 

                Este texto, objetiva apresentar o conceito de modernidade numa perspectiva habermasiana, tendo como eixo desta interpretação a obra O discurso filosófico da modernidade e, mais especificamente, o capítulo I, “A  Consciência de Tempo da Modernidade e sua Necessidade de Autocertificação”.

 

                 Segundo Habermas, a modernidade, ao mesmo tempo em que se insurge contra as certezas do modelo, se abre para a investigação sobre o sentido da realidade. Essa permanente indagação nos remete ao provisório, o que implica a mudança de vértice epistemológico, fazendo com que comecem a despontar novos perfis, onde há lugar para a conflitualidade como indagação, já que os saberes não são receitas dogmáticas, nem verdades indiscutíveis. É no campo da crítica aos modelos antigos que a modernidade fundamenta a necessidade de  avançar, de transpor limites, de sair do convencional, de ser diferente. Habermas refere-se à modernidade como “um projeto inacabado[1]”.

 

                Para o autor, a modernidade expressa-se como a fusão do múltiplo, do heterogêneo, do fragmentado, do efêmero, onde se envolve a atividade racional,  científica e  tecnológica. Habermas afirma que: “Esse tema, controvertido e multifacetado, não mais me deixou[2]”.

 

              Na visão de Habermas, para Max Weber era evidente a relação interna entre a modernidade e o que designou como racionalismo Ocidental[3]. Habermas enfatiza que Weber expõe sob a ótica da racionalização e não apenas da profanação da cultura ocidental, e  reforça que:

 

[...] sobretudo, o desenvolvimento das sociedades modernas .  As novas estruturas sociais são caracterizadas pala diferenciação daqueles dois sistemas, funcionalmente interligados, que se cristalizam em torno dos núcleos organizador da empresa capitalista e do aparelho burocrático do Estado. Weber entende esse processo como a institucionalização de uma ação  econômica e administrativa racional com respeito a fins. À medida que o cotidiano foi tomado por esta racionalidade cultural e social, dissolveram-se também as formas de vida tradicional, que no inicío da modernidade se diferenciaram principalmente em função das corporações de ofício [4]. 

 

          O  conceito weberiano de modernidade, conforme Habermas é  “uma abstração plena de conseqüências. Separando-a de suas origens européias[5]”.    Assim, o processo de modernização rompe com os contextos históricos e se afirma “[...] em um padrão, neutralizado no tempo e no espaço, de processos de desenvolvimento social em geral[6]”.

 

            Habermas faz referência à dicotomia  entre a modernidade e as raízes históricas do pensamento racionalista ocidental, o que faz com que à modernização não seja entendida como fruto da racionalização, mas como um sistema  de conhecimento autocentrado na subjetividade, que ocorre num movimento dinâmico de culturas numa realidade histórica. A mobilização da reconstrução dessas relações primordiais se efetiva na aceleração histórica. Já a nova ênfase faz com que o homem deixe de teorizar sobre os fenômenos naturais e passe a examiná-los, determiná-los e transformá-los. O  problema gnosiológico sai da contemplação intelectual para o mundo dos sentidos, onde o conhecimento não fica restrito à razão, mas caminha com o mundo da experiência sensorial, da metodicidade científica.

 

            Sob essa ótica, a modernidade rompe com as estruturas conceituais do passado e se apresenta como uma visão inovadora. Com esta  perspectiva, dá-se a superação do paradigma ontológico, cujo embrião nasceu  da Reforma Protestante e do Renascimento[7],  toma corpo e se acentuam nos diferentes saberes. Emerge na experiência estética e no domínio das artes, onde a beleza sai das quatro paredes da concepção clássica e vai às ruas, deixa o sentido de perenidade pelo  efêmero, o fugaz, a moda e o mundano[8].

 

           A teoria da modernidade, apesar da tentativa weberiana de separação de suas raízes históricas[9] não deixa de funcionar como uma nova episteme, com implicações na reconstrução da própria história, uma vez que rompe com o passado e se articula num horizonte aberto, onde  surgem novas perspectivas e abordagens da realidade histórica.

 

         A partir de Habermas, pode ser entendida a modernidade como a fragmentação dos paradigmas estabelecidos no passado, construídos em  unidades fechadas, que agora se abrem, sem medo, em direção ao desconhecido. É a nova diáspora, grupos humanos dispersos que tomam consciência de suas finitudes, de estarem aqui e agora imersos na existência e querem respostas, querem sair dos moldes tradicionais do pensamento ocidental e se aventurar em direção a novas estruturas conceituais. Neste sentido, a modernidade parece ser a emancipação da razão ou a forma de reinventar novos caminhos de pensamento que satisfaçam os questionamentos. São as novas leituras de mundo.

                                                                                                                                                            

        Para Habermas, a modernidade tem o seu princípio na atualidade; contudo, apresenta um caráter provisório.

 

O ponto de referência da modernidade torna-se agora uma atualidade que se     consome a si mesma, custando-lhe a extensão de um período de transição, de um tempo atual, constituído no centro dos tempos  modernos e que dura  algumas décadas. O presente não pode mais obter sua consciência de si com base na oposição a uma época rejeitada e ultrapassada, a uma figura do passado. A atualidade só pode se constituir como o ponto de intersecção entre o tempo e a eternidade. Com esse contato sem mediação entre o atual e o eterno, certamente a modernidade não se livra do seu caráter precário, mas sim da sua trivialidade...[10] .

 

 

            A atualidade apresenta-se como a conexão  entre o “tempo e a eternidade[11]”.  A modernidade tem o seu eixo norteador naquilo que um dia será clássico, que do momento presente em diante será clássico, será como o amanhecer de um mundo novo.

A atualidade [...] é o clarão de um novo mundo, que decerto não terá  permanência, mas, ao contrário, sua primeira entrada em cena selará também a sua destruição. Essa compreensão do tempo, radicalizada mais uma vez no surrealismo, justifica a afinitude entre a modernidade e a moda[12].

 

 

         A modernidade tem consciência de sua transitoriedade, de que ela representa um momento determinado da história humana, o tempo-presente[13]. A realidade situa-se no cruzamento entre o tempo e a eternidade, entre o absoluto e o relativo. Segundo Baudelaire, a combinação entre o tempo absoluto e o tempo presente, entre o antigo e  o moderno, entre a beleza eterna e a beleza relativa, só será possível se o homem compreender os aspectos “da beleza fugaz e passageira da vida presente, do caráter daquilo que o leitor nos permitiu chamar de modernidade [...], o momento de uma ligação fugaz do eterno com  o atual[14]”. Neste sentido, é a combinação entre o permanente e o transitório, pois a modernidade constrói o tempo-presente, onde “se depositaram os fragmentos de um tempo messiânico ou acabado[15]”.  A  experiência estética de Baudelaire vê a modernidade como uma ponte entre o céu e a terra. E a percepção imaginativa do céu só será possível àqueles que souberem contemplar o momento fugidio do tempo-presente.

 

    

HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Trad. Luiz Sérgio Repa.  São Paulo: Martins Fontes, 2000.

 

 

 

 

 

 



 

[1] HABERMAS, p.1

[2] Id.

[3] HABERMAS. (2000,p.3), descreve como “racional” o processo de desencantamento ocorrido na Europa que, ao destruir as imagens religiosas do mundo, cria uma cultura profana.

[4] HABERMA, p.4.

[5] Id, p.5

[6] Id, p. 5. 

[7] Conforme Habermas, a Reforma Protestante e o Renascimento são responsáveis pelo surgimento de uma visão nova da realidade, “como (um) sistema unitário de conhecimento autocentrado na subjetividade”. (p. 26-7).

[8] Id.

[9] HABERMAS, p. 5.

[10]Id. p. 14.

[11]Id.

[12] Id, p. 15.

[13] BENJAMIN apud HABERMAS,  p. 19.

[14] BAUDELAIRE apud HABERMAS, p. 15.

[15] HABERMAS,  p. 17.