PROJETO PRÓ-LEITURA: DESENVOLVENDO O IMAGINÁRIO DE UMA CLASSE DE JOVENS E ADULTOS

PESQUISADORA: IARA SEVERO DA SILVEIRA

JANEIRO DE 2005

 

1.      IDENTIFICAÇÃO

                    1.1   Título: PROJETO PRÓ-LEITURA: DESENVOLVENDO O IMAGINÁRIO DE UMA CLASSE DE JOVENS E ADULTOS

1.2 Aplicadores: Profª Iara Severo da Silveira e acadêmicos do Curso de Letras

1.3 Local: CLASSES DA EJA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO GABRIEL, RS

1.4 Período: DE MARÇO A DEZEMBRO DE 2005 

  1. JUSTIFICATIVA

       A relevância do Projeto Pró-Leitura para o desenvolvimento do imaginário de uma classe de jovens e adultos se evidencia quando, no Brasil, 15 milhões de brasileiros são analfabetos (13,3% da população). O número de analfabetos funcionais eleva o índice para 29,4% da população brasileira.  A análise da situação concreta de violência e opressão torna-se evidente quando se analisam esses dados. Os analfabetos funcionais que somam quase 30% da população brasileira não têm condições de interpretar criticamente o que lêem, daí decorre a necessidade da criação de projetos de leitura para a construção e reprodução de significados, apropriar-se da cultura e adquirir linguagem, para o pleno exercício da cidadania.

      As dificuldades de interpretar o mundo a partir do novo referencial dos textos trabalhados em sala de aula, a dialogicidade entre os saberes do senso comum e os do mundo letrado não se realizam de modo espontâneo, torna-se imprescindível uma reflexão mais profunda para estabelecerem-se as devidas conexões, inclusive, com a superação da idéia de que a teoria é superior à prática.

      Depois do esforço em estabelecer as ligações sistêmicas, entre a leitura e a realidade, quase que intuitivamente, emerge o momento mágico de criar. Nessa fase, superadas as dificuldades iniciais, interpretar o mundo torna-se uma estrada sem fim, uma experiência gratificante que cresce em entusiasmo na medida em que se descobrem novos desdobramentos do ato de criação. 

        Segundo Paulo Freire, o ser humano começa pela leitura de si e do mundo, para depois proceder a leitura das palavras. Desse modo, a compreensão dos textos, das palavras e das letras só tem sentido se houver uma contextualização com a sua experiência vivencial. Qualquer experiência de alfabetização desconectada com o mundo onde o alfabetizando estiver inserido não tem sentido para ele, cai no vazio. O momento de criar, de interpretar o mundo a partir do novo referencial, são  codificações ou ferramentas que representam a realidade, são leituras da leitura que o alfabetizando já fazia do mundo antes de aprender as palavras. Assim, a alfabetização é a criação ou a montagem na expressão escrita, da expressão oral. As palavras do povo vêm através da leitura do mundo, depois voltam inseridas no que se chamou de codificações escritas, que são representações da realidade. Esse conjunto de representações de situações concretas possibilita aos grupos populares uma leitura da leitura anterior do mundo, antes da leitura da palavra. “O ato de ler implica na percepção crítica, interpretação e re-escrita do lido”.  Agora,  com a leitura das palavras, o adulto dá sentido ao que lê e ao que escreve, interpreta aquilo que já conhece e, ao fazê-lo,  abre-se para o ato mágico de criar.

A matriz da esperança é a mesma da educabilidade do ser humano: o inacabamento de seu ser de que se tornou consciente.  Seria uma agressiva contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, o ser humano não se inserisse num permanente processo de esperançosa busca.  Este processo é a educação.  Mas precisamente porque nos achamos submetidos a um sem-número de limitações – obstáculos difíceis de ser superados, influências dominantes de concepções fatalistas da História, o poder da ideologia neoliberal, cuja ética perversa se funda nas leis do mercado – nunca, talvez, tenhamos tido mais necessidade de sublinhar, na prática educativa, o sentido da esperança do que hoje.  Daí que, entre saberes vários fundamentais à prática de educadores e educadoras, não importa se progressistas ou conservadores, se salienta o seguinte: mudar é difícil mas é possível  

3.      OBJETIVOS

 3.1       OBJETIVO GERAL

Realizar uma pesquisa bibliográfica e um estudo de caso sobre a importância da leitura na elaboração de significados e construção da experiência vivencial.

 3.2       OBJETIVO ESPECÍFICO

A pesquisa tem como objeto a valorização da linguagem escrita em uma classe de jovens e adultos, da rede municipal de ensino, do Município do São Gabriel, com a leitura de textos (livros, reportagens e jornais), pretende-se desenvolver a interpretação dos fatos, considerando-se a sua temporalidade e causalidade.

 4.      HIPÓTESE DE TRABALHO

É possível identificar as diferenças entre os vários movimentos, antes, durante e depois da aplicação do projeto de valorização da leitura escrita, possibilitando aos alunos da EJA o processo de repensar o mundo e elaborarem a dialética entre os saberes achados nas ruas e nos campos e o saber do mundo letrado.

 5.      METODOLOGIA E CRONOLOGIA

 5.1       Metodologia

Na opção metodológica, os aplicadores do projeto terão que observar se as atividades estão condizentes com os aluno, respeitando sua trajetória de vida. Os instrumentos utilizados são leituras de textos, através de movimento interdiscursivo, intertextual e dialógico, entrevistas, questionários, a observação direta e a tipologia do sistema familiar na área geográfica onde incidiu o estudo. O planejamento metodológico necessita de:

·        Formação de um grupo de trabalho para coordenar o processo.

·        Divulgação do projeto para sensibilizar professores, técnico- administrativos da Universidade e da Secretaria Municipal de Ensino.

·        Reunião e capacitação do corpo de professores e acadêmicos que vão atuar no projeto.

·        Levantamento da instituição ou instituições onde será aplicado o projeto.

·        Levantamento dos alfabetizandos e seus interesses pela leitura escrita.

 5.2          Cronologia

                                                    ANO  DE  2005

 

ATIVIDADES

MAR

ABR

MAI

JUN

JUL

AGO

SET

OUT

NOV

DEZ

Formação do grupo de trabalho e divulgação do projeto.

       

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Levantamento e coleta de dados e capacitação dos operadores.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desenvolvimento e reavaliação do projeto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desenvolvimento e reavaliação do projeto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desenvolvimento e reavaliação do projeto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Análise dos dados e avaliação final do projeto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 6.      REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

       Ao começar um projeto de leitura para desenvolver o imaginário de uma classe de jovens e adultos, com base numa proposta crítico-social, torna-se imprescindível a priorização dos conhecimentos e da realidade do aluno. É primordial que os aplicadores do projeto tenham domínio teórico e competência para estabelecer relações entre o referencial que fundamenta a proposta e a sua aplicação na sala de aula, pois só assim poderão mediar o desenvolvimento da aprendizagem numa perspectiva de educação popular.

Na aplicação do projeto de leitura para o desenvolvimento do imaginário de uma classe da EJA, considera-se primeiro a heterogeneidade dos educandos e quais os seus interesses, suas identidades, suas preocupações, necessidades, expectativas em relação à escola, suas habilidades, enfim, suas vivências, o que se torna de suma importância para a construção de uma proposta pedagógica que considere suas especificidades. É fundamental perceber quem é o educando, para que os textos a serem trabalhados façam sentido e tenham significado, sejam elementos concretos na sua formação, instrumentalizando-o para uma intervenção significativa na sua realidade.

     Os dados colhidos na aplicação do projeto de leitura devem visualizar várias possibilidades de trabalho e devem se espelhar nos conhecimentos e na observação feita pelos aplicadores do projeto no cotidiano de seus alunos, nas expectativas observadas e nas representações do mundo que os educandos trazem, como suas vivências e experiências.  Ressalta-se que é essencial garantir o registro de todo o processo, todas essas informações vão constituir o perfil dos educandos, seus conhecimentos prévios, suas expectativas, tornando-se um dos referenciais fundamentais para a avaliação do projeto. Sobre a observação da sala de aula, Paulo Freire (1996, p. 52) relata:

Quando entro em sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento. [...] Jamais pude entender a educação como uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos. Exatamente assim é que vejo os professores e os alunos, seres com alma, sonhos, emoções e desejos, ávidos por ensinar e aprender.

Para Freire (1975) são duas dimensões que constituem a palavra: ação  e  reflexão. A verdadeira palavra é a práxis transformadora. Na falta desta dimensão da ação, perde-se  a reflexão e a palavra torna-se um verbalismo sem valor. Por outro lado, a ação sem a  reflexão transforma-se em ativismo, que é uma forma também de negação do diálogo. Ele explica: 

                                Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões: ação/reflexão, de tal forma solidária, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí, que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo.

 

E a palavra não autêntica não vai transformar a realidade, uma vez que se estabelece uma dicotomia entre a ação e reflexão. A palavra perde a dimensão transformadora, cai na banalização.

 Freire (1975, p.94) diz que o diálogo só se inaugura com algumas condições a priori, tais como: o amor, humildade, fé nos homens e um pensar crítico:

Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo. Não há, por outro lado, diálogo se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante.

 

Para que o diálogo seja instaurado através do estudo de textos, primeiramente, é preciso ter fé no ser humano, na sua capacidade de fazer e refazer, “acreditar na sua vocação deSer Mais que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens”. O diálogo libertador, o não alienante, percebe a realidade como em permanente perfazimento, portanto, o homem é histórico e na história. Não admitindo separar o homem de seu mundo, “O diálogo é o encontro dos homens para dizerem a sua palavra. Encontro mediatizado pelo mundo e que tem por objetivo a sua pronúncia”. É através da palavra e do diálogo que o educando desoculta, percebe uma compreensão mais exata de si e de seu meio social,  e assim faz as suas relações com os outros eventos sócio-político-culturais. Estes são os elementos primeiros na pedagogia de educadores comprometidos com a educação libertadora. Para Paulo Freire (1975 p. 43):

A pedagogia do oprimido, que busca a restauração da intersubjetividade, se apresenta como pedagogia do homem. Somente ela, que se anima de generosidade autentica, humanista e não “humanitarista”, pode alcançar este objetivo. Pelo contrário, a pedagogia que, partindo de interesses egoístas dos opressores, egoísmo camuflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humanitarismo, mantém e encarna a própria opressão. É instrumento de desumanização. Esta é a razão pela qual, como já afirmamos, esta pedagogia não pode ser elaborada nem praticada pelos opressores. 

O desafio do Projeto Pró-Leitura: desenvolvendo o imaginário de uma classe de jovens e adultos é de que se deve sair dos caminhos seguros, das respostas definitivas para os problemas da aprendizagem e da vida, pois todas as certezas são transitórias, ante o homem que é um ser inacabado, em contínua construção, num mundo dinâmico.

7.      BIBLIOGRAFIA

 BOUFLEUER, J. P. Pedagogia latino-americana: Freire e Dussel. Ijuí: UNIJUÍ, 1991.

FREIRE, Paulo.  Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

____. Pedagogia do oprimido. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

____. Educação e mudança. tradução de Moacir Gadotti e Lillian Lopes Martin. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

____. Ação cultural para a liberdade. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

____. Educação popular. Lins: Todos Irmãos, 1982. . Paulo Freire ao vivo. São Paulo: Loyola, 1983.

____; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

_____. Aprendendo com a própria história. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987.

____; SHOR, I. Medo e ousadia: O cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

____; Macedo, D. Alfabetização: leitura do mundo. Leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

____. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

____. Alfabetização e conscientização. Porto Alegre: Editora Emma, 1993.

____. Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

____. Que fazer: teoria e prática em educação popular.5 ed. Rio de Janeiro: Petrópolis: Vozes. 1999.

____. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2001, p. 114.

____. A importância do ato de ler. 41 ed. São Paulo: Cortez, 2001.

____. Educador do povo. Veranópolis: ITERRA, 2001.

Jornal  Folha de São Paulo, edição de 27.3.2001, p. 8.

 Dados extraídos da Folha de São Paulo, edição de 27.3.2001,p. 8.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler  41 ed.  São Paulo: Cortez, 2001, p. 80.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000, p. 114.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 91.

Ibidem, p. 95.

BOUFLEUER, J. P. Pedagogia latino-americana: Freire e Dussel. Ijuí: UNIJUÍ, 1991,p, 43.