Como a Educação Física pode contribuir para a formação de um cidadão?

            Para discutir essa questão, vamos falar um pouco daquilo que caracteriza a Educação Física: o movimento corporal.
            O movimento corporal é o principal recurso do homem na sua relação com o mundo. É através do movimento que a pessoa se expressa, manifesta sua afetividade, age sobre os objetos e se comunica. Podemos dizer, através do movimento, da motricidade, o homem aprimora seu domínio não só motor, como cognitivo e sócio-afetivo sobre a realidade. Senão vejamos:
            Quando pensamos em domínio cognitivo podemos afirmar com segurança que o movimento desenvolve, sim, a inteligência, porque a ação sobre as coisas do mundo gera problemas (situações desafiadoras) que precisam ser resolvidos (conflitos) e esses problemas acionam os esquemas cognitivos.
            Quando pensamos em domínio sócio-afetivo, pensamos na afetividade, na socialização, na comunicação. Sem movimento, como pode alguém expressar sentimentos, interagir com outro e viver em sociedade?
            Os domínios motor, cognitivo e afetivo, na verdade, se confundem na atividade humana, pois a prática envolve o sujeito como um todo.
            Se a escola almeja formar cidadãos de forma integral, cidadãos que hajam de forma inteligente, que tenham competência nessa ação, que se expresse com maior criticidade e criatividade, ela terá de considerar a Educação Física como parte fundamental do processo educativo.
            É possível formar cidadãos com maior competência motora e melhor qualidade de expressão, desenvolvendo-se os principais conteúdos da Educação Física: os jogos, os esportes, a ginástica e a dança. Como?
            Vamos tomar como exemplo um jogo chamado "Não volte antes".
            Alunos são colocados em colunas atrás de uma linha de saída. Os primeiros de cada coluna recebem uma bola, e, ao sinal, partem em direção a uma cesta (ou alvo qualquer), tentando encestar. Depois e só depois(nunca antes) que conseguiram seu intento(a cesta) poderão voltar e entregar a bola aos segundos de suas equipes, os quais repetirão a seqüência do movimento. Ganha a coluna que terminar primeiro.
            Como esse jogo simples pode contribuir para o desenvolvimento da competência, da criticidade e da criatividade que irão desenhar o perfil desejado do aluno?
            Podemos começar pensando quais são as habilidades motoras envolvidas e requeridas para o jogo. No caso, são as habilidades de correr e arremessar, incluídas nos grupos de habilidades de locomoção e manipulação. Locomover-se e manipular objetos, qualquer que seja a forma de locomoção e qualquer que seja o objeto, são habilidades que estão presentes na maioria das ações humanas. Promover a competência dessas habilidades tem a ver com a melhoria da ação humana para o domínio das coisas do meio.
            A criatividade e a inteligência estarão sendo estimuladas como o professor desafia os alunos a realizarem a mesma tarefa utilizando outras formas de locomoção (andando, saltando...). Pode também propor que eles inventem outro jogo semelhante, mantendo a bola, a cesta e o ato de arremessar. Desta forma, os alunos serão estimulados a pensar em alternativas de movimento outras que não aquelas colocadas pelo professor, desenvolvendo seu raciocínio criativo.
            A discussão sobre as regras do jogo (o que se pode ou não fazer, o que vai ser ampliado, reduzido, modificado...), a verificação do próprio desempenho e o do grupo, a discussão entre os alunos sobre o que pode ser melhorado para alcançar a vitória, o entendimento das finalidades do jogo são algumas situações úteis para os alunos se posicionar criticamente em relação ao seu "fazer", tornando-se potencialmente apto para analises desse tipo em qualquer outro tipo de atividade, na escola ou em outro contexto.
            A comunicação corporal e afetiva durante o jogo é evidente. E mais: o professor deverá prever um tempo para uma discussão entre os alunos. A experiência de ganhar e perder, a experiência da alternância de vitória e derrota como faces possíveis da mesma moeda, o equilíbrio entre esforço coletivo e individual a cooperação são elementos riquíssimos para o trabalho para o trabalho do professor e, como tal, poderão ser salientados durante essa discussão.
            Vamos agora tomar outro conceito como exemplo: o esporte.
            Muito se tem falado sobre aspectos negativos da competição esportiva: a violência e a agressividade presentes no "ganhar a qualquer preço". No entanto o que queremos enfatizar aqui são alguns de seus aspectos positivos.
            Ao ministrar esportes, o professor não pode esquecer de enfatizar que neles, bem como em qualquer jogo, existem dois aspectos que, "paradoxalmente", se completam: cooperação e a competição. Só pode haver competição se houver cooperação entre os grupos que se defrontam (um precisa do outro para ocorrer a disputa) e entre os participantes de cada grupo (para tentar conseguir a vitória). Somente o desenvolvimento desses conceitos já justificaria a inclusão do esporte como meio de educação, como instrumento de formação da cidadania, mas ainda há outros benefícios.
            Para discorrer sobre esses benefícios, escolhemos uma modalidade coletiva: o basquetebol.
            Ao ministrar basquetebol, o professor deverá estar interessado em fazer com que seus alunos joguem com competência a modalidade e que dominem as habilidades motoras requeridas pelo jogo, seus fundamentos, regras e a dinâmica do jogo propriamente dita (técnica e tática). Trata-se de transmitir o conhecimento construído e conhecido culturalmente como basquetebol; mas, há outras coisas importantes: cada aluno vai construir sua própria forma de jogar, apropriando-se particularmente do conhecimento: "o meu arremesso à cesta é semelhante ao seu, mas este é o meu arremesso, o meu jeito de fazer isso".
            O professor precisa estar atento a essa apropriação pessoal do conhecimento, não exigindo desempenhos pré-estabelecidos baseados em modelos ideais de rendimento. Há que se observar, então, como o aluno se apropriou daquele basquetebol, tendo como referencial todo o processo de aprendizagem.
            Outras implicações educacionais estão na discussão que o professor pode promover entre os alunos sobre a evolução histórica do basquetebol no Brasil, comparando-o com o de outros países, como os Estados Unidos, por exemplo: "o basquetebol jogado aqui é o mesmo jogado nos EUA? Por quê?
            Uma discussão, adequada aos diferentes níveis de escolarização e bem orientada pelo professor, pode levar os alunos a compreenderem e a criticarem (positiva ou negativamente) a forma como os órgãos governamentais conduzem as políticas nacionais, estadual e municipal de incentivo ao esporte enquanto conhecimento institucionalizado, enquanto forma de expressão cultural, enquanto direito ao lazer.
            Ao ministrar técnicas e táticas, o professor deve estar preocupado em promover o nível de competência e a melhoria técnica do jogo de basquetebol. Por que não?
A diferença é que ele ira colocar os alunos diante da opção por diferentes e hipotéticas situações táticas. E isso é bastante diverso de ensinar jogadas-padrão.Vejamos dois exemplos de situações que podem ser colocadas a nível teórico e prático:
            “Como resolver uma situação de ataque contra uma equipe que tenha pivôs muito altos?”

           
"Como organizar jogadas efetivas de contra-ataque depois de uma bola ao alto?”
           
As respostas deverão vir dos próprios alunos.
            É fundamental, portanto, que os alunos sejam desafiados constantemente para resolver de forma criativa, inventiva e competente as mais variadas situações. E isso tem a ver com o desenvolvimento da capacidade de resolver problemas, em qualquer outro contexto e não só o do jogo.