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CURTA HOJE!!!

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios
filhos. É que as crianças crescem. Independentes de nós, como
árvores tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir
licença. Crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com
alardeada arrogância.
Mas não crescem todos os dias, de igual maneira. Crescem de
repente. Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma
frase com tal maturidade, que você sente que não pode mais trocar
as suas fraldas.
Onde é que andou crescendo, que você não percebeu? Cadê aquele
cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na
areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o
primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica,
desobediência civil.
E você agora está ali, na porta da festa,esperando que ela não
apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais ao volante,
esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos.
Entre hamburgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos
filhos com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda,
nos ombros nus, ou então com a blusa amarrada na cintura. Está
quente, achamos que vão estragar a blusa, mas não tem jeito, é o
emblema da geração.
Pois ali estamos, com os cabelos já embranquecidos. Esses são os
filhos que conseguimos gerar apesar dos golpes dos ventos, das
colheitas das notícias e da ditadura das horas. E eles crescem
meio amestrados, observando nossos muitos erros.
Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios
filhos. Não mais os colheremos nas portas das festas, quando
surgirem entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, do
inglês, da natação, do judô. Saíram do banco de trás e passaram
para o volante das próprias vidas.
Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos
sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da
infância e da adolescência, cobertos naquele quarto cheio de
adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores. Não,
não os levamos suficientes vezes ao Play Center, ao Shopping, não
lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.
Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo nosso afeto. No
princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos,
bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos.
Sim, havia as brigas dentro do carro, disputa pela janela, pedido
de chicletes e sanduíches, cantorias infantis. Depois chegou a
idade em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um
sofrimento, pois era impossível largar a turma e os primeiros
namorados.
Os pais ficaram então exilados dos filhos. Tinham a solidão que
sempre desejaram, mas não de repente, morriam de saudades deles. O
jeito é esperar.
Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho
ocioso e estocado não exercido nos próprios filhos e que não pode
morrer conosco. Por isso os avós são tão desmensurados e
distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última
oportunidade de reeditar nosso afeto.

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