13 de maio de 1998
O cacareco raivoso
Ele é uma espécie de Le Pen tupiniquim. Tem idéias de extrema direita, mas nega a política. Enéas Carneiro, do nanico Prona, já encanta 5% de descontentes
LIANA MELO
Nove anos e duas tentativas frustradas de conquistar a Presidência da República não arrefeceram o ânimo do cardiologista Enéas Ferreira Carneiro, fundador do Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona). Pelo contrário. Aos 60 anos, o acreano está mais raivoso do que nunca. Nesta entrevista a ISTOÉ, ele afirma que não há nada que lhe cause mais náusea e repugnância do que a classe política atual e seu "sórdido jogo de interesses". Garante que não precisa fazer alianças para chegar à Presidência, trinca os dentes de ódio quando fala sobre o presidente Fernando Henrique Cardoso, diz que Lula é um semi-analfabeto e promete ainda triplicar o efetivo das Forças Armadas caso seja eleito. Foi com um discurso semelhante, enérgico, defendendo a moralidade e a ordem pública, que o caricato Enéas amealhou mais de 4,6 milhões de votos em 1994, ficando em terceiro lugar. Desde 1989, quando se lançou na política, Enéas vem alimentando o rótulo, ou o epíteto, como prefere, de um político outsider. Com voz estridente, enormes óculos e barba idem, Enéas ataca todos os adversários e coloca-se como a única alternativa capaz de salvar o País. O autor do bordão "Meu nome é Enéas" garante que não está brincando de fazer política e que entrou na disputa para ganhar. Nos anos 60, um rinoceronte manso chamado Cacareco foi muito bem votado. Era uma brincadeira dos cariocas. O bicho agora é mais perigoso.
ISTOÉ – Qual a diferença
entre o Enéas de 1989 e o de agora?
Enéas Carneiro – A única
diferença entre 1989 e agora é que eu estou infinitamente
mais preparado. Naquela época, tinha apenas 15 segundos na televisão.
Em 1994, com um pouco mais de um minuto, fiquei em terceiro lugar, na frente
do senador Esperidião Amin e dos ex-governadores Leonel Brizola
e Orestes Quércia. Em mim votaram 4,6 milhões de eleitores.
Estes adversários tiveram votações ridículas
de dois a três milhões de votos. Eu não estou brincando,
não entrei nesta disputa para levar Fernando Henrique para o segundo
turno. Entrei na eleição para ganhar. E vou ganhar.
ISTOÉ – O Prona pretende fazer alianças
com outros partidos para ter mais tempo na tevê?
Enéas – O tempo total de exposição
na televisão é em torno de 25 minutos. Se este tempo fosse
dividido igualitariamente, a ISTOÉ já estaria falando com
o próximo presidente. Até porque os meus concorrentes são
extremamente mal dotados pela natureza. Só que estes 25 minutos
são divididos em três terços e apenas um terço
é dividido por igual. Se houver quatro candidatos, terei então
dois minutos.
ISTOÉ – Como pretende governar o
País estando à frente de um partido sem expressão
nacional e sem representação no Congresso?
Enéas – O presidente da República
tem um poder monocrático. A representação parlamentar
não tem a menor importância. Não existe a menor dificuldade
de governar sem partido. Até porque existe um recurso chamado Medida
Provisória, que o presidente Fernando Henrique Cardoso, mesmo à
frente de um partido forte, usa à vontade. Por que então
eu não poderia lançar mão do mesmo recurso? Quando
Fernando Collor de Mello foi eleito, ele tinha um partido que era muito
mais inexpressivo que o Prona. Ele tomou atitudes inconstitucionais e o
Congresso e até o Judiciário foram obrigados a se curvar.
ISTOÉ – O sr. fecharia o Congresso
se julgasse necessário?
Enéas – Não, até
porque o Congresso Nacional é por excelência um fórum
inepto. Ele está aí porque tem que estar, porque faz parte
dos Três Poderes. Assim como uma orquestra funciona bem ou mal na
dependência do maestro, assim também o Congresso adaptar-se-á
a um comando sério voltado para os interesses nacionais. Se o presidente
quiser fazer mudanças radicais, ele pode fazer. E para isso não
precisa fechar o Congresso.
ISTOÉ – Por que o sr. é candidato?
Enéas – Porque acredito que exista
uma saída: romper completamente com o sistema financeiro internacional
que movimenta diariamente cerca de US$ 3 trilhões. Diante deste
cassino mundial, a globalização é apenas uma palavra
bonita que encobre um processo de pirataria, de rapinagem explícita.
Ao defender este projeto nacional, o presidente Fernando Henrique Cardoso
é igual ao ex-presidente Fernando Collor de Mello. FHC e Collor
são iguais, a única diferença entre eles é
que o primeiro é infinitamente mais preparado. Eles estão
vendendo todas as nossas riquezas com o argumento de que precisamos pagar
nossos compromissos. Isto tudo é uma mentira. A dívida mobiliária,
a parte mais importante da dívida interna brasileira, por exemplo,
estava em torno de US$ 50 bilhões antes de FHC assumir e, hoje,
ultrapassa os US$ 200 bilhões.
ISTOÉ – Que remédio o sr.
daria para estancar esta sangria?
Enéas – Anular todas as privatizações.
Elas foram inconstitucionais e é possível provar. A privatização
da Vale do Rio Doce, por exemplo, foi uma imundície. Todas as empresas
que foram vendidas vão voltar para seus antigos donos – os brasileiros.
Gastamos cerca de US$ 5 bilhões por mês para pagar juros da
dívida externa e não temos dinheiro para resolver o problema
da seca no Nordeste. Tudo isso é de um cinismo despudorado.
ISTOÉ – O sr. acha a esquerda burra?
Enéas – Estes conceitos de direita
e esquerda estão ultrapassados. Afinal de contas, o que é
a esquerda? O candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, por exemplo,
é um boneco semi-analfabeto. A discussão para mim não
é mais entre esquerda e direita. É, de um lado, a globalização;
de outro, o Estado nacional soberano. A globalização é
como se se colocasse um raposa solta num quintal cheio de pintinhos. No
final, não vai sobrar nada.
ISTOÉ – A filiação
do pastor Paulo Velasco ao Prona é uma prova de que a Igreja Universal
do Reino de Deus está abençoando sua candidatura?
Enéas – Em 1994, o Prona precisava
desesperadamente ter um deputado. Caso contrário, eu não
poderia lançar minha candidatura à Presidência. Não
temos nenhuma forma de preconceito. Quando ele nos perguntou se o Prona
tinha algum problema em relação ao apoio da Igreja, a resposta
foi clara: não. Não temos nenhum compromisso com a Igreja.
Isto não significa que, caso o bispo Edir Macedo queira fazer uma
doação, eu não vá aceitar. Qualquer um que
queira me ajudar, será bem-vindo.
ISTOÉ – Em diversas ocasiões
o sr. defendeu a necessidade de o Brasil desenvolver a bomba atômica.
Por quê?
Enéas – A bomba atômica é
fundamental. Não para jogar em ninguém, mas para sermos respeitados.
É o que em geopolítica se chama dissuasão estratégica.
Isto quer dizer, deixem-nos em paz. Quando se tem a bomba atômica
senta-se para conversar em condições de igualdade. O mesmo
acontece com as Forças Armadas. Se eleito, irei triplicar o seu
efetivo. Elas são o braço armado do povo.
ISTOÉ – O sr. é frequentemente
comparado a líderes de direita, como o francês Jean-Marie
Le Pen. Incomoda-o ser apontado como o Le Pen dos trópicos?
Enéas – Já me chamaram até
de Mussolini. Não me incomodo, apenas me divirto. Não conheço
Le Pen, não gosto destas atitudes de agressão ao ser humano
e sou contra a pena de morte. Não gosto dos neonazistas, isto é
barbarismo. Eu gosto de ordem, de disciplina, de respeito aos valores tradicionais,
de respeito à família, à propriedade, ao Estado e
à Igreja. Sou contrário à discriminação
das drogas. Estas comparações me fazem rir. Elas são
feitas por ignorância profunda ou por má-fé explícita.
Não quero que me amem ou me odeiem. Quero que saibam exatamente
o que eu penso. Na televisão, eu desmoralizo todo mundo. Em um minuto
ou meio segundo, eu sacudo a população quando falo. Reduzo
meus adversários a pó.