Travejamentos para o século XXI - 4, de 4 |
Apesar
de todos os esforços, continua por fazer um trabalho de autêntica refundação
da Escola, o cerne de todos os debates sobre a Educação.
A
Pedagogia não é prisioneira de um modelo de Escola. Interrogar-se sobre a
apropriação dos saberes, sobre a transferência do conhecimento, ou sobre os
“obstáculos cognitivos” são tarefas do pedagogo que o professor pode e
deve ser.
Além
disso, o pedagógico interroga o político: não o recusa nem o aceita
espontaneamente, na rotina do acto educativo. Se a Pedagogia, os pedagogos e a
Escola escolhem, em nome duma perspectiva pedagógica, o que releva duma posição
política, baralham os dados e contribuem para a confusão do debate. Se a
Pedagogia, os pedagogos e a Escola se posicionam perante o sujeito concreto,
referenciado no interior duma instituição, questionando um lugar para esse
sujeito (quer ele o ocupe ou não), então, fazem o seu trabalho, isto é,
convidam cada um a ocupar um lugar.
O
pedagogo esforça-se por não dar azo a que se confunda a sua actividade com
manipulação das consciências, a fim de que o verbo aconteça sobre outra
camada estruturante que não se reduza a satisfação ou frustração. Numa
realidade que não é neutral e perante um aluno que resiste e um professor que,
por vezes, não lhe fica atrás, a Pedagogia não pode ser neutra, não está
fora dos problemas que fazem a cidade e o cidadão.
De
certo modo, o pedagogo antecipa o
estatuto do aluno enquanto sujeito, vê-o a fazer escolhas e a singularizar os
seus próprios processos de aprendizagem. Aqui reside uma dificuldade: a da
fronteira da idade adulta, por um lado, e a de saber até que ponto se deve
educar, por outro.
A
educação começa por ser um olhar. O encontro não requer necessariamente a
mediação duma cultura preexistente, o encontro dá acesso à cultura e
modifica-a.
Outra
perspectiva é ver a educação como preparação para que se seja um sujeito
que ainda se não é, isto é, um cidadão. Esta fronteira da educação permite
saber se a educação é incompleta e determina a iniciativa do adulto dentro
dessa fronteira. Permite também controlar os humores do educador que se vê, a
si e ao aluno, no mundo. Se for preciso, que o aluno seja preservado de situações
que ainda não está em condições de enfrentar nem compreender, e que o
educador não tenha pejo em contribuir para isso, proporcionando, porém, um
espaço para que se governe.
Quando
um indivíduo se dá por tarefa educar um outro, entra num projecto em que a
inteligência se enrola; mas é preciso, mesmo assim, entrar verdadeiramente e não procurar habilidosamente saídas. A pedagogia ou é um
exercício inteligente de contradições, ou não será pedagogia.
O
discurso pedagógico é uma pluralidade de fragmentos heteróclitos, cuja
unidade é conseguida através duma temática comum - a solicitude, o convite à
consideração do outro. Há, nesta perspectiva, um ponto de fuga que não
corresponde ao «grande plano» - é a resistência que o outro oferece. É
assim que cada fragmento não deve ser isolado do contexto, de modo a que umas
dobras não ofusquem as outras. A perspectiva pedagógica é projecto, intenção,
acção, decisão. Remete para o outro, mas age de modo a que esse outro se
habitue a cuidar de si. Na medida em que não permite inventariar e
conceptualizar permanentemente o que se decide, não pode ser considerada prática
sistémica.
Os
textos pedagógicos não proporcionam toda a satisfação que deles se pode
tirar se não forem lidos, até certo ponto, como ficção, de forma a que o que
neles seja encontrado não fique reduzido a estreitos corredores em que se
movimentam criaturas e categorias sufocantes - isto exige trabalho de mestria.