Novamente os Mestres - sim ou não?  

Apesar de todos os esforços, continua por fazer um trabalho de autêntica refundação da Escola, o cerne de todos os debates sobre a Educação.

A Pedagogia não é prisioneira de um modelo de Escola. Interrogar-se sobre a apropriação dos saberes, sobre a transferência do conhecimento, ou sobre os “obstáculos cognitivos” são tarefas do pedagogo que o professor pode e deve ser.

Além disso, o pedagógico interroga o político: não o recusa nem o aceita espontaneamente, na rotina do acto educativo. Se a Pedagogia, os pedagogos e a Escola escolhem, em nome duma perspectiva pedagógica, o que releva duma posição política, baralham os dados e contribuem para a confusão do debate. Se a Pedagogia, os pedagogos e a Escola se posicionam perante o sujeito concreto, referenciado no interior duma instituição, questionando um lugar para esse sujeito (quer ele o ocupe ou não), então, fazem o seu trabalho, isto é, convidam cada um a ocupar um lugar.

O pedagogo esforça-se por não dar azo a que se confunda a sua actividade com manipulação das consciências, a fim de que o verbo aconteça sobre outra camada estruturante que não se reduza a satisfação ou frustração. Numa realidade que não é neutral e perante um aluno que resiste e um professor que, por vezes, não lhe fica atrás, a Pedagogia não pode ser neutra, não está fora dos problemas que fazem a cidade e o cidadão.

De certo modo, o pedagogo  antecipa o estatuto do aluno enquanto sujeito, vê-o a fazer escolhas e a singularizar os seus próprios processos de aprendizagem. Aqui reside uma dificuldade: a da fronteira da idade adulta, por um lado, e a de saber até que ponto se deve educar, por outro.

A educação começa por ser um olhar. O encontro não requer necessariamente a mediação duma cultura preexistente, o encontro dá acesso à cultura e modifica-a.

Outra perspectiva é ver a educação como preparação para que se seja um sujeito que ainda se não é, isto é, um cidadão. Esta fronteira da educação permite saber se a educação é incompleta e determina a iniciativa do adulto dentro dessa fronteira. Permite também controlar os humores do educador que se vê, a si e ao aluno, no mundo. Se for preciso, que o aluno seja preservado de situações que ainda não está em condições de enfrentar nem compreender, e que o educador não tenha pejo em contribuir para isso, proporcionando, porém, um espaço para que se governe.

Quando um indivíduo se dá por tarefa educar um outro, entra num projecto em que a inteligência se enrola; mas é preciso, mesmo assim, entrar verdadeiramente  e não procurar habilidosamente saídas. A pedagogia ou é um exercício inteligente de contradições, ou não será pedagogia.

O discurso pedagógico é uma pluralidade de fragmentos heteróclitos, cuja unidade é conseguida através duma temática comum - a solicitude, o convite à consideração do outro. Há, nesta perspectiva, um ponto de fuga que não corresponde ao «grande plano» - é a resistência que o outro oferece. É assim que cada fragmento não deve ser isolado do contexto, de modo a que umas dobras não ofusquem as outras. A perspectiva pedagógica é projecto, intenção, acção, decisão. Remete para o outro, mas age de modo a que esse outro se habitue a cuidar de si. Na medida em que não permite inventariar e conceptualizar permanentemente o que se decide, não pode ser considerada prática sistémica.

Os textos pedagógicos não proporcionam toda a satisfação que deles se pode tirar se não forem lidos, até certo ponto, como ficção, de forma a que o que neles seja encontrado não fique reduzido a estreitos corredores em que se movimentam criaturas e categorias sufocantes - isto exige trabalho de mestria.  

Carlos Sambade, Professor da Escola Secundária do Cerco, Maio de 2001

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