“Deve lembrar-se que o ensino é uma profissão do humano, uma profissão complexa, paradoxal, impossível.” (Penenoud, 1995)

Libelo, s.m. (do latim libellu-). Acção pela qual uma coisa se notifica judicialmente./Escrito ou artigo pouco extenso, injurioso ou difamatório./Acusação./Ant. Livrinho, opúsculo./Nome que se deu no séc. III a uma espécie de certificado, concedido pelos magistrados pagãos, que punha o possuidor a coberto de qualquer perseguição.

José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, vol. VI, ed. Ediclube, Lisboa, 1989

Libelo, s.m. – exposição escrita e articulada daquilo que o autor intenta provar contra o réu; o que envolve acusação de alguém (do Lat. Libellu, “Livrinho, panfleto; libelo”).

Dicionário da Língua Portuguesa, 7ª ed. Porto Editora.

Penenoud refere que ensinar é pretender que o saber docente seja superior ao dos alunos e ao das famílias, praticar a justiça, exercer um poder e restituir uma lei; sancionar certas condutas, trabalhar com pessoas complexas e agir com (sobre) elas, mesmo sem ter a certeza da justeza do procedimento. É olhar-se nos próprios limites e incertezas, expor-se diariamente ao olhar dos alunos e, através deles, aos dos familiares. É ser desestabilizado por acontecimentos imprevisíveis e sentir-se desnudado perante os alunos companheiros de jornada. É implicar-se, por vezes, em situações intersubjectivas de alto risco, ser julgado pelos colegas, pelas famílias, pelos alunos, pela tutela, frequentemente sem indulgência e sobre bases fragmentárias e desajustadas às novas realidades educativas. Ensinar é, enfim, carregar o peso dos dilemas: construir, educar; socializar, julgar, classificar, errar.

Conforme Popper, uma teoria vale até ao momento em que se contradita. Lá em casa, espera-se que a água ferva a 100º. Que solução? CONTRADIÇÃO aparece aí como acontecimento imprevisível que, admita-se, procurará ser “espaço de inovação e de mudança” ou, como consta, lugar de intervenção nos domínios mais caros ao colégio docente da E. S. do Cerco. Esta página, seguramente, poderá ser via, talvez estreita – isso será muito bom – para outra escola, capaz de proporcionar o gosto  de ser aluno e de ser professor, mediante um processo empático mais valioso.

Como convém, inteirar-se da tríplice dimensão do discurso (sintaxe, semântica e pragmática) é tarefa elementar a quem pretende comunicar. É, aliás, condição necessária para a clarificação e eficiência do processo comunicativo. Deste ponto de vista, trata-se de matéria relevante para a conduta e decisões na esfera individual ou social, que a Escola, enquistada em maus hábitos, insiste em descurar.

Ora, este “produto editorial”, benigno, mistura Tradição e Contradição, “panfletário na génese” padece de iniludíveis equívocos. Desde logo, a ausência do conceito de dialéctica – imperdoável – já que a CONTRADIÇÃO só é entendível no interior do DIÁLOGO entre contrários. Pela amostra, não se descobre nenhum separar de águas. Não se visita nenhum sentido novo. Por outro lado, chamar “libelo de Temáticas Educativas” a textos de sabor puramente empírico (leia-se “banalidades”) será, no máximo, incoerente e, no mínimo, abusivo. Além disso, pretende-se “uma forma simples de manter uma produção cultural relevante, que tem raízes na instituição.” E agora, que instituição? Que modelo, que autonomia? Mais: esta “actividade editorial” dificilmente conjugará provocação e simplicidade, panfleto e candura de argumentos, CONTRADIÇÃO sem utopia. Pelo mais, é recorrente a falácia da generalização, nomeadamente quando se infere a partir da experiência pessoal.

Aplaudindo a iniciativa, a “mestria” desta CONTRADIÇÃO melhor se designaria intervenção, reflexão, provocação, debate ... . Mas, libelo! ... ?! Se Eça estivesse por aí ou Camilo soubesse, desancariam, com verbo inclemente, esta coerente e sã CONTRADIÇÃO. Mas, por cá – diria Sócrates, quem estiver inocente que arremesse a primeira pedra.

Como refere Sambade, “o caminho é íngreme” e se, neste projecto, somos “iniciados” (o que se inicia aprende a libertar-se do que lhe é adverso), no sentido pedagógico do termo, haveremos de concluir que esta CONTRADIÇÃO faz sentido, se nela ecoar a mudança, entendida no seu sentido mais radical.

Julgando por adequado o objectivo - a mudança estriba-se, em muito, na CONTRADIÇÃO que é esta FOLHA, ao jeito de João Penha - sugere-se que nela a educação seja pormaior, com a maior objectividade, no contexto vivencial que somos.

O que se espera: que a tarefa – ora proposta, sem máscara – seja capaz de “disparar” sobre o alvo certo. CONTRADIÇÃO, longe da freima da corte dos teóricos de pedagogias, servirá para aprofundar entre a lógica burocrática da lógica da responsabilidade profissional. É manifesto que, se aquela se alicerça numa estratégia de estandardização, esta resulta do compromisso da participação.

Afinal, o que é e para que servirá um libelo deste estilo?

Venha daí a réplica! ... certos de que, nesta encruzilhada de sentidos tudo se joga, CONTRADIÇÃO valerá a pena para reflectir na vida de professor ... .

José Fernando Silva, Professor da Escola Secundária do Cerco, 13 de Dezembro de 2000

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