DA INSEGURANÇA À INDISCIPLINA NAS ESCOLAS |
"Adoro
(transgredir), e transgredir qualquer coisa que é considerado sagrado dá-me um
prazer ainda maior. Só tive pena pelo Otelo, que percebeu perfeitamente a nossa
ideia e achou muita graça, mas que deve ter ficado magoado com todo o que se
disse. Estámos-lhe gratíssimos."
Júlia Pinheiro, DNA, nº 2119, 10.Fev.2001, p.22
Quem diria que o apetite de
transgredir lhe confere prazer. A ela, como a muitos mais. Até poderá ser saudável,
depende das circunstâncias. Não pactuar com o intolerável é decerto uma
forma racional de transgressão salutar.
Ora, queremos repudiar frontalmente o
que é já norma em muitas escolas: a insegurança, fruto directo da
indisciplina, que, comenta-se, tendem a acentuar-se.
Vem isto a propósito da reportagem
que o Comércio do Porto tornou pública, na sua edição de 10.Fev.2001, sobre
a insegurança nas escolas, designadamente no Porto e em Gaia. Aí se
escreve que a DREN identificou 15 escolas de "risco", em que a
criminalidade é regular. O pior é que o fenómeno está a alastrar ...
O Programa Escola Segura é bem-vindo, desde que eficaz na garantia da segurança
interna e externa das escolas, porque a situação, não sendo alarmante, é já
preocupante. No sentido de pre-ocupar, isto é, prevenir, remediar, os males
antes que aconteçam.
Das causas da insegurança e da
indisciplina, o "peditório" saturou-se. Mas há uma vertente pouco
referida: a hipocrisia que anima a sociedade. Há tempos, eram os mendigos de
rua, agora, são os "alunos (que) roubam para comer". Verdadeiro ou
falso?
Do ponto de vista
psico-social, o que sobreleva é a imagem, o aparatoso, o surpreendente, o poder
da fragilidade.
Os transgressores servem-se, muitas vezes, da manifestação do
"poder" a fim de esconder e defender a sua fragilidade.
O que inquieta, não é tanto o que é
endógeno às escolas, mas o que lhes é exógeno, ou seja, o que se passa no âmbito
da comunidade escolar e o que, do exterior, nela desagua. Há afluentes, neste
particular, muito influentes, que poluem, sem escrúpulo, meninos e meninas, que
são o melhor que as escolas têm. Também, aqui, o princípio do poluidor,
pagador, deveria aplicar-se. Há quem diga: já!
Não é possível uma Escola viva e
alegre, sob a ameaça da instabilidade funcional. Não é admissível que se
assista ao "sucesso" dos alunos e à quase "humilhação"
dos professores. Dá vontade de clamar: Senhor Ministro! Determine e mande
publicar: toda essa gente, agora, dedicar-se-á à pesca. As galés estão
prontas. Embarquem depressa e em força. O comando está assegurado: todos os já
disponíveis e muitos em lista de espera.
É que
até os mais pequenos se
manifestam.
Que bonito, não? Na presunção da
consciência cívica que determina o debate e o direito à manifestação, o que
promovem só lhes fica bem. O ruído, porém, é excessivo para tanta concentração...
No interior do turbilhão recrudesce o
perigoso gesto de regresso à musculação do poder: "estou farto desta
estudantada", dizia um; "vai para a escola aprender", sussurrava
outro; "o que vocês precisam é de malho", proclamava outro,
exaltado, ao tropeçar com os estudantes em marcha de protesto.
O desafio da Educação é tremendo e
ninguém sabe dize-lo bem. As contradições são tantas e tamanhas que a Educação
mais parece um Adamastor visível que o rochedo de Gibraltar.
Enfim, quem tiver ouvidos, oiça; quem
souber ler, leia; quem tiver olhos para ver, veja! A diferença de tempos não
justifica tudo. Sobra, hoje, um amargo sabor de intensa angústia!...