UMA CONTRADIÇÃO: A INDISCIPLINA NA ESCOLA |
A missão do Estado de direito “consiste, antes de tudo, na eliminação da violência (...). Quando aceitamos reduzir a nada a aversão geral pela violência, sabotamos o Estado de direito (...). E, ao mesmo tempo, sabotamos a nossa civilização”.
Karl Popper
Parece
não haver remédio! Uma sociedade indisciplinada gera uma escola manchada por
gestos menos adequados a uma instituição que se pretende seja espaço de
instrução e de educação. O número de pessoas envolvidas no processo de
remediação deste inveterado mal, que se mostram incapazes de o erradicar,
revela bem a profundidade e a extensão da maleita.
Não
se crê na bondade rousseauniana implícita na ideia de que todo o mal, por mais
hediondo que seja, poderá recuperar-se. Há alguns “filhos de Rousseau” que
se mostram incorrigíveis. Nem se pense que o grande réu seja a sociedade. Também
o é, claro, mas não o único. O modelo behaviorista, por redutor, não explica
inteiramente a conduta. Em linguagem proverbial, dir-se-á que nem sempre a
ocasião faz o ladrão. Mais: a analogia, que vai do particular ao particular, não
se nos afigura como método seguro para concluir.
A
incapacidade da Escola – leia-se Sistema Educativo – em resolver o problema
da indisciplina nas escolas cruza-se com múltiplas varáveis. Extrema-se entre
o crescer vazio e o preciso de ti. Os apelos destrutivos, que emergem nas
escolas, integram-se num filme complexo de desagregação da personalidade –
cada vez mais precoce – que o contexto promove. Os meninos sem referência
familiar, sem ser olhados como alguém, tendem a vandalizar-se e a
auto-excluir-se.
A
desorganização da família reflecte-se na desorganização da criança ou do
jovem que desaguam na escola. Só que ela não é uma instituição de caridade
nem uma reserva de recuperação de “bons malandros”. A degradação atinge
níveis tão elevados de destruição da auto-estima, que serve de trampolim
para magoar os demais. E, enquanto todos se lamuriam e o mal cresce, pouco se
adianta.
Os
relatos e os debates dão conta da inquietação de “casos” e situações tão
incómodas quão surpreendentes. Um exemplo: “Os alunos perderam a auto-estima
e a noção da vergonha”, constatou, recentemente, em Braga, Laborinho Lúcio.
Nesta encruzilhada, aparentemente sem saída, germina a indisciplina, quando não
a violência. Argumentar que Wiston Churchill reprovou e foi várias vezes açoitado
pelo director da escola é argumentar “à contrário” do que se pretende
demonstrar.
Ninguém
duvida que cabe à Escola educar para a cidadania e que são os professores os
principais agentes desse cultivo cívico. Reconhece-se que os alunos têm
“direitos próprios”: a brincar, à felicidade, à família, à identidade
pessoal, ao respeito à palavra e à opinião, à competência dos professores,
às melhores condições de ensino-aprendizagem. Mas será a Escola capaz de
proporcionar e garantir este leque de exigências? Será ela capaz de reduzir os
efeitos nefastos que se repercutem nas crianças e jovens que não usufruíram
delas?
Embora
a boa vontade e dedicação, o que medra no terreno é o mau uso dos direitos,
quase sem deveres, por banda dos alunos, e a magoada tristeza ou desilusão
crescente por parte dos professores. Falar de “Educação Integral”, na
Escola que se instalou, equivale ao anúncio de uma utopia, de uma Escola sem
lugar. É verdade que a Escola, enquanto “aparelho ideológico do Estado”,
reproduz os valores hegemónicos da sociedade. E, então, que valores? O
facilitismo e a perda de espírito de abnegação? A insolência e o ruído
perturbante? A desautorização dos professores e a anarquização da
convivialidade? O desrespeito e a soberania do “bom selvagem”, feita vontade
geral? A apologia da benevolência e a complacência face ao desvio? E que mais?
... E depois? ...
Falta, todavia, em tudo quanto se vê, ouve e lê, uma referencia fundamental: a vontade individual, no sentido de desmanchar os desígnios da insalubridade, sempre recorrente, da injustiça. Todos estamos ocupados e preocupados com o mesmo e ninguém acha o fio de Ariane, que conduz à saída do labirinto.
Só
há um limite para a intolerância: o intolerável! ...
José
Fernando Silva, Professor da Escola Secundária do Cerco, 20 de Fevereiro de
2001