Marcado pelo gosto da paradoxia, a independência, Inquietude e inconformismo das suas ideias, intervenções, analogias e hipérboles de pensamento, Agostinho da Silva (1906-1994), apesar dos esforços do Círculo de Amigos de Agostinho da Silva e dos múltiplos estudos recentemente publicados, o promotor de Educação do Homem Universal está longe de ser conhecido e reconhecido pela maioria dos portugueses.

No que aqui convêm, importa sublinhar a importância da Educação na reorganização de Portugal e com ele do Mundo, já que Agostinho associava a plena realização do Espírito ao fundamento último da História que o Quinto Império garantiria, por acção heróica do povo português. Refere o autor de Um Fernando Pessoa (1959): “ A missão de Portugal, agora, se de missão podemos falar, não é a mesma do pequeno Portugal, quando tinha apenas um milhão de habitantes, que se lançou ao Mundo e o descobriu todo, mas a missão de todos que falam a língua portuguesa. Todos esses povos têm de cumprir uma missão importante no Mundo.” (cf . Victor Mendanha, Conversas Com Agostinho da Silva, Lisboa, Pergaminho,1994, p.31). Percebe-se ser na linha do profetismo de Camões, Bandarra, Padre António Vieira e Fernando Pessoa que Agostinho da Silva estrutura o modelo providencialista, concebido como processo de incarnação do ideal do reino dos fins, atribuído a Portugal.

Como nota Miguel Real (cf. Joaquim de Carvalho, Elementos Constitutivos da Consciência Saudosa e Problemática da Saudade, Lisboa Editora,1998,1ªed), “Agostinho da Silva fez emergir Portugal de um fundo espiritual  permanente que o constitui como trave de salvação europeia e, mesmo, como motor de um plano divino de purificação ou regeneração mundial.” ”... Deus não pode abandonar o seu outro povo eleito e, passado o domínio da Europa, quando a técnica tiver esgotado todas as suas possibilidades, quando a economia protestante se verificar plenamente anti-humana, quando a centralização estatal se revelar estéril, Portugal virá de novo construir o seu mundo de paz.” (cf. Agostinho da Silva, Um Fernando Pessoa, Lisboa, Guimarães Eds.1959, p.15).

Agostinho afirma aproximadamente o mesmo que Pessoa: a sua teoria relativa ao papel messiânico de Portugal identifica-se com a projecção pessoana. A gesta das descobertas, se mostrou ao Mundo o que o mundo era não esgota a Mensagem deste outro povo eleito. Falta agora descobrir o mundo que as pessoas têm dentro de si: falta cumprir-se Portugal.

Atenta a obra objectiva deste homem singular - um misto de sábio, visionário e de homem comum - descobre-se nela um pensamento mais de cariz sapiencial que estritamente filosófico, fazendo o Autor, desde cedo, eco do seu permanente interesse pela espiritualidade e mística cristãs, a que acresce a paixão pela cultura clássica.

Dimensão significativa em Agostinho da Silva foi a pedagógica, centrada sempre na formação do «homem interior», de acordo com o entendimento socrático-cristão da vida como «missão» e serviço desinteressado à comunidade. De Agostinho são as palavras: «por muito cuidado que se tenha, educar é podar, deixar crescer com toda a força o ramo que nos agrade».Próximo da metáfora sergiana «do jardineiro», o autor de Sete Cartas a um Jovem Filósofo (1945), em constante procura da verdade, reflecte a influência da Escola Nova e das Pedagogias Libertárias.

Como refere Artur Manso (cf. Agostinho da Silva - Aspectos da sua Vida, Obra e Pensamento, ed. Estratégias Criativas, V.N. de Gaia, 2000,cit.in Das Artes/Letras, Primeiro de Janeiro, 03 de Maio de 2000), “o anarquismo congénito de Agostinho da Silva faz também parte do seu ideário educativo, aliás, como já tinha feito parte do ideário educativo de um dos seus mestres, Leonardo Coimbra (1883-1936), de quem Agostinho da Silva foi aluno, no Porto”. Como Leonardo, Agostinho viu no destino português um sentido de redenção e espiritualização do mundo, num processo de autocrítica de si e do seu lugar na História.

Não é, porém, na epopeia do séc. XVI que o Autor centra a memória da consciência colectiva portuguesa: o que Agostinho da Silva preconiza, na linha, aliás, de Herculano, é o regresso ao modelo medievo, protagonizado por S. Bernardo de Claraval. Neste particular, Agostinho está mais próximo do Antero de Quental das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos (1871) que daqueles que, como Jaime Cortesão, viram o paracletismo nos Descobrimentos.

Admirador do franciscanismo, o Autor corrobora o messianismo de Camões e a noção de pátria como língua, proposta por Pessoa. Assim, considera a Comunidade de língua portuguesa como privilegiada mediadora da unificação fraterna e ecuménica dos homens de boa vontade, numa fase última de plenitude e convergência do divino e do humano, do tempo e da eternidade, designada Idade do Espírito Santo, em manifesto eco da visão de Joaquim de Fiora.

O Império acabou. E agora? (cf. Editorial Notícias, 2000).”O Quinto Império do Vieira quer dizer duas coisas, uma nítida, já houve quatro, chega! E a outra, não nítida, mas provavelmente pensada, não deve haver sexto. O quinto acabou! Este tem que ser fundamental e final. Nada de fazermos um Império que, digamos assim, depois o sexto vai melhorar, não, não há sexto. Você tem que fazer tudo quanto há agora! (...)O único defeito do Quinto Império para mim è chamar-se império.” (p.229), só porque o Quinto assenta no pensar e no proceder.

A meta de Agostinho da Silva era o ponto sem dimensão: o Absoluto. Tê-lo-á atingido? E a saudade do passado por haver e o sonho do futuro por fazer!? ... 

José Fernando Silva, Professor da Escola Secundária do Cerco, Abril de 2001

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