Travejamentos
para o século XXI – 1, de 4 |
Novamente
os Mestres - sim ou não?
Para o mestre,
trata-se de “anunciar a cada um uma verdade particular”, na expectativa de
“uma resposta singular e uma plena realização”. A mestria está para além
da “exposição do saber”: situa-se no esboçar dum horizonte das perguntas
e respostas de cada um. “O mestre, se é verdadeiramente mestre, certifica
pela sua presença que é alguém, impondo ao discípulo o dever de o ser, também,
não à semelhança dele, mas segundo a fidelidade a si mesmo. O professor e o
aluno são, em certos momentos, coniventes com o mestre, fixam-se nele (Gusdorf,
1969).
Uma outra acepção
de mestre tem menos a ver com a construção do carácter do que com a reconstrução
da máscara. Ainda assim, estamos em presença de um perito, quanto mais não
seja em cosmética, evitando que o “produto” se concentre nos pontos que
deve esconder (Michie et al., 1986).
O mestre tem uma
táctica e serve-se de uma técnica. Frequentemente, é parco em palavras. Visa
a “arte sem artifício”, o saber fazer para ser, em que “a pessoa pensa,
embora não pensando” (Susuki, in Herrigel, 1997). É como “pensar com os
dedos”, pensar “com o corpo”. Forma-se uma “memória muscular”
alargada (Turkle, 1989).
A actividade do
mestre não comporta ironia do tipo da que “engendra tensões e conflitos”,
mas, sim, humor, que se exerce, se for caso disso, no rir “com os outros”,
em face, nomeadamente, da “necessidade (que) aguça o engenho” (Cipolla,
1993).
Para o mestre, a
última palavra está no indivíduo: a educação tem um carácter de iniciação,
preparação (Rosset, in Kechikian, 1993). O mestre alveja e é alvo, atinge e
é atingido. O caminho é íngreme, as lições não são ilusões: trata-se de
praticar e de fazer.
Há uma pergunta
com que o mestre se defrontará, tarde ou cedo: “Mas como pode o tiro partir,
se não for ‘eu’ ” a disparar? A resposta mais apropriada é “Algo
dispara, algo acaba de atirar”.
Para o mestre, o
aluno - chamemos-lhe assim - há-de
colocar-se frente ao alvo, sentindo-se obrigado a vê-lo. Isso, porém, não é
suficiente nem decisivo. Em última análise, o que se inicia aprende a
libertar-se do que lhe é adverso - eis o exemplo do mestre (Herrigel, 1997).
A diversidade de
pessoas, de interesses e de projectos dificilmente se compatibiliza com um plano
único de trabalhos mais ou menos didácticos, definidos para um determinado
“nível”.
Torna-se necessário
“vislumbrar outras medidas e explorar outras interpretações” para além
das que, tradicionalmente, assentam no ter ou não jeito, ganhar ou não afeição,
realizando obra, transformando, construindo e reconstruindo produtos. (Legrand,
in Houssaye, 1996).
O saber fazer não
é impessoal nem é, necessariamente, um trabalho solitário. Fazem-se escolhas
e adapta-se, tanto como se inventa. Permanece, contudo, uma margem de
ambiguidade entre operacionalização técnica e “objectivos de socialização
e de formação”.