...Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem...
Carlos Drummond de Andrade, no poema Resíduo
Dia desses caiu-me à mão trecho de um livro cujo autor desconheço, mas cujas palavras aguçaram meu desejo de agradecer a todos os Escosteguy essa oportunidade oferecida com tanta generosidade por um grupo de parentes que trabalhou arduamente para o sucesso do encontro, deliciou-se com as descobertas, os pré-encontros, as expectativas, e, com certeza, saiu mais unido e fortalecido desse bonito trabalho comunitário.
Dizia o trecho do livro:
"Enquanto eu me distraía observando a água cristalina, Krutar dirigia seu trator. 'Eu mesmo não pesco' disse-me ele. Meu contato direto com a pesca é feito através de meu filho, Eric, enquanto ensina meu neto, Paul. Quando o vejo arremessar o anzol, usando o chapéu de meu avô, vejo ali os laços que ligam quatro gerações."
É assim que eu entendo família: um simples olhar das gerações que atingiram a idade da sabedoria é capaz de reconhecer e se orgulhar de todo o encadeamento ancestral ali contido, mesmo que este seja simbolicamente representado por um simples chapéu.
É bonito ver Krutar não se importar de saber menos do que Eric. Ele não aprendeu a pescar, mas proporcionou condições para que seu filho desenvolvesse todas as suas potencialidades. Por isso pode admirar a cena do pescador e nela enxergar seu neto, seu filho e seu pai - o avô de quem Eric herdou um chapéu.
Talvez tenha herdado também o queixo do avô, como sugere Drummond no trecho de seu poema Resíduo.
O fato é que de tudo fica um pouco... e nós podemos fazer com esse pouco um mundo e uma família cada vez melhor, cultivando e compartilhando os sentimentos de paz, harmonia, união. solidariedade. Pertencendo-nos uns aos outros. Sendo um com todos.
Provar esse sentimento de pertencer a uma grande e frondosa árvore, de ter raiz e ser semente que fertiliza a terra e faz crescer e desabrochar novos frutos nos torna mais generosos e compreensivos.
Quantos podem ou querem ter a grandeza de se comprometer com esses sentimentos? Quantos podem ou querem ser capazes de esquecer as desavenças, tolerar as diferenças, lutar por suas idéias e, ainda assim, sorrir para o primo que está aí ao lado, incentivando-o a crescer no caminho que escolher, mesmo que não concorde com a escolha feita?
Esta é a sutil marca deste I Encontro Escosteguy. É o desejo de criar ou restabelecer laços. É a união dos homens de boa vontade que querem aprofundar e perpetuar um vínculo de natureza humana, familiar e afetiva.
O primeiro passo foi dado. A compreensão do gesto dá dimensão ao anseio de fortalecimento vincular e valoriza o sentido de se ter raiz, de ser essência e de pertencer a uma grande e frondosa árvore capaz de se auto-sustentar nos momentos de necessidade.
A sensação que fica é a de que, no futuro próximo, as relações entre os Escosteguy vão fluir suavemente, cheias de alegrias, de trocas. Que todos guardem no peito esse sentimento gostoso de saber-se fruto de várias uniões, de pertencer a um grande tronco familiar, dele nutrir-se e nele compartilhar pedaços de vida, amorosamente.
Lucila Camargo, mãe orgulhosa de quase quatro Escosteguys, com especial agradecimento às eternamente queridas tia Amada Brown e cunhada Isabel Escosteguy 14/11/2001