Ao Diretor de Redação, VEJA SÃO PAULO.
Prezado Senhor.
ESPERANTO SEM TRUQUES
Sou leitor da VEJA e admirador do Walcyr Carrasco.
Mas não posso deixar de comentar um ponto de sua crônica "A chance" (VEJA SP, 10 DE MARÇO, 2004 - pg.114).
O Walcyr menciona uma experiência sua da juventude como vendedor de livros e lamentavelmente passa ao leitor algumas informações equivocadas. Quando diz "Trabalhei em uma editora que usava o truque do esperanto" dá ao leitor a impressão que existe um já conhecido "truque do Esperanto".
Falo Esperanto há 23 anos e nunca vi um "truque do Esperanto". Não é o Esperanto ou o esperantista que não é sério e sim a editora em que o Walcyr trabalhou. Quando eu era menino, fizeram o mesmo na minha escola mas o tema da redação era "O Amor à Pátria". Depois foram vender enciclopédias na minha casa. Daí eu poderia dizer que me aplicaram o truque do "amor à pátria"? O Walcyr usa os verbos no passado: "o esperanto foi tentativa de criação de língua universal (...)"; "(...)gato era kato, gata, katina". Outro equívoco: o Esperanto não era e sim é uma língua transnacional reconhecida e recomendada pela UNESCO e que está hoje em franco desenvolvimento. Basta acessar na Internet um buscador e digitar a palavra ESPERANTO para ver o número de sítios que surgirão: algo em torno de um milhão e quinhentos mil.
Gato não era "kato", ainda é. E gata não era "katina". Nunca foi: gata é "katino", porque feminino se faz com sufixo "-in-" e substantivo termina em "-o".
Finalmente quando o Walcyr diz "(...) embora ninguém pudesse imaginar qual seria a utilidade de tal língua", é porque obviamente os vendedores que trabalhavam na tal editora não haviam sido treinados para dar tais informações. Eu dou: o Esperanto é considerado hoje pela UNESCO, como importante instrumento de defesa das línguas e, conseqüentemente, culturas nacionais, tão arranhadas pelo bombardeio unilateral de culturas de países economicamente fortes. É visto como instrumento vital para a democracia lingüística nas relações internacionais. Questões pujantes nos dias de hoje.
Estou enviando para o Walcyr, um livro chamado "O Desafio das Línguas" - Pontes Editora Ltda. - do escritor suiço Claude Piron que é psicanalista e atuou durante muitos anos como tradutor na ONU. Nesse livro o Walcyr encontrará sólida e bem documentada argumentação sobre tema tão importante já que as nações gastam o equivalente à duas vacinas contra a poliomielite por palavra traduzida na ONU, porque língua nacional alguma conseguiu cumprir plenamente o papel de língua internacional.
Mas o livro é um presente. O Esperanto como movimento mundialmente organizado não usa truques e eu não vendo livros e nem perdi meu amor à pátria por causa de um truque de vendas.
Pedro Cavalheiro
Secretário Especial para Relações Sociais da
Comissão Interamericana da Associação Universal de Esperanto
sr@ameriko.org