BATMAN - A SÉRIE ANIMADA



o início da década de 1990, o setor de animação da Warner Bros procurava uma maneira de reaproveitar personagens cujos direitos autorais já detinha. Sua primeira investida foi a bem-sucedia série infantil Tiny Toons , produzida por Steven Spielberg, reimaginando Pernalonga, Patolino e outras figuras dos Looney Tunes. Embora mantivesse o espírito anárquico e pastelônico do original, Tiny Toons, com arroubos de sofisticação que incluíram até uma paródia de Cidadão Kane, foi instrumental para que a década de 1990 passasse a enxergar novos potenciais para o desenho animado, como linguagem, arte e produto de marketing.

A Warner, contudo, seria ainda mais aclamada em sua próxima empreitada. Inspirada pelo sucesso do longa-metragem Batman, de Tim Burton, e pela continuação que estava prestes a chegar, o estúdio contratou Bruce Timm e Eric Radomski, dois artistas da equipe de Tiny Toons, para levar o Homem-Morcego de volta às telinhas da televisão. Originalmente concebido para o tradicional horário dos cartuns americanos, a manhã de sábado, Batman: A Série Animada foi o primeiro dentre seus pares a ser promovido para o horário nobre, nas noites de domingo. Esta mudança de horário é uma súmula das expectativas e dos resultados que envolveram o projeto. Nunca ouve um seriado infantil tão adulto quanto Barman: A Série Animada.

Quando fãs a elegeram a mais fiel representação de Batman fora dos quadrinhos, talvez tenham sido seduzidos por este paradoxo mais do que por qualquer outro de seus elementos concretos. Tal como nas HQs, a série via-se presa em uma mídia considerada pueril, mas que ambicionava muito mais – uma ambição que quase a impediu de ir ao ar. Hoje, os fãs podem conceder o mesmo título a Batman Begins, mas não é exagero dizer que, se Batman “começa” no filme de Christopher Nolan, ele “continua” no box de DVDs com a primeira temporada desta animação.

Ambos compartilham do mesmo caldo primordial. Tanto mais admirável que o projeto de Timm e Radomski, premiado pelo Emmy, tenha sido concebido mais de uma década antes do novo longa-metragem (e continua gerando subprodutos até hoje: seu estilo de animação estilizado, com roteiros calcados em grandes tramas dos gibis, pavimentou o caminho para a série idêntica do Super-Homem, em 1997, de um Batman do futuro, em 1999, da Liga da Justiça, em 2001, e dos Jovens Titãs, em 2003). Quando a franquia dos filmes havia se perdido com Batman & Robin, a animação continuava apontando a direção correta, utilizando o mesmíssimo vilão Sr. Gelo no lançamento direto para vídeo Batman & Mr. Freeze: Subzero . Quem conferir o box de DVDs da primeira temporada do seriado, portanto, não vai se admirar quando descobrir que no último episódio está a inspiração, cena a cena, para a gênese do vilão Espantalho que Chris Nolan e o roteirista David Goyer escolheram utilizar em Batman Begins.

Vai se admirar, porém, com todo o restante dos 28 capítulos. O trabalho de idealização em Batman: A Série Animada é magnífico. Fãs gostam de pensar que a melhor referência para o personagem está em O Cavaleiro das Trevas ou em Ano Um . Embora sejam tributários às obras de Miller, Timm e Radomski foram muito mais longe. No roteiro, adaptaram pérolas de Neal Adams e Denny O'Neill. Também tiveram novas idéias que, de tão populares, trilharam o caminho inverso e foram incorporadas aos quadrinhos, como a policial Renée Montoya, a parceira do Coringa, Arlequina, e a nova origem do Sr. Gelo. Da equipe de criação de Batman: A Série Animada saiu também Paul Dini, que estabeleceu uma frutífera parceria com o artista Alex Ross nos álbuns especiais da DC Comics (e que hoje é escritor e editor da série Lost ).

Na ambientação, Timm e Radomski buscaram a mesma ficção pulp que inspirara Bob Kane a criar Batman na década de 30. O que temos na tela é uma Gotham City sombria e decadente mas visualmente sedutora – por fora, os prédios exibem uma graciosa arquitetura em art déco; por dentro, suas salas são inundadas de luz laminada pelas persianas, como nos melhores filmes noir daquela época. E, como tal, o Coringa pode antagonizar em quatro episódios, e o Espantalho, surpreendentemente em três, mas os verdadeiros vilões, em seis capítulos, são os gangsteres anônimos que povoam o submundo da cidade. São eles, sobretudo, que permitem que a série exiba sua maturidade também nos temas.

Ao buscar o realismo de um “minifilme”, Timm e Radomski contam que não poderiam fazer concessões à rígida norma que a Warner (e a maioria dos outros estúdios) impunha a um desenho “para crianças”. Tiveram de bater o pé para que as metralhadoras de seus mafiosos realmente cuspissem balas. Não queriam a solução de Comandos em Ação, uma suposta animação de guerra em que as armas emitiam “raios laser azuis e vermelhos”. Mas, mais do que por verdadeiros tiros, seus criminosos eram alvejados por assuntos sérios, raramente direcionados às crianças. Menores abandonados estão em “Underdwellers” e moradores de cortiço, em “Appointment in Crime Alley”. No episódio “The Forgotten”, o título pode parecer um trocadilho com a amnésia de Bruce Wayne, mas remete aos moradores de rua que são vendidos como escravo sem que ninguém dê por sua falta. Em “Never Too Late”, um poderoso gângster se redime depois de ver o próprio filho agonizando em abstinência das drogas que ele mesmo colocava nas ruas.

Batman: A Série Animada , porém, atinge o ápice de sua habilidade narrativa com o capítulo 18, “Beware the Grey Ghost”, no qual Bruce Wayne une forças com o astro decadente de seu seriado favorito na infância e inspirador da mítica do Batman, o Fantasma Cinzento. Em exíguos 22 minutos, o roteiro sobrepõe camada por camada de referências especulares, encimadas genialmente pela escalação de Adam West como dublador do novo personagem, ele mesmo um astro decadente de um seriado antigo – não outro que não aquele mesmo Batman dos “soc!”, “pow!” e “bam!”.

Se a sua percepção audiovisual de Batman ainda passa por aquele show da década de 60, não se preocupe. Batman: A Série Animada ainda conta com grandes momentos de ação e coloridos vilões, como Hera Venenosa, Pingüim, Chapeleiro Louco, Sr. Gelo, e, em episódios duplos, Cara de Barro, Mulher-Gato e o Duas Caras (também um ponto altíssimo da temporada). Todos com grandes dubladores (Mark Hamill, o Luke Skywalker de Star Wars, detona como o Coringa). O mordomo Alfred está lá, o comissário Gordon está lá e, contrariando a resolução inicial dos criadores, até mesmo o Robin está lá, em três episódios. Só não espere encontrar o humor involuntário e o look luminoso: o Batman de Timm e Radomski é tão sombrio, mas tão sombrio que, pela primeira vez, e para desespero da Warner, foi utilizado um fundo totalmente preto, ao invés de branco, sobre o qual os desenhistas acrescentavam cenário e personagens.

O mais interessante dentre os materiais de bônus é uma preview que Timm e Radomski utilizaram para exibir suas idéias originais aos executivos da Warner. Sem som algum, a cena, de cerca de 105 segundos, mostra Batman contendo dois ladrões de jóias. Ela foi posteriormente refeita e utilizada como a abertura do programa. E, a despeito das reclamações vindas de cima, a dupla de produtores a manteve sem o título do show, que jamais aparece. Consideravam-no redundante. “Todos, nos EUA, na França ou no Japão, vão ser capazes de reconhecer que isto aqui é o Batman”, alegava Timm. E, com Batman Begins ou não, eles continuam tendo plena razão até hoje.


FOTOS DA SÉRIE
Clique nas imagens para vê-las no tamanho real.

Batman Coringa Comissário Gordon


Fonte Rabisco