O Crime contra a Democracia
  
* Estilac Xavier

 

Existem momentos em que as palavras são insuficientes para traduzir nossa indignação e horror com os acontecimentos da realidade. São estes os sentimentos que se apoderam de nós frente ao hediondo assassinato de Celso Daniel, que exercia o cargo de prefeito da cidade de Santo André (SP) pela terceira vez.  Conhecia o companheiro Celso das reuniões do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores. Escolhido por unanimidade para ser o Coordenador Nacional do Programa do PT, era uma pessoa tranqüila e amável, cuja capacitação técnica e política era inquestionável.

Entre o assassinato do prefeito de Santo André e o do prefeito de Campinas, Antonio da Costa Santos (Toninho do PT), há um espaço de apenas quatro meses! Neste ínterim, outros dois prefeitos petistas, do interior de São Paulo, foram vítimas de atentados que, felizmente, não lograram êxito, mas continuam sem os esclarecimentos das autoridades responsáveis. O Partido dos Trabalhadores, nos três últimos anos, contabilizou dezenas de atentados contra membros seus, sendo que 15 militantes foram mortos. A escalada da violência, com estas características, assume uma dimensão política. É bem provável que estejamos assistindo a mais uma ação do crime organizado que contamina as instituições políticas e jurídicas do país. O assunto não é uma questão de interesse específico da área de segurança, mas, também, de ordem política. Diz respeito às instituições nacionais e à própria possibilidade de darmos vigor substantivo à democracia no Brasil. 

A quem serve esta permanente sensação de insegurança, de medo e de terror? Àqueles que conspiram contra a consolidação dos processos democráticos e as inevitáveis mudanças que deles advêm, notadamente, as que dizem respeito à distribuição do poder e da riqueza em quaisquer níveis. Por trás dos assassinos, numa sociedade excludente como a nossa, existem - direta ou indiretamente - os beneficiados, que se manifestam com violência cada vez que estão em jogo os seus domínios.

É importante que não banalizemos mais esta morte, incluído-a numa mera constatação estatística. Muitas são as vítimas da violência: pobres ou ricos, brancos ou negros, homens ou mulheres, crianças ou adultos. Mas a violência praticada pelo crime organizado é, ao mesmo tempo, contra todas as pessoas e instituições. Ela ameaça a paz nacional e a construção da democracia, produz uma generalizada - e errada - noção de que não há saída pelos meios civilizados e dentro das regras. Este espectro violento pode aumentar quando, por exemplo, aqui, no nosso Estado, a oposição vitupera com a hostilidade das palavras e mobiliza passionalmente - em defesa dos seus pontos de vista - através da pregação do ódio ao PT e aos seus governos.

Esta atmosfera favorece, subjetivamente, que os ensandecidos se sintam autorizados a práticas violentas. A conduta da oposição, neste sentido, é um desserviço à democracia pelo estímulo da raiva, pela intolerância, pela negatividade sem conteúdo e de pregação fascista.  O PT fez uma opção voluntária e consciente de luta por transformações econômicas, políticas e sociais no país, respeitando os ditames da Constituição, a democracia e a pluralidade. Não serão ações torpes e criminosas, como a que estamos presenciando, que desviarão o PT do seu propósito. Não permitiremos, junto com todos os democratas deste país, a criminalização da política - como acontece na Colômbia e em outros países - e tampouco aceitaremos que as práticas condenáveis dos sertões assumam o território nacional.

Um documento assinado pela auto-denominada Frente da Ação Revolucionária Brasileira (Farb) assumiu a morte do prefeito Toninho e fez ameaças a vereadores e a todos os prefeitos petistas de São Paulo, sem que, até agora, os governos estadual paulista e federal apontassem um responsável por esta ameaça covarde.

No momento em que escrevo este texto, fui informado que o prefeito de Guarulhos (SP), Elói Pietá (PT), está sendo ameaçado como a próxima vítima das execuções. É preciso dar um basta! Devemos exigir imediatas providências das autoridades nacionais a fim de apontar os responsáveis, prendê-los e julgá-los de acordo com as leis brasileiras. Exigimos justiça! Pelo fim da impunidade! Pela Paz e pela Democracia!

 Porto Alegre, 23 de janeiro de 2002

* Engenheiro e vereador Líder da Bancada do PT e do Governo na Câmara Municipal de Porto Alegre. Foi Secretário Municipal de Obras e Viação de Porto Alegre de 1993 a 2000.