Terceirizar, sim. Mas até que ponto?

 

O outsourcing é uma ferramenta para cortar custos e facilitar a rápida implantação das novas operações. Mas algumas operadoras não abrem mão de controlar todo o processo.     

Atreladas a metas rigorosas estabelecidas pelos contratos de concessão, que prevêem a elevação da atual base instalada de aproximadamente 20 milhões de terminais telefônicos para 40 milhões em 2003, as operadoras terão que se preparar rapidamente para atender a enxurrada de ligações dos clientes e de parceiros de negócios, que ocorrerá em menos de um ano. Call centers eficientes e poderosos, sistemas de billing capazes de fazer a tarifação com precisão e gerenciar os clientes, além de um bom serviço de telemarketing são armas imprescindíveis no ambiente competitivo.

Os prestadores de serviços terceirizados acreditam que prazos apertados para cumprir metas e necessidade de reduzir custos e de se concentrarem no "core business" levarão muitas operadoras a buscar parceiros externos. Atendimento ao cliente, billing, informática e manutenção de software e equipamentos, entre outros, são os principais alvos do outsourcing. Otimistas, os prestadores de serviços esperam um boom no setor.

Não há levantamentos precisos sobre quanto representam os negócios de terceirização em telecomunicações. Os empresários arriscam falar em cifras que oscilam entre R$ 200 milhões e R$ 1 bilhão.

Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Telemarketing (ABT) no final de 1997, junto a 1,3 mil empresas de vários setores em todo o País, indica que de 3% a 3,5% do PIB foram movimentados por telemarketing, o que representa de US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões, diz o presidente da entidade, Pedro Renato Eckersdorff. De acordo com seus cálculos, o índice ainda é pequeno se comparado ao dos Estados Unidos, onde atinge entre 8% e 10%.

Líder na área de telemarketing e de centrais de atendimento no Brasil, com faturamento de US$ 34 milhões por ano, a Quatro/A está pronta para receber a nova demanda de outsourcing. Em sua carteira já estão relacionados clientes como Telesp fixa, Telerj fixa, Telebrasília e Motorola.

A Quatro/A é responsável pela gestão de um terço da central de informações auxílio à lista 102 da operadora paulista. Para isto, mantém uma equipe de 278 funcionários nas instalações da Telesp. Esse call center atende 3,3 milhões de chamadas por mês e até 130 mil por dia. "Nossas pesquisas mostram que o índice de satisfação do cliente é de 97%", garante o presidente da Quatro/A, Alexandre Accioly. A Telesp administra paralelamente outra central.

A Quatro/A opera para a Telerj a central de consertos 103, que recebe 30 mil chamadas/dia. Com exceção das linhas telefônicas e do espaço físico, que pertencem à operadora carioca, toda a estrutura de atendimento, tecnologia, gestão e funcionários são terceirizados.

Para a Telebrasília, vende produtos suplementares de telefonia fixa e celular, além de ser responsável pela central de apoio, para reclamações e assistência técnica. Neste caso, a terceirização envolve funcionários, estrutura e gestão, com média de 10 mil chamadas/mês.

Quanto às centrais de atendimento dos produtos Motorola Beeper e Rádio Varejo, a Quatro/A responde pela contratação e treinamento dos funcionários, disponibilização de infra-estrutura e tecnologia e pela gestão dos call centers. São cinco posições de atendimento para a central Beeper, que recebe de 500 a 700 chamadas/dia, e duas posições na Rádio Varejo, com 600 a 800 ligações/mês.

Accioly ainda não está satisfeito e quer mais. O plano de negócios que fez há dois anos e meio para cinco anos caducou com a venda da Telebrás, exigindo novo planejamento. "Muda tudo na nossa estratégia", explica o executivo. Antes, as prestadoras de serviço atendiam um monopólio, que não se preocupava muito com o cliente. Com a competição, as operadoras precisam fechar o foco no consumidor, e o serviço de atendimento é a porta de entrada. Além disto, terão de concorrer com empresas acostumadas à disputa de mercado e terão que estar bem preparadas.

Agora, as redes evoluem de linhas analógicas para digitais. Muda a tecnologia, a velocidade, tudo, enfim. Para montar uma central de atendimento, os investimentos são elevados, não apenas em equipamentos e sistemas, mas também em pessoal, treinamento e programas de qualidade. A Quatro/A havia destinado US$ 12 milhões para aplicar nesses itens durante todo o ano. No mês passado, entretanto, os recursos já haviam sido esgotados.

O exemplo do setor financeiro

O call center tornou-se vedete do mercado brasileiro no final da década passada, quando o setor financeiro descobriu que seria uma excelente ferramenta para reduzir filas nas agências bancárias, melhorar a imagem das instituições, aumentar a base de clientes, mantendo o mesmo número de agências, e reduzir custos. Com a mudança do cenário macroeconômico na metade da atual década, os bancos tiveram perda de receita e começaram a sentir o peso do call center interno. Assim, passaram a olhar o outsourcing com carinho.

"A privatização das telecomunicações é uma parte dessa cadeia", compara Elias Rogério da Silva, diretor da unidade de negócios call center da CPM, empresa cujo capital é dividido igualmente entre o Bradesco e o fundador Arnaldo Albuquerque. Na opinião de Silva, as operadoras têm que se concentrar no negócio principal, deixando outros serviços para quem é especializado no assunto.

O diretor da CPM afirma que uma ampla pesquisa realizada pela empresa descobriu que as principais preocupações dos executivos são: retenção e fidelização dos clientes; alavancagem de vendas; e maior participação de mercado.

"Temos ferramentas que podem responder a essas necessidades", garante Silva. O executivo explica que enquanto um call center com um telemarketing ativo pode falar com cem pessoas por telefone, um vendedor consegue visitar apenas 20, no mesmo período.

Só com terceirização de call center, a CPM faturou US$ 41 milhões, em 1997, de um total de US$ 276 milhões da empresa, e projeta US$ 50 milhões para este ano, com crescimento de quase 22%. As operadoras de telecomunicações estão na mira da empresa, que vem fazendo sucessivos contatos nesse sentido.

Nem todos, entretanto, têm a mesma confiança que o diretor da CPM espera de um prestador de serviços terceirizados. "É possível confiar no parceiro, sim, mas na competição há informações que são livres e outras mais restritas", afirma Manoel de Deus Alves, presidente da Tele Nordeste Celular, que engloba Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. "Hoje, o concorrente terá vantagem se conhecer nossos planos de atuação."

A Tele Nordeste Celular, controlada pelo grupo União Globopar Bradesco e Telecom Itália, vai terceirizar, mas os serviços só serão definidos no estudo que deverá ficar pronto em novembro. A Telecom Itália está fazendo levantamento da situação de cada uma das empresas da região, e as decisões serão aplicadas igualmente a todas.

Pessoalmente, Alves acredita que só deveriam ser terceirizadas a manutenção na telefonia fixa e o treinamento, ou seja, o que não tem reflexo direto para o cliente. Em seu modo de ver, o call center e o billing estão muito ligados ao "core business".

Espelho, espelho meu...

Os atendentes da BellSouth Mobility em Atlanta, nos EUA, poderiam se perguntar: "Espelho, espelho meu, existe alguém mais sorridente do que eu?" No call center da operadora, os atendentes sentam-se em frente ao espelho, em suas posições de trabalho, para ver qual a expressão que refletem ao falar com o cliente. O mau humor nunca deve ser transmitido ao consumidor.

No Brasil, embora sem espelho, a filosofia da empresa é a mesma em relação à sua controlada, BCP Telecomunicações. E por ter todo esse cuidado, a operadora da banda B na região metropolitana de São Paulo e parte do Nordeste prefere manter o call center interno.

A estratégia da BCP é terceirizar tudo o que é temporário, como, por exemplo, a implantação de um sistema, mas manter interno o que representa uma atividade contínua. "Não importa se o serviço faz parte do "core business", e sim se é permanente", explica a porta-voz da empresa Bel Carvalho. Billing system de atendimento e telemarketing nunca serão terceirizados, assegura a porta-voz.

Com cerca de 500 mil clientes na rede em São Paulo, e uma fila de 2 milhões de pessoas (a demanda real é estimada em 60% deste total), que pode ser atendida ainda neste ano, a BCP quer que seus executivos entendam a importância do call center. Por isto, fez um plano para que seus diretores e gerentes atendam o cliente de uma a duas horas por mês.

Fila no Nordeste

Os novos donos da Tele Norte-Leste (Telemar), liderados pelo grupo Andrade Gutierrez, também estão finalizando estudos junto às 16 operadoras que fazem parte da concessão. Só depois serão elaborados os projetos. Como as operadoras tinham administradores diferentes antes da privatização, cada uma seguia uma estratégia. Após o agrupamento sob uma única holding, todas deverão seguir uma política geral de recursos humanos. Enquanto isto não acontece, observam níveis diferenciados de terceirização por empresa.

"Há locais que terceirizavam por cadeia produtiva, enquanto outros entregavam o serviço inteiro, de A a Z, a parceiros", explica Haroldo Wangler Cruzeiro, que preside o núcleo que vai do Ceará a Roraima. Segundo Cruzeiro, a estratégia agora será outra: "Teremos o controle da empresa. Deverá ser um sistema misto, com funcionários da Telemar e terceirizados."

Os contratos estão sendo renovados a "custos significativamente menores do que os anteriores." Os primeiros já renovados foram os de instalação de telefones e manutenção de redes.

Com o outsourcing misto, Cruzeiro espera que seja possível melhorar a rede e reduzir a quantidade de defeitos. Há 1,5 milhão de terminais instalados nesse núcleo e demanda reprimida de 400 mil interessados em todos os Estados. No Amazonas, a fila é do mesmo tamanho da base instalada: 176 mil terminais. "Podemos crescer rápido no Amazonas", garante o presidente do núcleo, que espera atender a demanda total até o fim de 1999.

A região da Telemar que vai da Bahia ao Rio Grande do Norte, conhecida como Núcleo Leste, terá, até dezembro, mais de 2 milhões de terminais instalados. A fila de 1,6 milhão de pessoas é desanimadora para quem está à espera de um telefone fixo, mas vista como um bom negócio para Sizuo Arakawa, que está no comando do núcleo e acumula o cargo de presidente da Telebahia. "Todos serão atendidos até o ano 2000", afirma o executivo.

Desconfiado com tantas perguntas e com receio de favorecer os rivais que virão possivelmente em dezembro na forma de espelho, Arakawa admite que sempre que a terceirização representar um custo menor, ela será adotada. Na Telebahia, o auxílio à lista já é terceirizado há muito tempo para duas empresas locais (Trilha e Lebre), e a manutenção de linhas e aparelhos também é feita por parceiros externos. Billing e customer care (atendimento total ao cliente) ainda serão analisados. Mas Wangler adiantou que o billing será interno.            

Há divergências sobre estratégias    

As empresas que estão iniciando as operações a partir do zero divergem sobre a estratégia de outsourcing. Custos e informações confidenciais norteiam as decisões de cada uma. As operadoras da banda B (Tess, no interior de São Paulo, e Algar Telecom Leste - ATL -, do Rio de Janeiro e Espírito Santo) e a empresa de telefonia via satélite Globalstar, tomaram rumos diferentes. A Tess e a ATL lançam o serviço em dezembro, e a Globalstar, no segundo trimestre de 1999.

"A princípio, não haverá terceirização de nada. Estamos montando a empresa e no começo será tudo interno", afirma o diretor de talentos humanos e qualidade da ATL, Jorge Fornari Gomes. "É um momento de definição de processos e de modelo de operação, e preciso ter gente de casa." A decisão vale também para o call center, que a operadora poderia contratar da CTBC Telecom, outra empresa do grupo, que lançou o serviço para o mercado. "Talvez terceirizemos no futuro, após termos padrões bem definidos", sugere Gomes.

A Tess optou pela concentração no core business. A implantação da rede ficou com a Ericsson. O call center será interno, mas possivelmente uma parceira atenderá o transbordo em viva voz. O call center interno já está em treinamento e passará das atuais 110 posições para mais de 170 em dezembro. "O transbordo será para campanhas de vendas", explica o diretor de marketing e vendas da Tess, Vanderlei Rigatieri. Vendas e marketing também serão internos, por meio de distribuidores (já foram assinados contratos com as multinacionais Cell Star e Bright Point) e canais de vendas. O sistema de billing está sendo implantado na operadora pela alemã LHS.

"Os demais serviços, como impressão de conta telefônica, estão abertos à terceirização", diz Rigatieri.

O gerenciamento da infra-estrutura de sistemas foi entregue, por enquanto, à Hewlett-Packard.

Todo o controle das fases de implantação está sob responsabilidade da Price Waterhouse, que monitora o cronograma dos serviços (billing, call center, estações radiobase, lojas etc.). A qualquer sinal de atraso, a parceira analisa os impactos possíveis e informa a Tess.

Para decidir o que terceirizar, a direção da Tess levou em consideração a filosofia da empresa e o tempo para montar a operação. "Corremos contra o tempo, e o custo é importante," afirma Rigatieri, ao lembrar que em alguns casos, como informática e call center, nem se preocuparam com o custo, por julgar importante para o negócio mantê-los internamente.


Flexibilização via satélite

A Globalstar terá estratégias diferentes para cada país. "Cada um se acomodou ao que melhor poderia conseguir em seu mercado", justifica o diretor de vendas e marketing da empresa no Brasil, Ricardo de Albuquerque Mayer. A terceirização foi considerada o melhor caminho para a operação no Brasil. "Quem não tiver melhores custos, se não terceirizar, não sobrevive", opina Mayer.

A informática será interna porque é considerada crítica para a telefonia, especialmente no controle de dados sobre o sistema, porém a manutenção de equipamentos ficará com parceiros externos.

O billing e o serviço de atendimento ao cliente serão terceirizados apenas parcialmente, porque a Globalstar quer manter o controle dos sistemas com seus funcionários. A provável parceira será a debis humaitá IT Latin America, do grupo Daimler-Benz, sócio da Globalstar no projeto de comunicação global, diz Mayer. A operadora também negocia com outras empresas o serviço de telemarketing e a distribuição.

A debis systemhaus, da Alemanha, à qual está vinculada a debis humaitá, tem uma rede mundial privada, a Global Area Network (GAN), que atinge todos os continentes e passa pelo Brasil. A velocidade da rede, tipo frame relay, é de 64 kbps a 1,4 Mbps.

Aqui, o maior cliente é a Mercedes-Benz, mas na área de telecomunicações a empresa ainda tem muito a conquistar. Com faturamento de US$ 2 bilhões por ano, a empresa alemã é forte na telefonia européia, e quer ganhar espaço também no Brasil. Em 1997, a Humaitá, antes da aliança com a debis, faturou R$ 59 milhões. Para este ano, a expectativa é de atingir R$ 80 milhões.

O diretor de tecnologia da informação da debis humaitá, João de Matos Fernandes, afirma que os reflexos da parceria serão sentidos mais fortemente em 1999, quando a reestruturação das duas empresas estará consolidada e a receita dará um grande salto.

[1] Fonte de pesquisa: Jornal Folha de São Paulo; adaptado por Maurício Kuehne Jr.


Clique na figura a baixo para enviar essa página a alguém