O varejo virtual emperra na logística

A despeito das enormes controvérsias sobre o futuro da Internet, e mais especificamente do e-commerce, parece existir pelo menos um ponto sobre o qual quase todos concordam: o processo de atendimento dos pedidos e entrega dos produtos, ou seja, a logística de distribuição, é um dos principais gargalos do comércio eletrônico. Freqüentemente nos deparamos na imprensa com relatos de experiências negativas vividas por consumidores em suas experiências de compras pela Internet: atrasos na entrega, cancelamentos por falta de produtos, substituições, produtos defeituosos, erros de cobrança, dificuldades para efetuar devoluções, impossibilidade de completar o pedido, são alguns dos problemas potenciais que podem gerar uma experiência negativa de compras pela Internet. Alguns destes problemas são mais visíveis e freqüentes do que outros, mas no seu conjunto, todos contribuem para gerar frustrações e atrasar o desenvolvimento do varejo virtual.

Apesar da importância do problema, e do relato constante de casos de insatisfação, ainda são muito poucas as pesquisas estruturadas que procuram identificar o desempenho logístico do e-commerce assim como as principais causas para este desempenho. O grande esforço que tem sido feito pelas empresas de varejo virtual para aperfeiçoar seus sistemas logísticos, e oferecer um serviço confiável e de qualidade a seus clientes, só terá resultado a partir da identificação dos problemas e de suas causas. A logística do varejo virtual possui características únicas que a tornam incompatível com a logística tradicional, exigindo portanto um esforço de aprendizagem para todos os envolvidos neste tipo de atividade; fornecedores, transportadoras, operadores logísticos, e obviamente as empresas de varejo virtual. O objetivo deste trabalho é contribuir para o aperfeiçoamento da logística do e-commerce no Brasil, através da identificação dos principais problemas e suas causas. Para atingir este objetivo o Centro de Estudos em Logística do Coppead - UFRJ conduziu uma pesquisa, durante os meses de abril e maio de 2000, junto a três das mais conhecidas empresas de varejo virtual no Brasil.

Fundamentos conceituais e metodologia da pesquisa

Dois conceitos básicos foram utilizados para orientar a condução da pesquisa; serviço ao cliente e ciclo do pedido. Segundo o conceito de serviço ao cliente, a qualidade do serviço percebida resulta da comparação entre as expectativas do cliente e o desempenho do fornecedor do serviço, em um conjunto de dimensões que incluem a facilidade de completar a transação, a disponibilidade de produtos, o prazo de entrega, a consistência do prazo, o sistema de informações de apoio, o sistema de remediação de falhas, o desempenho na entrega física e a flexibilidade. O desempenho do fornecedor é o resultado de um conjunto de atividades desenvolvidas durante o ciclo do pedido, ou seja, do processo que se inicia no momento em que o cliente começa a preparar o seu pedido, e se encerra no momento em que, finalmente, toma posse das mercadorias compradas e considera a transação satisfatoriamente concluída.

A fim de conduzir o estudo, pesquisadores do Centro de Estudos em Logística - CEL realizaram pedidos de CD's de Música Popular Brasileira, através dos sites das empresas escolhidas, indicando para local de entrega diferentes endereços de cidades localizadas em todas as cinco regiões geográficas do Brasil, ou seja, Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro Oeste, incluindo capitais e cidades do interior. Ao todo, foram selecionados 30 voluntários, cada um residente em uma cidade diferente, que se prontificaram a receber em suas residências 3 CD's - um de cada empresa avaliada - e responder sobre datas e condições de entrega dos produtos. Duas formas de pagamento foram utilizadas: cartão de crédito e boleto bancário. Paralelamente às informações fornecidas pelos voluntários, os pesquisadores do CEL fizeram um monitoramento contínuo de cada um dos pedidos, através de informações obtidas junto aos sites com o objetivo de examinar o desempenho dos fornecedores nas diversas etapas do ciclo do pedido, à luz das dimensões do serviço ao cliente. O objetivo era testar o sistema de compras pela Internet na perspectiva do consumidor, de forma que a experiência de compra pudesse ser retratada do ponto de vista de quem está comprando. É bom lembrar que ao cliente insatisfeito resta sempre a alternativa de buscar um outro fornecedor virtual, ou voltar a comprar no varejo tradicional, que é seu principal ponto de referência, e com o qual irá comparar sua experiência de compra no mundo virtual.

Segundo a amostra original, ao todo seriam comprados 90 CDs. A amostra prevista, entretanto, sofreu algumas reduções devido a desistência de participantes da pesquisa e por problemas na realização da transação financeira. Neste último caso, foram 3 pedidos não realizados por problemas na liberação de crédito e 3 pedidos cujos boletos não foram pagos porque não foi possível identificar, em tempo hábil, os códigos dos pedidos a que se referiam. A amostra final passou a contar com 71 pedidos pagos e monitorados através de verificação de status e contatos com os voluntários nos endereços de entrega.

1 - Os boletos bancários de uma das empresas avaliadas são enviados para o endereço de cobrança cadastrado durante a compra. O número do pedido não vem identificado nos boletos, o que dificultou o controle dos pagamentos das compras realizadas. Solicitou-se a correspondência do número do boleto bancário com o número do pedido, entretanto, essa informação apenas foi respondida após o encerramento do prazo estabelecido para colocação dos pedidos.

Resultados da pesquisa

O resultado destas deficiências se reflete no tempo e na consistência dos prazos de entrega. A figura 1 a seguir apresenta o histograma da distribuição dos tempos de ciclo - lead time - relativo aos 69 pedidos pagos e entregues, excluindo o tempo gasto para pagamento do boleto bancário. É bom lembrar que 3 pedidos nunca foram entregues, e que 6 pedidos não foram completados por dificuldades na transação financeira.



Figura 1 Histograma da Distribuição do Tempo de Ciclo do Pedido
(excluindo o tempo para pagamento do boleto)



O exame da figura 1 chama atenção pela enorme dispersão verificada nos prazos de entrega, que variaram de 1 a 50 dias. Se examinado unicamente pela mediana, cujo valor foi de 6 dias, o resultado poderia, num primeiro momento, ser considerado satisfatório dada a promessa de entrega em 7 dias. Mesmo se fosse escolhida a média como padrão, a qual alcançou um valor de 8,91 dias, poderia ser dito que o resultado estaria adequado, pois os tempos prometidos chegam até 25 dias, dependendo da região e do produto escolhido. Mas se examinado pela ótica mais rigorosa do consumidor, esta seria uma avaliação equivocada. Uma mediana de 6 dias significa que metade dos consumidores demorariam mais do que 6 dias para receber a mercadoria. No caso de considerar a média como padrão de desempenho neste caso específico, estaríamos admitindo que cerca de 30% dos consumidores iriam receber a mercadoria num prazo superior a 8,91 dias. O correto nestas situações seria trabalhar com algum percentil, ao invés da média ou mediana. Por exemplo, poderiamos utilizar o percentil 90% ou 95% como padrão de entrega, o que no caso significaria, que 90% dos clientes teriam a garantia de receber a mercadoria em até 17 dias, ou que 95% teriam a garantia de receber a mercadoria em até 33 dias, o que convenhamos, é um prazo extremamente longo para quem está comprando um CD de música popular brasileira.

Este padrão de desempenho errático não parece ser privilégio de um site específico. Na verdade ao examinar o desempenho de cada site isoladamente se verifica o mesmo padrão de dispersão. No caso da empresa 1, os prazos de entrega variaram entre 1 e 50 dias, na empresa 2 entre 2 e 42 dias, e na empresa 3, entre 3 e 18 dias. É bom lembrar que no caso da empresa 3, dois dos pedidos pagos jamais foram entregues no endereço indicado.

Mas alguns poderiam argumentar que esta grande dispersão se justifica devido às grandes diferenças de distancia e infra-estrutura entre os locais para os quais foram enviadas as mercadorias. Afinal uma entrega em São Luiz dos Montes Belos, no interior de Goiás seria muito mais problemática do que uma entrega em Belo Horizonte. Que chegar a Rio Branco, no Norte do país, é mais complexo do que chegar a Brasília, capital da República, principalmente se considerarmos que todas as três lojas virtuais pesquisadas se localizam na região Sudeste do país. De fato, uma das hipóteses iniciais da pesquisa, que inclusive funcionou como um dos motivadores para sua realização, era de que os consumidores em regiões mais distantes e menos desenvolvidas, aqueles que mais teriam a lucrar com o e-commerce, seriam os mais afetados pelos problemas da entrega, enfrentando prazos dilatados. Os resultados da pesquisa revelaram que esta era uma hipótese totalmente equivocada. Na verdade, os dados indicam que os longos prazos de entrega não estão em nada relacionados com as regiões mais distantes, ou as localidades menos conhecidas. Um exame dos seis piores e dos seis melhores casos de desempenho no prazo de entrega mostram que todas as cinco regiões pesquisadas aparecem em ambas as situações, conforme pode ser constatado pela tabela 2.

Cidade

Estado

Região

Prazo

Cidade

Estado

Região

Prazo

Londrina

Paraná

Sul

1 dia

Itabuna

Bahia

Nordeste

50 dias

Goiânia

Goiás

C. Oeste

2 dias

Colombo

Paraná

Sul

46 dias

B. Horizonte

M. Gerais

Sudeste

2 dias

Brasília

D. Fed.

C. Oeste

42 dias

S. Paulo

S. Paulo

Sudeste

2 dias

Barbacena

M. Gerais

Sudeste

28 dias

Rio Branco

Acre

Norte

3 dias

B. Horizonte

M. Gerais

Sudeste

22 dias

Maceió

Alagoas

Nordeste

3 dias

Manaus

Amazonas

Norte

18 dias

Tabela 2 Melhores e Piores Desempenhos no Prazo de Entrega


Embora os longos tempos de entrega, e principalmente a sua grande variabilidade sejam os problemas mais marcantes do desempenho logístico das empresas analisadas, uma série de outras falhas também ocorreram no serviço aos clientes. Destacam-se entre elas os erros nos sistemas de informação e cobranças (7% dos casos), avarias nos produtos (3% dos casos), entrega no endereço errado (3% dos casos), e indisponibilidade do produto vendido (1% dos casos)

Conclusões

A opinião generalizada de que a logística representa uma das principais barreiras ao desenvolvimento do comércio eletrônico, e mais especificamente do varejo virtual, foi plenamente confirmada por esta pesquisa. Ao examinar o processo do ciclo do pedido, e o desempenho dos sites em termos de serviço ao cliente, uma série de falhas ficaram evidentes. Como resultado, o serviço ao cliente, medido pelos tempos de entrega e sua consistência, ficaram bastante comprometidos.

A existência deste problema já havia sido detectada, em função dos contínuos relatos da grande imprensa nacional. Sob esta ótica, os resultados obtidos não trazem grandes novidades. A surpresa foi verificar que as verdadeiras causas dos problemas não são aquelas naturalmente supostas. Imagina-se, em geral, que resida na tarefa de entrega do produto ao consumidor final, a maior dificuldade do varejo virtual. Afinal de contas, a entrega de porta em porta, em todo o território nacional, de um grande número de pedidos, é um senhor desafio. No entanto, a pesquisa mostrou claramente que, pelo menos no caso de entregas de CDs, este não é um problema, pelo menos até o momento. E a razão para isto é a existência dos Correios, que com sua enorme rede operacional é capaz, por exemplo, de fazer uma entrega em Londrina, no Paraná em 24 horas após a transmissão do pedido, ou em São Luiz do Maranhão e Goiania, em Goiás, em 48 horas, ou até mesmo São Luiz de Montes Belos, em Goias, e Rio Branco, no Acre, no prazo de 72 horas. Na verdade, ao comparar o desempenho dos Correios com os operadores logísticos, que também participaram do processo de entregas, fica evidente que seu desempenho foi superior. Embora tenha entregue 75% de todos os pedidos, os Correios foram responsáveis por 90% das 12 entregas com melhor desempenho, e de apenas 50% das 12 entregas com pior desempenho. Fica portanto clara a sua superioridade em termos de prazos de entrega.

Estes dados são uma prova definitiva de que é possível entregar num prazo absolutamente aceitável, desde que todas as fases anteriores à atividade de entrega ocorram sem problemas. A pesquisa mostrou claramente que, infelizmente, isto nem sempre acontece. Durante o ciclo do pedido, uma série de atividades e processos mal estruturados resultam em erros e atrasos que impactam negativamente o resultado final percebido pelo cliente. O primeiro destes problemas ocorre antes mesmo do início da transação. Ao estabelecer prazos de entrega absolutamente imprecisos (pois só começam a contar a partir de eventos sobre os quais não tem controle, como a confirmação de pagamento feita pelos bancos e a liberação de crédito feita pelas administradoras de cartão), as empresas de comércio virtual criam a primeira condição para as grandes dispersões de prazos de entrega que se verificaram na pesquisa.

A utilização do boleto bancário, uma forma de facilitar a compra para quem não possui cartão de crédito, ou não sente segurança em utiliza-lo na Internet, foi um dos principais responsáveis pela grande dispersão, representada pelos longos prazos. Basta lembrar que, embora os números de pedidos feitos por boleto e cartão tenham sido praticamente os mesmos, as compras por boleto foram responsáveis por 80% dos 10 pedidos com pior desempenho em termos de prazo de entrega, e apenas 10% no caso dos 10 pedidos com melhor desempenho.

O segundo conjunto de problemas tem a ver com sistemas e processos operacionais mal projetados ou mal implementados. Os freqüentes erros informacionais, verificados na pesquisa, incluindo troca de cidades, erros no endereço do destinatário, e no faturamento, geram sérios problemas na fase seguinte da entrega.

Este problema se torna ainda mais grave pelo fato das empresas ainda não terem implementado um sistema de rastreamento ponta a ponta, que se inicia no momento do recebimento do pedido, e se encerra com a entrega satisfatória da mercadoria ao cliente. Isto dificulta a criação de um sistema de recuperação de falhas, fundamental em qualquer sistema logístico confiável. Afinal erros sempre podem ocorrer. O fundamental é detectá-los o mais rápido possível, para que seja possível corrigi-los, minimizando seu impacto sobre a qualidade do serviço.

Apesar de todas as dificuldades, o varejo virtual tem avançado rapidamente no Brasil. Os problemas observados são naturais em todos os negócios em fase de implementação, principalmente quando se trata de atividades resultantes de inovações. Buscar descobrir os problemas e ser capaz de soluciona-los é, no entanto, uma condição fundamental para o sucesso no longo prazo. Como toda nova indústria, o varejo virtual caminhará inevitavelmente para a concentração empresarial. Neste processo muitos serão adquiridos ou desaparecerão. Sobreviverão aqueles que forem mais ágeis e capazes de aperfeiçoar suas operações.


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