Fumaça da discórdia

Conferência no Japão tenta chegar a um acordo
sobre o aquecimento global

Thomas Traumann

Desde a semana passada, representantes de 170 países estão reunidos em Kioto, no Japão, com a difícil tarefa de desfazer um nó científico e, ao mesmo tempo, tentar antever de quem é a culpa pelo apocalipse ambiental que poderá destruir o planeta dentro de algumas décadas. Pelo menos é esse o tom alarmista que muitos ecologistas tentam dar à discussão a respeito do aquecimento global, também chamado de efeito estufa. Por essa teoria, o mundo estaria à beira de um desastre climático em razão do aumento da temperatura causado pelas emissões de gases das fábricas, dos escapamentos de carros, da queima de carvão mineral e de florestas. O resultado seria o derretimento das geleiras e calotas polares, que, num futuro muito próximo, elevaria o nível dos oceanos, provocando inundações em regiões costeiras e desestabilizando o clima global. A reunião de Kioto foi marcada para avaliar se essas previsões são mesmo corretas e, nesse caso, o que se pode fazer para prevenir a catástrofe.

Até agora, a ciência não reuniu provas conclusivas a respeito do problema. De concreto, sabe-se que a emissão de gases poluentes aumentou tremendamente neste século. Sabe-se, também, que a temperatura global está, em média, cerca de meio grau Celsius mais alta do que 100 anos atrás. Os dez anos mais quentes deste século foram registrados depois de 1982, sendo 1997 o recordista entre todos eles. Há ainda evidências de que algumas geleiras na Cordilheira dos Andes e na região do Ártico estão diminuindo de tamanho. A grande dúvida é se o aquecimento decorre da atividade humana ou não. Inúmeras outras pesquisas levam a crer que a mudança no clima pode ser resultado de um dos muitos ciclos naturais de aquecimento e resfriamento que acontecem no planeta a intervalos regulares de milhares ou milhões de anos. "Muitas vezes, as pessoas vêm uma geleira derretendo no Alasca e acham que isso é causado pelo efeito estufa", diz o professor Richard Lindzen, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. "Mas a análise da evolução das geleiras mostra que o degelo começou antes da Revolução Industrial. É, portanto, um fenômeno natural, sobre o qual a humanidade não tem controle."

História dramática Os dados geológicos coletados pelos cientistas em várias regiões contam a história de mudanças súbitas e dramáticas no clima da Terra. No último meio bilhão de anos, a face do planeta se alterou por completo, os continentes mudaram de lugar e eras glaciais se alternaram com períodos de desertificação. Isso sem contar desastres de escala cósmica, como a trombada de um cometa com a Terra que bloqueou a luz solar, há 65 milhões de anos, e aniquiliou os dinossauros. Todos esses eventos foram acompanhados de destruições em massa das formas de vida e estão muito bem documentados em registros fósseis e marcas deixadas nas profundezas das geleiras. Mesmo os últimos 10.000 anos, o período em que as grandes civilizações humanas floresceram, não foram tão amenos e tranqüilos como se imaginava até agora.

Uma pesquisa recente, publicada pela revista Science, mostra que nesse período, chamado de Holoceno, ocorreram grandes ciclos de aquecimento e resfriamento de conseqüências devastadoras. Há 3.300 anos, por exemplo, a parte alta do vale do Rio Mississippi, hoje uma das regiões mais férteis dos Estados Unidos, passou cinco séculos completamente submersa e inabitável. Da mesma forma, cerca de 1000 anos atrás, uma seca que durou séculos pôs fim às civilizações pré-Inca, no Peru, enquanto permitia aos escandinavos colonizar a Groenlândia e aos bretões iniciar os primeiros cultivos de uva na França. "Descobrimos que a cada 1.400 ou 1.500 anos a Terra passa por uma variação profunda", afirma o pesquisador Gerard Bond, do Observatório Lamont-Doherty, da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos.

Falta de controle Os cientistas estão convencidos de que o planeta está entrando num desses ciclos. "Não é improvável que agora estejamos nos aproximando de um novo período de mudança climática", diz Gerard Bond. O que se teme é que o ciclo natural seja acelerado pela atividade humana. Nesse caso, uma catástrofe climática, que, hipoteticamente, em condições naturais ocorreria só no final do próximo milênio, poderia ser antecipada em alguns séculos pela falta de controle nas emissões de poluentes. Razões para esse temor é que não faltam. Desde a Revolução Industrial, a emissão de dióxido de carbono, o CO2, gás resultante da queima de combustíveis fósseis (que era de 10 milhões de toneladas por ano), aumentou mais de 1.000 vezes. A cada ano são mais de 11 bilhões de toneladas de gases, sendo que dois terços são de responsabilidade dos países industrializados (veja gráfico acima). Outros 3 bilhões de toneladas são emitidos por meio do uso do carvão como fonte de energia e de queimadas, como as que acontecem na Amazônia. Toda essa fumaça produz o que os cientistas chamam de efeito estufa. Ao se concentrar na alta atmosfera, os gases formam uma espécie de capa invisível que retém o calor e, conseqüentemente, eleva a temperatura em todo o planeta (veja ilustração abaixo).

Na reunião de Kioto, que termina nesta quarta-feira, todas as propostas convergem para algum tipo de controle na emissão de CO2. Os Estados Unidos, responsáveis por um terço da sujeira lançada na atmosfera, sugerem um cronograma em que a redução da emissão de poluentes comece de verdade só depois de 2012. Os países da União Européia, que em sua maioria tem obtido bons resultados nos programas de corte de poluentes, propõem que em 2010 já se tenha reduzido em 15% os atuais níveis de emissão de gases. O Brasil, que emite CO2 por intermédio das queimadas mas, ao mesmo tempo, tem a maior experiência mundial de substituição de combustíveis fósseis por meio de programa de carros a álcool, apresentou uma proposta pela qual os países que poluem mais pagariam uma taxa a um fundo de proteção ambiental.

Apesar da falta de provas científicas a respeito do efeito estufa, a reunião de Kioto tem um mérito indiscutível: ela mostra que a comunidade internacional está hoje mais preocupada com os problemas do meio ambiente e mais disposta a encontrar solução para eles. Vinte anos atrás, quando os cientistas começaram a falar sobre o buraco na camada de ozônio, pouca gente deu atenção. Mais tarde se descobriu que a ameaça era grave, e foi preciso uma reunião de emergência dos governos do mundo inteiro para pôr limites na produção do gás CFC, o principal destruidor da camada de ozônio. É possível que ocorra o mesmo com o efeito estufa. Nesse caso, o momento de agir é agora.




Copyright © 1997, Abril S.A.

Abril On-Line