ÁGUA
Jean-Louis,
à mesa de cedro, de costas para a cama. A cadeira emite rangidos quando seu
corpo, magro e curvado, muda de posição. A roupa é surrada e larga. Ele se
debruça sobre um caderno de folhas amarelas. Escreve um pouco. Solta a caneta e
apóia o queixo com a mão. Tenta alinhar os cabelos curtos. Coça a barba
cinzenta e mal feita. Suspira por não ouvir passos no corredor. Vê um montículo
de pó sendo levado para fora. Jean-Louis levanta-se e contempla a estante
improvisada. Com ternura lembra-se de quando chegou, de quando lia livros
esquecidos da biblioteca; recorda-se de Ernest Hemingway, Leon Tolstói e Jack
London. Liga o minúsculo ventilador, senta-se novamente. Mantém o corpo ereto.
A caneta, entre seus dedos, está firme como um punhal. Seus olhos começam a
arder. Liga o abajur. Não acende. Ele tira a lâmpada e recoloca-a
apropriadamente. Continua a escrever, delineia rabiscos na superfície tosca do
papel. Dá um mergulho demorado, já não vê mais nada, apenas sente o calor
empapar-lhe as meias.
Jean-Louis
senta-se na cama. Os cobertores são de uma espécie de lona, áspera e severa.
Machucam seu braço. Ele passa a mão pelo travesseiro, sente-o em toda a sua
extensão. Há manchas indefinidas no tecido. O número “457” está
costurado à esquerda. Encosta-se na parede. Gelada. “A ANDRÉIA É UMA
PUTA!”. “MATEI CINCO SEM REMORSO.”
Cheira
as axilas azedas. Balança os pés. Pega a caneca e passa-a de encontro à
grade. Jean-Louis bate os pés no chão. Outra vez. No fundo do corredor, uma
luz artificial, trêmula. A caneca soa mais uma vez, estridente e absurda, e ele
tem agora o corpo junto às barras. Tira o casaco. À mostra, algumas costelas.
–
Grandessíssimos filhos de uma puta! –
grita, e agride a parede com a cerâmica tosca que, em alguns segundos,
transforma-se em cacos.
Em
segundos ouve os passos calculados. Eles sempre vêm, com seus gigantescos
molhos de chaves. Antes de abrirem a cela, Jean-Louis já está em um canto. As
botas pesadas se aproximam, “parece um filme”, ele pensa, e enfia a cabeça
entre as pernas. Morde os lábios e contrai os músculos da face. Em quinze ou
vinte minutos vai tomar uma ducha fria.
João Carlos Dalmagro Júnior.