CHUVA
DE VERÃO
do
hospital sobe uma fumaça espessa e silenciosa e eu já não sei se é dia ou
noite já não sei quem é quem todas essas pessoas sem rosto sem sorriso e sem
palavras. não há mais noção, não há mais parâmetros, há um céu cinza
prenunciando chuva e dentre as maravilhas do mundo escolho meu quarto, meus
sonhos, meus livros, escrevo meu De Profundis e dou as costas às janelas e às
portas.
meu
hálito é quente e revoltante meu corpo pesa minha mente meus tênis minha
camisa branca minha cueca meus cadarços.
MEUS
CADARÇOS TÊM NÓS NAS PONTAS
os
meses são longos e desgastantes e estão todos fartos e barrigudos, todos coçando
a barba e arrotando esquecendo os pudores como se estivessem em um campo de
concentração dois três quatro dias antes de irem para a câmara de gás. até
quando, eu me pergunto, e o ponto de interrogação permanece em meu travesseiro
em meu quarto e até a porta tem a forma de uma grande e assustadora exclamação.
saio de casa com meu walkman mas esqueço que os fones estão detonados acho que
é o mau contato vejo os relógios e os marcadores de temperatura velocidade
pressão distância e me sinto assim: distante, embaixo de um guarda-chuva que
mal abriga meu corpo e por deus tenho tanto medo de esticar a mão para saber se
o temporal já passou e então eu permaneço no mesmo lugar, escutando o ruído
das minhas vias respiratórias. sou o único parado sob os toldos, lendo orelhas
de livros em sebos, sou o único tomando suco de maracujá para ficar calmo e
tentar raciocinar um pouquinho sou o único burro o único que deve ser vaiado e
expulso, aquele que não sabe escrever seu nome aquele que tem um único casado
de lã o único que anda de ônibus porque gosta da paisagem se movimentando,
gosta das faces delicadamente cansadas, das poças d’água, das nuvens
esparramando-se sobre as árvores secas mortas lacrimejantes.
os passeios tornam-se mais regulares e um dia as pessoas começam a me notar e a me ignorar a me repreender imitar incentivar condenar e eu então seco o suor as lágrimas o sangue e vou para minha casa, nem tiro os sapatos a roupa as meias tão quentinhas e amáveis suaves vou dormir.
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João Carlos Dalmagro Júnior.