ESSÊNCIA
O
edifício era velado por árvores de flores amarelas e desanimadas. A água
remanescente, deslizando sobre as folhas, martelava o corrimão de ferro azedo.
Ela subiu as escadas seguindo a cadência dos saltos de madeira. Hesitou.
Manteve os olhos nas flores esmigalhadas cobrindo o piso. A persiana da frente
estava semi-aberta. Não havia nenhuma música, nenhum barulho de televisão,
mas a luz estava ligada. Respirou fundo e continuou, plóc-plóc, e alguns
pingos atingiram-lhe as meias. Tirou as chaves do bolso e virou-se. A rua tranqüila
e as bengalas mudas de alguns velhotes a tranqüilizaram. Escondeu alguns fios
de cabelo por trás das orelhas tímidas. O movimento da chave ecoou no
corredor. Em ambos os lados, portas gradeadas, de cor salmão.
O
elevador não demorou muito. Trouxe consigo o ranger das roldanas, cheiro de
mofo e um espelho cúmplice com fartas e gordurosas impressões digitais. A
porta se abriu no quinto andar e uma menina perguntou se estava subindo. Não, não,
estava indo para o térreo, ela estava atrasada para a faculdade, era melhor a
garotinha usar as escadas. Os tênis macios obedeceram-na.
A
sentença era clara. Um enorme número sete na porta do elevador. Empurrou-a sem
acreditar que abriria. Plóc-plóc.
Sentiu
o cheiro de fritura e de cigarro. Bob Dylan cantarolava blowing in the wind. O
corpo deitado apenas sorriu, lascivo. Levantou-se da cama. Aproximou-se da
mulher tal qual um macaco para receber alimento. Os braços peludos
arrepiaram-lhe as costas como espinhos. Não houve mais Bob Dylan, apenas a cama
e a sensação de uma chuva intensa e devastadora.
Dez
e quinze da noite, bolsa a tiracolo. Ele estava no banheiro, fumando um baseado
comprado no Parcão. Sabia que ela não gostava, e ouviu a porta, o plóc-plóc,
e a roldana sangrenta.
Não
cumprimentou o porteiro ao estacionar o Vectra azul-marinho no prédio do Bela
Vista. Acionou o alarme. A garagem estava abafada, sonolenta.
Paulo
estava na cozinha, preparando uma limonada, imbatível nos dias de verão como
aquele. Beijou a boca fria da mulher.
-
Como anda a faculdade?
Ela
resmungou que estava apenas tolerável, e que terça-feira era um dia do cão.
As aulas eram maçantes.
O
marido e a limonada ficaram para trás, ela ligou o chuveiro e foi para o
quarto. Deitou na cama. Estranhou. Não havia cheiro de essência, apenas um
lento e espesso vapor.
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João Carlos Dalmagro Júnior.