ESTAMPIDO

O homem sobe o morro, sem pensar. Precisa correr; é um dia como os demais. Tem a roupa encharcada em virtude da chuva. Apressa-se, desviando das poças d’água que reinam em meio ao lodo e ao mau cheiro. Um garoto lhe chama: “Dez centavos, moço?”. Ele continua correndo, de cabeça baixa. O suor chega-lhe aos olhos, já pode sentir o sal queimá-los.

Calcula uns quatro ou cinco quilômetros.  Dizer que falta pouco é um palpite. Nessas horas ele perde o controle do que está ao seu redor. Não desvia o olhar do chão. Há barro por todos os lados, em todas as direções. Um dedo levemente pontiagudo toca-lhe as costas castigadas. A chuva recomeça. Arruma a pistola na cintura e continua, aumentando o tamanho dos passos.

Das janelas de papelão surgem rostos tristes e olhos tropicais. Crianças imundas jogam bola de gude em locais onde o pó de brita cobre o solo. Em um trailer transformado em bar, velhos bebem cachaça e acariciam as nádegas de prostitutas mal-vestidas. Há o cheiro azedo de gordura saturada. Um menino loiro, entre oito e dez anos, descalço, compra Coca-Cola. “Gelada, tio. Gosto de Coca bem gelada!”

O homem, que agora já não corre, permanece à frente de um casebre. Dentro, consegue ver a televisão e sua antena com Bombril na extremidade. Duas crianças brigam, enquanto uma mulher tenta separá-las. Ela desiste, puxa os próprios cabelos, depois senta e acende um cigarro. O homem enfia a camisa por dentro das calças. Exibe seu peito suado e as correntes douradas. Antes de empurrar o portão improvisado, ele coça a barba. As crianças param de brigar, a mulher joga o cigarro ao chão e o esmaga com a ponta do pé.

Em alguns minutos, o garoto que não ganhou os dez centavos surgirá. Apontará o dedo para o barraco. O homem que corria de cabeça baixa estará abraçado às crianças e à mulher, fazendo planos para o futuro. O garoto verá, com o dedo delator em meio aos lábios rachados, o homem tombar. Sentirá um cheiro insuportável de esgoto. Com o calção sujo de barro, que deixa suas nádegas à mostra, estenderá a mão. Dez reais lhe renderão boa cola de sapateiro para uma ou duas semanas.

   

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João Carlos Dalmagro Júnior.