PÊNDULO
Andar de ônibus com chuva é bom. Especialmente quando as janelas permitem a entrada de alguns pingos sorrateiros. O sapato molhado; minúsculas pedras agregadas ao pó. Sinto as meias úmidas. Devem estar perdendo sua coloração original. Os dedos enrugados. Frieiras. O dia todo caminhando de lá para cá. Saltando sobre as poças d’água, esbarro em um orelhão destruído. No chão, cartões telefônicos inertes.
*
Fumar
com chuva é bom. O cheiro de tabaco e tecido molhado lembra a minha infância.
Escondíamo-nos como loucos na construção da esquina. Bicicleta no asfalto,
rua desnivelada devido ao tráfego pesado. Cães felizes acompanhando aqueles
garotos ingênuos que ficaram para trás, irrecuperáveis, perecíveis. Moleques
de joelho esfolado espiando pequenas mulheres em banheiros de acampamentos. Eu
estive por lá. Nadei com todos eles, pescamos juntos. Brigamos. Esquecemos.
Agora estamos longe. Afobados Desesperados Asfixiados, correndo atrás de coisas
que não existiam na nossa terra de chão batido. O único medo era o de
cachorro, e tinha de ser um bem grande.
Em
casa, banho quente, refrigerante, beijo antes de dormir, televisão ligada para
pegar no sono. Três e meia da manhã. Água gelada, refrescante.
*
Fazer
sexo com chuva é bom. Tudo é líquido, viscoso. Janelas, pele, membros.
Ambiente abafado e música calma, dolorida. Em cada tarde, a descoberta do
corpo. Primeiro o teu, depois o meu. Orelhas, lábios, pescoço, mamilos (róseos),
umbigo, púbis, virilha. Línguas transcendentais. Toques —
acho que todos eles suaves — rosto crispado. Chuva barulhenta, frenética.
Pernas brancas, leitosas, sola de pés retorcidas. Unhas. Cabelos. Atingir o ápice
é não conseguir mais abraçar, de tão perto que se está. O cigarro elíptico
compartilhado. Sujeira no teto. Vidro opaco escondendo a cidade. Te amo — Eu
também.
*
É
estranho. Apenas nessa cama de hospital tais lembranças voltaram à minha memória.
Acho que é por que nunca tive tempo para me ouvir e me recordar. De tudo pelo
que passei só resta, vivo, aquele garoto curioso à janela, observando as
nuvens ligeiras. Ele corre, pára na porta, e sorri. O sol delineia suas mãos
sujas escondendo bolas de gude.
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João Carlos Dalmagro Júnior.