TWEED

Ela o nota devido ao barulho que o pneu de seu carro provoca nas pedras soltas, no pó de brita da esquina escura onde sempre é encontrada. Um leve meneio de cabeça e os pensamentos se subentendem. Ele abaixa o vidro, abre a porta. Ela entra. Cumprimentam-se com saudações lacônicas, vazias. Ela aprecia o estofamento do carro dele; couro preto, com cheiro de novo. BMW, CD,  telefone celular, Beethoven. Deve ser bom, pensa ela. Que vida, pensa ela. Faturei a noite, pensa ela. 

Escolhem o motel, pegam as chaves na portaria. “Não se esqueça de verificar se o conteúdo do frigobar corresponde ao estipulado na lista que se encontra em cima do mesmo”. Ela solta uma risada suave, isso acalma-o, juntamente com o estalido da chave ao concluir a volta que tranca finalmente a fechadura. Ele pede para que ela lhe afrouxe o nó da gravata. Deitado na cama, quer vê-la se despindo para ele. Ela obedece. Tira a roupa peça por peça, lentamente, imitando expressões ridículas de tesão (que todos fazemos), enfiando a calcinha entre suas nádegas, rasgando-a, gemendo, arfando, fingindo estar louca pelo seu pau quando na verdade tudo o que queria estava no chão, ao lado da cama, na sua valise de couro comprada na Alemanha. 

Agora encontra-se totalmente nua, em pé a sua frente. Tem um corpo bonito, pernas bem torneadas, ventre sedutor, nádegas suntuosas, barriga tenazmente modelada, seios tímidos mas no tamanho certo. Aquilo o deixa um pouco sem ação. Ela sobe na cama, começa a tirar a roupa de um homemquemaisumavezirácomêlaporumaboaquantiaemdinheirovivo,  e sente que ele está pouco excitado. Acaricia-o e estranha a sua frieza. Percorre seu corpo com a língua; pescoço, orelhas, mamilos, umbigo, glande, escroto, virilha, pernas. Ele estremece a cada toque daquela peça molhada. No entanto, sua expressão permanece a mesma. Seca, calada, levemente triste. Ela não sabe o que fazer para que ele a penetre. Toma iniciativa e monta-o. Ele não reage, apenas faz, mecanicamente, um ato inútil e despretensioso. Ela mexe-se, tenta fazê-lo gozar o mais rápido possível, pede que ele lhe dê tapas, xingue-a do que quiser. Ele cumpre suas ordens sem pronunciar uma palavra a mais. Na hora de gozar, ela posiciona-se com a boca propositadamente defronte ao seu pau e, quando sente o jato quente inundando-lhe a garganta, engole tudo, lentamente, e se dá ao trabalho de manter seu membro na boca até amolecer. Ele parece não estar ali. Olha-a desdenhosamente, seu semblante agora torna-se gravemente triste.  Ele acaricia-lhe o cabelo, que contém gotas de sêmen, e a afasta carinhosamente. Veste-se, ajeita a camisa por dentro de suas calças. Ela ajuda-o a vestir o paletó de tweed do qual tanto gosta. Um legítimo tweed inglês, se quer saber, pensa ele, enquanto dirige-se ao frigobar e abre uma cerveja. Bebe-a sagazmente e não oferece àquele objeto que ao seu lado se encontra. Seca a boca com a manga de seu terno e eructa discretamente. 

Ela sente, pela primeira vez em sua vida, asco por um cliente aparentemente tão refinado. Sente vergonha de estar ali, de ser aquilo que era, de ter engolido tanto esperma naquela maldita vida. E esse desgraçado ainda aparece para humilhá-la e pisoteá-la. Já não bastava a vida enterrá-la até o pescoço naquela terra árida e sufocante? 

 Ele amaldiçoa aquela vagabunda, que droga, ele só queria que ela lhe acariciasse o cabelo e o abraçasse dizendo que tudo estava bem e lhe desse um pouco de amor e carinho, afinal, não é isso que falta nesse mundo degradado? 

Depois de pagar o motel, ele dirige soturnamente pela cidade latente, ela ao seu lado. Ambos estão quietos, ambos estão se odiando, esperando o momento certo para explodir. Dominados pelo orgulho, hesitam em jogar a primeira pedra. Ao pararem numa sinaleira, ela pede para descer. Ele a encara.

- Quanto é que deu? 

- Cento e cinqüenta.  

Ele dobra à direita, ela segue à esquerda e está indo para casa, basta por hoje. Ele vai rodar por aí, comprar um baseado e dirigir com uma mão, fumando-o ao som de alguma rádio local. Afinal, amanhã é Segunda-feira, ele tem que controlar uma empresa, pagar a prestação atrasada do colégio da filha menor, ela precisa arranjar uma maneira mais fácil e menos arriscada de ganhar dinheiro e pagar o aluguel do mês passado. Tempos difíceis, aqueles.

  

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João Carlos Dalmagro Júnior.