Tomar decisões faz parte da vida do
indivíduo; é conseqüência da sua capacidade mental e de seu livre
arbítrio. Seja assunto simples e rotineiro, seja assunto mais
complexo e esporádico, a vida demanda escolhas cotidianamente.
Homens e mulheres, jovens e velhos, pobres e ricos, calmos e
agitados, empregados e patrões, professores e alunos, sãos e
doentes, todos precisam fazer opções em sua vida, embora cada um
apresente maneira diferente de agir. Maneira essa, que por sua vez,
demonstra a sua postura ética, embora haja autores que definam moral
para o agir individual e ética para o social. Fato é que as
diferenças individuais tornam-se também uma das razões para que
alguns assumam com mais expressividade suas escolhas e outros
permitam que alguém o faça em seu lugar. Estes, abdicam do seu
direito e da sua liberdade, mas não estão livres da decisão visto
que quando alguém foge do direito de decidir está decidindo não
decidir, mesmo que essa atitude venha acompanhada de justificativas
das mais diversas e plausíveis. Em suma, a ética “representa a luta
do homem pela liberdade, o que implica escolha de ação” (HERMANN,
2001,p.19). A história seguinte pode ilustrar tal afirmação:
É noite. Um homem está em um barco, navegando lentamente à deriva
para uma cascata. Este homem, estando bem acordado em seu barco, não
pode escapar de tomar uma decisão. É verdade que todas as suas
opções podem no final resultar inúteis. Ele pode começar a remar
doidamente e ainda assim ser levado pela corrente, por sobre a borda
para a destruição. Pode não fazer absolutamente nada e a corrente
pode prender o barco contra uma rocha, e conservá-lo em segurança
até o amanhecer. Mas este homem não sabe qual é a decisão adequada,
e ele percebe que não fazer nada também é uma decisão.[...] Ele está
dentro do barco, e tudo o que faz ou deixa de fazer o compromete. (FORELL,
1983)
Quando Forell relatou esse fato, ele
o fez para justificar sua premissa de que decidir é inerente à vida.
Pouco depois ele ressalta que em outras eras a necessidade de
decidir em relação a leis não se mostrava tão acentuada. As leis
morais dos vários povos conquanto diferissem entre si, na maioria
das vezes, eram consideradas válidas e as pessoas seguiam o que já
estava estabelecido. O comportamento humano experimentava um estágio
de imediatismo ou de tradicionalismo. No imediatismo a
obediência às leis morais era natural e no tradicionalismo,
acontecia por hábito. Todos agiam da mesma maneira, por tradição e
pouco se perguntava porque agiam como agiam. As pessoas tinham a
certeza de que as leis morais de sua sociedade estavam corretas, o
que não as impediam de tomar decisões. Decidiam quase sempre segundo
tais leis. Era o estágio chamado de pré-ético.
Se o estágio pré-ético do
comportamento humano está calcado na decisão sem contestação quando
se passa a interpretar as leis e normas de conduta vigente na
sociedade, avançou-se para o estágio da ética como “[...] busca de
uma compreensão racional dos princípios que orientam o agir humano”
(HERMANN, 2001, p.15). Agir que é diferente de pessoa para pessoa
num mesmo grupo social e, de grupo para grupo. Daí ser possível
encontrar outras éticas em nossa sociedade conforme descreve Forell
(1983).
Na era da pós-modernidade
expandiu-se a incerteza acerca dos valores e, com ela, o
relativismo. Tudo é relativo, nada é absoluto e tudo depende das
circunstâncias, do ponto de vista, da circunstância ou da
necessidade. Devido à democratização da informação e à globalização,
são poucas as culturas que ainda possuem um código fechado do que
seja certo ou errado.Esse relativismo tem provocado dilemas éticos
no momento da decisão, pois além de indagar em como agir com ética,
torna-se necessário também perguntar: como decidir com ética?
Mesmo as pessoas maduras
defrontam-se com alternativas não imagináveis para as sociedades
anteriores. É possível encontrar situações para as quais as opções
não sejam antagônicas, não se enquadrem no certo ou errado, no bom
ou ruim, no natural e no artificial. Para o atual estágio do
comportamento humano apresentam-se ocasiões quando nenhuma possível
decisão seja claramente boa ou má. Haja vista outro episódio contado
por Forell (1983, p. 194) sobre o dilema vivido por um oficial
americano durante a segunda guerra mundial. Tal oficial e seu
exército estavam fugindo dos nazistas e um de seus soldados foi
ferido, não podendo mais caminhar. O exército não podia parar sob
pena de serem mortos pelos inimigos. O companheiro teria que ser
deixado para trás. O dilema ético não era se deveria deixá-lo ou
levá-lo, nem se matar seria certo ou errado. Mas se a melhor decisão
seria deixá-lo morto ou vivo? Ou seja, não era agir, mas decidir. Se
o deixassem vivo, ele seria encontrado e torturado até delatar os
companheiros. Poderia descrever, inclusive, os planos do exército.
Isso seria pôr em risco a vida de todos. O melhor então seria
matá-lo de vez, porém matá-lo também não era correto, já que a ética
da guerra é matar inimigos e não companheiros. Não tinham certeza de
qual a melhor decisão, resolveram então, escondê-lo no meio de
arbustos e contarem com a sorte dele não ser descoberto. A
alternativa deu certo e só então, concluíram que fizeram a melhor
escolha. A pergunta é: ”Teria sido um procedimento correto se não
tivesse funcionado e levado à execução de centenas de homens e suas
famílias?” (FORELL, 1983,p. 195).
Se viver é decidir, como enfrentar
os dilemas éticos do dia-a-dia? Onde encontrar a ética da decisão?
”Existem pessoas que “procuram uma regra para cada ato da vida.
Outras pessoas dizem que não devemos nos preocupar com regras, mas
sim com princípios” (SMITH,1987, p.50). Seguindo o raciocínio de
Smith, podemos pensar na origem do pagamento mensal do salário. Como
acordo entre patrão e empregado, o salário é uma troca que ambos
fazem entre si, não é presente e nem uma atitude de caridade. Seu
pagamento mensal visa manter uma regularidade para que a pessoa
possa se organizar. O que fazer então, quando o patrão descobre que
o dinheiro não é suficiente para pagar a todos? Ele pode aguardar a
entrada total dos recursos e pagar a todos de uma só vez. Pode
escalonar a folha de pagamento e fazer o revezamento em cada mês.
Pode ainda pagar aos que ganham menos primeiro e tantas outras
alternativas. Os argumentos contra e a favor de cada uma dessas
opções poderia passar pela idéia de justiça, de igualdade de
direitos, de solidariedade, de humanidade, de competência gerencial
etc. Mas o princípio original para o pagamento mensal não é o da
justiça ou da igualdade de direitos ou, de qualquer um desses embora
todos essas idéias sejam válidas. O princípio original do pagamento
mensal é o da regularidade. É preciso ser coerente com ele e este é
o dilema: existiria uma opção com maior coerência? Existiria uma
opção que não fosse tão ruim? Está colocado aí um dilema ético.
Tomemos outro exemplo: o princípio
básico da avaliação é perceber como foi a aprendizagem do aluno.
Então, o professor pede uma atividade para avaliar o conteúdo
estudado e um dos alunos não entrega na data prevista. O professor
agora enfrenta um dilema ético: deve ou não prorrogar este prazo
para tal aluno? Seria justo para quem entregou no tempo certo? Seria
justo deixar de avaliar a aprendizagem desse aluno? Deve diminuir o
valor do trabalho? Qual é o princípio maior da avaliação? Qual é o
seu significado original? Fazer justiça, atribuir nota ou verificar
se houve aprendizagem? O professor não pode deixar de decidir e qual
a ética que deve adotar? Como ser coerente? Este é um dilema ético
bem provável de ser real em nossos dias e, que nos faz pensar que em
alguns momentos o maior dilema não é como agir, mas como decidir!
REFERÊNCIAS
FORELL, George W. Ética da
decisão. Trad. de MULLER Walter. São Leopoldo: Sinodal, 1983.
HERMANN, Nadja.Pluralidade e
ética na educação.Rio de Janeiro:D P & A, 2001.
SMITH, Ebbie. Equivalênca dinâmica
Aplicada à Ética. In: Revista Teológica. Ano III,n.5. Rio de
Janeiro: STBSB, jun 1987. |