Senhores
do rio Pó, poderosos e respeitados, os Paroni notabilizaram-se,
no passado, pelo serviço de transporte de pessoas e mercadorias
entre os portos fluviais de Ferrara
e Francolino e a soberba Veneza. Essa atividade, que não se sabe
exatamente quando começou, já era considerada "bastante
antiga" no fim do século XV. O serviço, executado com
uma frota própria de barcos, iniciava a jornada partindo de Ferrara
e Francolino e, pelo leito do rio Pó, chegava à foz, junto
ao Adriático. Dali, a viagem prosseguia até Veneza, costeando
o continente. A atividade, denominada "L'Arte collegiata dei Paroni",
de tão importante, foi disciplinada, em 1489, pelo duque
Hércules D'Este, com a criação de
um estatuto próprio. Por volta de 1592, um conflito de interesses
entre as famílias Paroni, de Ferrara, e Paroni, de Francolino (pequena
cidade distante cerca de 6 km da primeira), assumiu proporções
tão graves que o papa Clemente VIII
viu-se forçado a intervir pessoalmente para acalmar os ânimos.
Por sua decisão, cada família ficou, então, encarregada
de transportar passageiros e mercadorias por uma determinada rota. No
mesmo ano - 1592 - uma Ordem Ducal organizou a casa, estabelecendo que
"os Paroni, sejam de Ferrara, Veneza, Mântova, Ravena ou Francolino
não deviam intrometer-se um nos portos dos outros, nem diretamente,
nem indiretamente". Anos mais tarde, em 17 de março de 1689,
um decreto do cardeal Acciaioli ordenou que "aos Estatutos dos Paroni
de Ferrara deveriam ficar subordinados também os Paroni de Francolino,
não obstante seus privilégios". Tempos depois, por
ordem do cardeal Serra, o prefeito de Francolino ficaria responsável
pela inspeção, a cada dois meses, das embarcações.
Além de retirado de circulação e apreendido, cada
barco irregular ficava sujeito à multa de 25 escudos.
O livro "Cenas Históricas de Francolino", editado em
1926, de autoria do monsenhor Giovanni Stegani e principal fonte de nossa
história, revela ainda que a família Paroni tinha, em Francolino,
seu oratório particular, onde celebrava missas e outros ofícios
religiosos.
Derivado
da palavra "patrone" (do latim patronus), o nome Paroni, forma
dialetal de "patrone" (singular) ou "patroni" (plural),
significa patrão, proprietário. Em certas regiões,
indicava o dono ou o comandante de navios e embarcações
(Dicionário dos Sobrenomes Italianos, volume I, autor Ciro Mioranza,
edição 1997).
O fato de o sobrenome estar grafado quase sempre no plural demonstra o
processo pelo qual ele foi passado de uma geração a outra.
Este sobrenome, sem qualquer dúvida, deriva de uma ocupação
profissional. Especificamente nesse caso, significa que os progenitores
possuíam negócio próprio ou administravam o de outrem,
mas sempre chefiando empregados e operários. Nos últimos
dois ou três séculos, quando a pesca em toda a região
costeira italiana tornou-se importante, as palavras "padrone"
e "parone" assumiram um significado muito particular, indicando
o patrão ou comandante de um barco de pesca. Na Idade Média,
os sobrenomes italianos derivavam sempre do lado paterno e o nome do pai
era a referência mais usada para identificação. Antes
do surgimento de um sistema estrutural de sobrenomes, um homem era comumente
identificado pela profissão que tinha, pelo mister que exercia.
A forma "padrone" vem da palavra latina "patronus",
que tem o mesmo significado, e esta, por sua vez, origina-se de "pater",
que significa "pai".
São
muitas as variações do nome Paroni, mas a Enciclopédia
Histórica da Nobreza Italiana, que reúne o elenco dos nobres
italianos, cita o nome "Patroni" como a variante mais próxima.
A Família Paroni, à qual se refere
a Enciclopédia, é uma antiga família originária
da cidade de Trani, que se transferiu para Nápoles no século
l6. Trata-se, claro, de um outro ramo dos Paroni, considerando-se que,
antes de 1500, registros históricos já davam conta da presença
dos Paroni na província de Ferrara. Com base nessas informações,
deduz-se facilmente que os Paroni, já naquela época, formavam
uma família numerosa, com ramificações que atingiam,
além das cidades e regiões citadas, a província de
Verona, onde também navegavam com suas barcas pelo rio Ádige,
bem como outras localidades.
POR
UMA NOVA VIDA
Em
1894, Antônio Paroni, então com 37 anos, e sua mulher, Clotilde
Gennari Paroni, emigraram para o Brasil, a bordo do navio Charles
Martel, com seus oito filhos, o mais novo com apenas um ano de
vida. Estabeleceram-se em Amparo, interior de São Paulo, onde exerceram
atividades ligadas à compra e venda de rebanhos bovinos e suínos,
bem como a comercialização de carne, fumo em corda e cereais.
No início dos anos 30, deixaram Amparo com destino a São
Paulo, concentrando-se principalmente no Brás. Hoje, os Paroni
brasileiros estão espalhados por vários bairros da Capital
(Santana, Tremembé, Vila Guilherme, Ipiranga, Tatuapé, Morumbi,
Aclimação, Pinheiros, Moema, Saúde, Mooca, Brás
etc.) e também por outras cidades [Brasília, Campo Grande,
Mairiporã, Campinas, Monte Mor, Salto de Pirapora, Alphaville (Barueri)].
Os que ficaram na Itália vivem sobretudo nas províncias
do Norte e Nordeste (regiões da Emília-Romanha,Vêneto,
Lombardia e
Toscana) e também em Roma.
De acordo com depoimentos
orais transmitidos no melhor estilo de pai para filho, o patriarca Antônio
resolveu deixar Francolino, abalado financeiramente pelas terríveis
enchentes do Pó, o mesmo rio que, no passado, dera poder e fortuna
aos seus ancestrais. Lá, na pequena Francolino, ganhava a vida
como comerciante. Segundo consta nas certidões de nascimento de
alguns filhos, Antônio era um pizzicagnolo, ou seja, vendedor
de queijos e salames. Assim, com a mulher Clotilde, embarcou no navio
Charles Martel com destino ao Brasil. Com ele, oito filhos:
Tancredi
(l6 anos)
Umberto (l4 anos)
Constantino (l3 anos)
Elvira (11 anos)
Giuseppina (ou Carolina - 8 anos)
Augusto (5 anos)
Pietro (2 anos)
Ottimo (1 ano)
A mais nova, Teresa (Gina) nasceria no Brasil.
Antes
de embarcar, possivelmente no porto de Gênova, Antônio, a
mulher e os filhos ficaram hospedados na casa dos pais de Clotilde, em
Paviole, município de Canaro,
província de Rovigo, para
onde ele sempre ia quando Clotilde estava para dar à luz.
No
dia 27 de agosto de 1894, a família Paroni desembarcava no porto
de Santos, rumando, como tantos outros imigrantes, para a Hospedaria fundada
pelo Visconde de Parnaíba, no Brás. A chegada está
devidamente registrada no Livro 043, página 228.
Terra
nova, vida idem. Muitos sonhos, esperanças renovadas. Na mente
do patriarca e daquelas crianças, a Itália,
a querida Itália, começava a ser uma doce lembrança.
Ferrara, Francolino, Canaro, o rio Pó e tantos outros lugares percorridos
a cavalo, de barco, de carroça ou simplesmente a pé, aos
poucos, foram ficando para trás. Restavam apenas as imagens armazenadas
na memória do patriarca e da família. Anos mais tarde, ele
teria a felicidade de rever todos aqueles cenários tão queridos,
testemunhos mudos, mas reais, da primeira, fase de sua vida, que durara
exatos 37 anos e 7 meses em solo italiano.
Homem
de fibra, inteligente, acostumado a lutar, não se intimidou com
a nova terra e seus desafios. Ao contrário, o País de gente
diferente daquela com quem convivera até há bem pouco tempo,
o imenso País de outros hábitos e costumes, reacendera-lhe
as esperanças. Da Hospedaria dos Imigrantes,
a família foi para Amparo, então próspera cidade
da Mogiana, cujo café fino criara uma nova casta social - a dos
barões do café.
Ao
descer na estação ferroviária de Amparo,
construída anos antes (1875) com o dinheiro do café - o
ouro verde - então o maior produto brasileiro de exportação
e também o maior gerador de divisas para o País, Antônio
se surpreendeu com o movimento. Carroças e mais carroças
carregadas de café aproximavam-se das plataformas a todo instante,
para descarga e posterior embarque da mercadoria. Bares apinhados de pessoas
que não queriam, por nada deste mundo, perder a chegada do trem.
O Largo da Estação tornava-se pequeno para tanta gente.
Era uma festa, porque o trem não trazia somente mercadorias e passageiros.
Com ele vinham os jornais da Capital, as cartas, as novidades. A chegada
do trem era, realmente, um importante acontecimento para a gente daquela
florescente cidade.
De
repente, no meio daquela confusão causada pelo movimento, Constantino,
o terceiro filho, então com l3 anos, corre desesperado em direção
ao pai e o abraça firmemente. No seu rosto, uma expressão
de medo e espanto.
-Babbo, un nêgar! (Pai, um negro!), gritou, assustado, no
mais puro dialeto ferrarese.
Pela primeira vez em sua vida, Constantino via um negro, no caso, um rapaz,
daí o espanto. Depois
de acalmar o filho, Antônio explicou-lhe ser bastante comum, no
Brasil, a presença de gente daquela cor, que tinha vindo da África,
muitas décadas antes, para o trabalho como escravo na lavoura.
Esse jovem - Candinho - tornou-se, mais tarde, um dos maiores amigos de
Constantino e de toda a família. Quando foi visto pela última
vez, em 1957, tinha mais de 80 anos e estava acompanhando o enterro de
Elvira Paroni, em Amparo, onde sempre viveu, ligado à família
(Elvira era viúva de Alberto Caleffi e morava em Amparo). Ao reconhecer
Nenê (nome familiar de Antônio, único filho de Constantino
e Rosa Otolini Paroni), perguntou pelo amigo Constantino, que já
havia falecido. Ao perceber que Candinho de nada sabia, Nenê apenas
respondeu que ele "estava bem". Não quis, evidentemente,
magoar o velho e querido amigo da família., com a triste notícia
de que seu amigo Constantino, aquele mesmo que sentira medo dele, quando
acabava de pisar, pela primeira vez, o chão de Amparo, falecera
6 anos antes, em 1951.
Antônio, o patriarca,
nasceu em Francolino no dia 11 de janeiro de 1857, filho de Giovanni Paroni
e Teresa Rossi Paroni. Era o mais velho dos seus outros sete irmãos
- Maria, Vittorio, Carlota, Emma, Alessandrina, Andrea e Giuseppe. Ao
que tudo indica, ele conheceu Clotilde - a inseparável companheira
- na pequena Paviole, no município de Canaro, já em terras
vênetas. Filha de Ângelo Gennari e Rosa Baldi Gennari, ela
nasceu em Canaro, no dia 2 de dezembro de 1857. Os longos cabelos negros
e os olhos verdes, brilhando como esmeraldas no belo rosto, faziam de
Clotilde uma bela mulher. E a tanta beleza junta não resistiu o
jovem e esbelto comerciante de Francolino. O amor, tão forte e
tão grande, ignoraria distâncias, venceria obstáculos
e seria consolidado do outro lado do mundo, para onde Antônio e
Clotilde levaram as raízes, os frutos, a dignidade e a vontade
de vencer. O casamento no civil só foi registrado no Cartório
de Canaro muito tempo depois, em 17 de agosto de 1893, um ano antes da
viagem para o Brasil.
A
VOLTA PARA CASA
Umberto, o segundo
filho do casal Antônio-Clotilde, nascido em Canaro, no dia 5 de
março de 1879, casou-se em primeiras núpcias com Marina
Manfrinati, resultando dessa união dois filhos: Atílio e
Rino. O casamento durou pouco, pois Marina morreu quatro anos depois.
Viúvo, jovem, bem de vida, mas com o encargo de criar dois filhos,
ele não suportou a solidão, embora vivesse rodeado por familiares.
Seus pais, felizmente, ainda estavam vivos e cheios de saúde, havia
seus irmãos, as cunhadas e alguns sobrinhos. Mas Umberto desejava
reconstruir sua vida, profundamente abalada pela morte da mulher. E foi
graças à sua atividade profissional que ficaria conhecendo
a segunda mulher. Dedicado ao comércio de fumo em corda, ele viajava
muito. Naqueles tempos, os cigarros de palha (assim chamados por serem
feitos com fumo em corda, picados com canivete e depois enrolados em um
pedaço de palha de milho), eram largamente consumidos. O produto
de melhor qualidade, e bastante afamado, vinha de Poço Fundo e
Ubá, cidades situadas em Minas Gerais, para onde Umberto viajava
sempre que necessário. Além da Capital, sua clientela espalhava-se
pelo interior paulista. Não foi em terras mineiras que ele encontraria
aquela que seria sua companheira pelo resto da vida.
Delfina Poltronieri, linda jovem de olhos claros e cabelos castanhos que
tocavam a cintura, pertencente também a uma família de imigrantes
italianos, morava em Jaguari (atual Jaguariúna), cidade que seu
pai ajudou a fundar. O coração do jovem viúvo bateu
mais forte ao conhecer Delfina. Encantado, sucumbiu à beleza e
elegância da jovem "italianinha". Ela, por sua vez, também
se sentiu atraída por aquele italiano bonitão, comerciante
bem sucedido e respeitado em toda a região. Nascia, aí,
uma união fortemente estruturada em amor e dedicação,
que duraria anos.
Se com a primeira mulher Umberto teve dois filhos, com Delfina a família
cresceu. Desse casamento nasceram: Zaíra, Alfredo, Breno, Lucila,
Dirce, Ada e Nelson, o caçula. Somando com Atílio e Rino,
frutos da primeira união, eram 9 filhos.
As vendas de fumo em corda cresciam cada vez mais e, em pouco tempo, Umberto
tornou-se um dos mais importantes comerciantes do ramo na região
de Amparo - uma cidade florescente, economicamente movida pelo café,
cuja exportação engordava os cofres dos ''barões"da
República - os fazendeiros. Depois de tanta luta, incontáveis
sacrifícios e muita economia, Umberto e Delfina resolveram voltar
à Itália, de onde ele saíra havia 26 anos, quando
ainda era um adolescente de 15. Agora, aos 41, pretendia iniciar uma nova
vida na terra de origem, contando para isso com o conhecimento que tinha
no comércio de fumo em corda, um bom dinheiro e muita vontade de
trabalhar. Com a mulher e os filhos, à exceção de
Rino, que preferiu ficar, viajou para a Europa, de primeira classe, como
convinha a um homem de posses. O filho Nelson, praticamente recém-nascido,
também estava a bordo, sequer imaginando que fazia, naquele momento,
a sua primeira grande viagem internacional.
Era o ano de l920. Recém saída da Primeira Guerra Mundial,
a Europa estava mergulhada em profunda crise e a Itália não
era exceção. Não foi nada fácil, para Umberto,
mulher e filhos, enfrentar os problemas. No começo, até
que a vida não foi má. Com o dinheiro que levara, pensava
estabelecer-se em terras italianas, trabalhando no comércio de
fumo, ramo no qual era um mestre. O que ninguém sabia era que o
governo italiano detinha o monopólio do produto, frustrando os
planos de Umberto. Para piorar, a ascenção de Mussolini
ao poder, em 1922, instituindo o fascismo, enfraquecia ainda mais a já
debilitada autoridade do rei Vittorio Emmanuele III e ameaçava
as instituições democráticas. A Itália mergulhava
em grave crise. Não havia trabalho para todos. Pressionado pelas
circunstâncias, a Umberto não restou outra alternativa senão
hipotecar a propriedade que comprara em Ferrara. Tratava-se de um palacete
que pertencera a nobres italianos. Acabou perdendo tudo. Sem dinheiro,
sem trabalho e passando por sérias privações, resolveu
regressar ao Brasil, o que se deu por volta de 1926. Desembarcou com a
família no porto de Santos, dessa vez em situação
nada favorável, e rumou para São Paulo. Na Capital paulista,
ele, mulher e filhos puderam sentir a força do sangue Paroni: Carolina,
sua irmã, mulher de fibra, dona de uma coragem sem limites, já
havia providenciado tudo, inclusive uma casa para abrigar a família.
Na Rua seu irmão não ficaria; fome a família não
passaria, custasse o que custasse. Ela garantiria tudo, até que
as coisas melhorassem para Umberto. Seu gesto era um ato de amor, do amor
mais puro, do amor solidário e compreensivo, daquele amor que brota,
naturalmente, das profundezas da alma. Um amor nobre, que não necessita
de armas ou brasões para ser exibido ou explicado. Simplesmente
amor.
Cuore benedetto!
Cuore grato! Cuore...Paroni!
Com o apoio de parentes e amigos, Umberto foi à luta. Uma ajuda
importante foi a que recebeu dos sócios da firma Baldi & Baldi,
de Ubá, Minas, que lhe deram apoio e toda a orientação
necessária. Com isso, Umberto voltou a fazer o que sempre fizera:
vender fumo em corda. E foi na Rua Santa Rosa, perto de onde hoje está
o elegante Mercado Municipal de São Paulo (obra do ilustre arquiteto
Ramos de Azevedo) que ele montou seu comércio. O fumo haveria de
lhe dar, como deu, o sustento de sua família e a fama de ser um
dos mais fortes comerciantes do produto na praça de São
Paulo. Umberto venceu, mais uma vez. Essa atividade, com o tempo, passou
de pai para filho e foi habilmente exercida pelo caçula Nelson,
que manteve a tradição, até alcançar a merecida
aposentadoria.
A
família de Umberto viveu cerca de 5 anos na Itália, infelizmente
numa época nada favorável, não só para o país,
mas também para toda a Europa. A Primeira Grande Guerra deixara
horríveis feridas, muitas de difícil cicatrização.
Um quadro desses, é claro, não pode deixar boas lembranças.
Por isso, são poucas as fotos que registram a vida da família
na Itália. Julieta Gaia Paroni, esposa de Nelson, recorda que sua
sogra considerava os cinco anos que viveu na Itália como os piores
de sua vida. "A única boa imagem que ela dizia gostar de recordar
era o renascimento das flores que, com suas cores e seus perfumes, anunciavam
o início da primavera e o fim do gelado inverno. Ela contava, também,
que chegava a chorar toda vez que via uma bandeira do Brasil, tão
grande era a saudade. Ao desembarcar em Santos, na viagem de volta, por
estar muito magra e abatida, quase não foi reconhecida pelo pai",
conta Julieta. Aos 60 anos de idade, no dia 7 de abril de 1939, Umberto
partiu para sempre.
Dos
filhos do primeiro casamento, Atílio faleceu solteiro e Rino, cujo
nome completo era Plínio Rino Paroni, casou-se com a amparense
Norma Trentini, após viver uma sublime história de amor,
marcada por renúncias, resignação, fidelidade e respeito.
Depois de um namoro prolongado, aconteceu o casamento. A felicidade, entretanto,
não duraria muito. No dia 1 de dezembro de 1956, Rino faleceu,
sem deixar filhos. Era o final de uma linda história de amor. Norma
Trentini, que esperara a vida toda para casar-se com Rino, viveu apenas
quatro anos ao lado do amado e permaneceu viúva até morrer.
Seu amor era um só.
Zaíra casou-se com José Veronesi e teve três filhos:
Teresinha, Rosana e Lucilo. Teresinha casou-se com Carlos Alberto de Campos
e tem duas filhas: Suzana, casada com Marzagão Barbuto (que tem
dois filhos) e Cecília, mãe de Carlos Alberto de Campos
Filho, solteiro. Rosana casou-se com Jamil Lima e tem um filho, Francisco;
Lucilo foi casado com Zuleika Veronesi e deixou três filhos: Carlos,
José e Luís.
Alfredo e Breno faleceram solteiros.
Lucila casou-se com José Fracarolli, ambos falecidos, e deixaram
dois filhos: Sérgio (falecido) e Cleide, casada com Paulo Sérgio
Vilanova. Ricardo, Renata, Roberta e Rosana são os filhos do casal.
Dirce casou-se com Basílio de Nicola (ambos falecidos) e tiveram
um filho, Moacir, casado com Ismênia de Nicola.
Ada morreu solteira.
Nelson casou-se com Julieta Gaia Paroni e tem três filhos: Nelson
(casado com Marta Bruno), pai de Stephanie e Juliana; Nilson (casado com
Angélica Cinda Paroni) é pai de Giovanna e Marcela, e Nilton
(casado com Wania de Cássia Agnani ), pai de Humberto.
NOME,
O MAIOR PATRIMÔNIO
Constantino,
o terceiro filho do casal Antônio-Clotilde, nasceu em Paviole, bairro
de Canaro, no dia 28 de junho de 1880, na casa dos seus avós maternos,
como todos os outros irmãos. Embora Canaro pertença ao Vêneto
e Francolino, onde a família Paroni residia, à Emília-Romanha,
a distância não chegava a assustar o patriarca Antônio,
que não hesitava em levar sua mulher à casa da sogra todas
as vezes (e não foram poucas) que se aproximava a hora do parto.
Paviole fica do outro lado do rio Pó, ao norte de Francolino. Para
ir à casa dos pais de Clotilde, Antônio, ao que tudo indica,
usava barco para fazer a travessia e, uma vez lá, prosseguia a
viagem de carRuagem.
Pelo Livro de Registro de Nascimento da Comuna de Canaro, os pais de Clotilde
moravam na casa de número 60 em Paviole. O documento traz, ainda,
uma informação curiosa e preciosa, ao mesmo tempo. Com toda
a autoridade que lhe conferia o cargo, o oficial do Registro Civil, Giuseppe
Gramagna, dispensou Antônio de levar o menino recém-nascido
ao cartório, devido à dificuldade de locomoção,
considerando-se a distância entre Paviole e o centro de Canaro.
E "usando das atribuições que lhe conferia a lei",
fez questão de deixar o detalhe devidamente registrado na certidão
de nascimento.
A vida na nova terra não era fácil e exigia que todos trabalhassem.
Assim, desde cedo, os irmãos mais velhos partiram para a luta,
ajudando no sustento da família, que já era grande e ficou
maior ainda com o nascimento de Teresa (Gina, para os familiares), a única
brasileirinha do casal Antônio-Clotilde.
Aos 20 anos, quando se casou com a adolescente de 16 anos, Rosa Otolini
(de família oriunda da Toscana), no dia 11 de outubro de 1900,
Constantino tinha uma carroça (o veículo utilitário
daquela época) e com ela ganhava a vida transportando café
das fazendas e dos sítios à estação de Amparo.
Assim, por uma caprichosa coincidência da vida, o transporte de
mercadorias, como atividade profissional, reaparecia entre os Paroni,
só que dessa vez por terra e num país bem distante do rio
Pó e de Ferrara. Sempre trabalhando por conta própria, outra
marca registrada da família, e com as economias feitas à
custa de muitos sacrifícios, Constantino montou um açougue
no Largo da Estação, em Amparo. Ele e Rosa levantavam de
madrugada e trabalhavam duro até o anoitecer. A faina do dia-a-dia
não se limitava, porém, à venda de carne no açougue.
De quando em quando, Constantino viajava ao sul de Minas, onde comprava
bois e porcos para a engorda em Amparo e posterior abate no matadouro
local.
Depois de 6 anos de casamento, nascia seu primeiro e único filho,
registrado com o mesmo nome do patriarca Antônio, mas que toda a
família, mais tarde, conheceria por Nenê. E como Nenê
parece ser um apelido que acompanha seu portador pela vida afora, muitos
da família jamais souberam o seu verdadeiro nome. Era Nenê
e ponto final. Aliás, nomes e apelidos sempre causaram uma certa
confusão na família. Constantino, por exemplo, era conhecido
por Constante - nome que constava em todos os seus documentos brasileiros.
Hoje, a situação está regularizada pela retificação
feita com base nos documentos originais da Itália. Portanto, Constantino
é o nome que vale.
Confusões à parte, Constantino, com seu temperamento alegre
e extrovertido - características que o acompanhariam por toda a
vida - tornou-se uma das pessoas mais populares e estimadas de Amparo,
tanto pelos italianos e outros imigrantes, como pelos orgulhosos barões
do café e suas famílias. Além de querido, fez da
honestidade a bandeira de sua vida.
"Numa
tarde ensolarada - é Nenê quem conta - enquanto jogava
bola de meia, na rua, com meus amigos, desceu na estação
de Amparo, trazido pela barulhenta maria fumaça, um rico fazendeiro
de Minas, amigo do meu pai, com quem fazia negócios. Contrariando
a sua habitual calma, o homem estava apressado. Queria aproveitar o mesmo
trem para ir a Socorro encontrar-se com um fazendeiro local. Ao saber
que meu pai não estava, virou-se para mim, com um embrulho quadrado,
feito de jornal, e pediu:
-Nenê, entregue isso ao seu pai, peça para ele guardar, enquanto
prossigo viagem. Na volta, dentro de uns quinze dias, passo novamente
por aqui para buscar o pacote. Muito obrigado. Subiu no trem e partiu,
sem dizer mais nada.
Mais interessado em continuar jogando bola do que em outra coisa no momento,
entrei apressadamente no quarto, abri o guarda-roupa e lá coloquei
o embrulho. Quando voltou e ficou sabendo do acontecido, desconfiado de
que se tratava de algo muito importante, meu pai foi imediatamente ao
quarto e tratou logo de abrir o pacote. Embrulhadas no jornal, muito bem
arrumadinhas, lá estavam dezenas de cédulas de mil-réis.
Nunca vira tanto dinheiro junto. Foi uma visão fantástica,
uma imagem que ficou gravada para sempre nas minhas lembranças.
Ali, bem ali, debaixo dos nossos olhos, havia uma verdadeira fortuna em
dinheiro vivo que, segundo calculou meu pai, daria para comprar uma boa
fazenda de café na região. Na viagem de volta, o fazendeiro
mineiro passou pela nossa casa. Ao devolver-lhe o pacote com o dinheiro,
ouviu a bronca do meu pai:
- Onde você está com a cabeça? Deixar uma fortuna
dessas nas mãos de um menino, sem avisar nada? E a minha responsabilidade?
Isso não se faz!
Sem perder a calma e talvez até se divertindo com o desespero do
meu pai, o fazendeiro mineiro respondeu:
-Sei o que estou fazendo e com quem estou lidando.
Agradeceu, despediu-se, entrou no trem e partiu".
Foi uma inesquecível lição de vida para Nenê.
Comerciante bem-sucedido no ramo de carnes, Constantino comprou um sítio
enorme, "com três nascentes de água", no distrito
de Coqueiros (atual Arcadas), município de Amparo. Numa época
em que pouquíssimas pessoas tinham automóvel, a grande novidade
e até hoje símbolo de status para muitos, ele comprou um
Ford e deu de presente ao filho, a essas alturas um rapaz bonitão
e elegante, considerado um bom partido (como se dizia então) pelas
moçoilas casadoiras. Tudo corria às mil maravilhas, até
que estourou a grande crise mundial de 1929. "Conheci muitos fazendeiros
que dormiram ricos e acordaram pobres", costumava dizer Nenê,
quando se referia aos efeitos do episódio. "Conosco
não foi diferente, também perdemos tudo e tivemos
de recomeçar do zero", contava.
A
crise pegou todo mundo desprevenido, não havia dinheiro. A queda
do preço do café no Exterior arrastara consigo fazendas
e fazendeiros. As propriedades, rurais ou urbanas, não tinham valor.
Quando vendidas, geralmente para pagar as dívidas contraídas
pelo seu dono, alcançavam "preço de banana". A
propósito, quem viveu a crise de 29 não hesita em eleger
a banana como a fruta "salvadora da pátria"; por se tratar
de um produto farto e barato, chegou a ser a base da alimentação
de muitas famílias. Obrigatoriamente, fazia parte do minguado cardápio
da crise. Os italianos e descendentes defendiam-se também com a
tradicional polenta, prato de origem campesina. E foi graças a
essa dupla - banana e polenta - que conseguiram vencer a fome.
Esse quadro trágico e desesperador não foi suficiente para
desanimar Constantino. Não pensou duas vezes em se desfazer de
todo seu patrimônio, ainda que a "preço de banana",
para pagar dívidas, algumas contraídas por familiares. "O
mais importante é que o nome Paroni permaneceu limpo",
avaliava, todo orgulhoso. "Perdemos tudo, mas não ficamos
devendo nada".
O nome - o maior patrimônio da família - estava salvo!
No começo dos anos 30, Constantino resolveu trocar Amparo por São
Paulo, seguindo os passos de muitos irmãos, e deixando o filho,
já casado, com um armazém de secos e molhados em Coqueiros.
Na Capital, o destino não poderia ser outro: Brás, o bairro
que concentrava grande número de imigrantes italianos e também
onde moravam muitos dos seus irmãos. Abriu um açougue na
Rua Bresser, 373/377, defronte à Rua Maria Joaquina, e deu início
a uma nova fase de sua vida. Seu admirável temperamento brincalhão
possibilitou que fizesse amizade com todos - desde moradores, comerciantes,
pequenos industriais, operários das Indústrias Matarazzo
e da Metalúrgica Fracalanza, até os motorneiros e cobradores
do bonde "Bresser", que circulava nos dois sentidos, sempre
apinhado de gente. Constanino não era só um brincalhão.
Solidário e participante, integrado no espírito comunitário,
contribuiu, durante muitos anos, para a construção da Igreja
de Santa Rita, que estava sendo erguida no Pari.
Amante de uma pescaria, sempre que podia, Constantino
ia pescar, com o amigo Sebastião, no Tietê, lá pelos
lados do Pari, no final da atual Av. Carlos de Campos. Além das
varas, anzóis e minhocas, completavam seu equipamento de pesca
uma garrafa de vinho, pão e salame. Atraída pelas guloseimas,
a molecada vizinha, que morava nas casas humildes da Bresser, Maria Joaquina
e Souza Caldas, acompanhava a dupla com a certeza de garantir o lanche
da tarde. E a pescaria virava uma festa à beira do Tietê.
Às vezes, Constantino pegava no sono, vencido pelo cansaço
e pelos eflúvios do vinho, esquecendo-se da vara, do anzol e do
peixe. Numa dessas ocasiões, acordou com a gritaria da molecada,
que ficava atenta a qualquer movimento da linha, por menor que fosse:
-Seu Paroni, rápido, tem peixe fisgando a isca!
Constantino acordou na hora e mais do que depressa, tratou de puxar a
vara. Para sua alegria, fisgara uma baita traíra, que levou para
o açougue como um precioso troféu. Em poucos minutos, o
Brás inteiro já estava sabendo da grande façanha
do pescador. Com ele, tudo virava festa!
Sua
outra paixão era o Palestra Itália,
atual Palmeiras, situado no outro lado da cidade, na Zona Oeste, vizinho
ao Parque Antártica, área de lazer criada pela cervejaria
na Av. Água Branca, atual Francisco Matarazzo. Toda vez que ia
ao Tendal da Lapa encomendar a carne para o dia seguinte, dava um jeito
de passar pelo Palestra para bater um papo sobre as virtudes de Pepe,
Gogliardo e Serafini, a lendária "linha média"
da equipe, ou então sobre os dribles e os gols de Romeu Pellicciari,
Lara, Heitor e outros craques dos anos 30, mais tarde substituídos
por Oberdan, Junqueira, Fiume, Lima, Pipi e outros. Quando o Palestra
Itália foi obrigado a mudar de nome, forçado pela politicalha
da ditadura Vargas, fato ocorrido em 1942, Constantino ficou desgostoso
e deixou de ser sócio. Mas não de torcer. No dia 23 de novembro
de 1951, vítima de um derrame que o deixara acamado por dois anos,
Constantino faleceu. O Céu estava precisando de gente alegre e
extrovertida. E Deus o convocou.
Foi num baile no Grêmio de Amparo (Grêmio Recreativo, Cultural
e Artístico), clube dos italianos e descendentes, que Nenê
conheceu e se rendeu aos encantos de Maria Piva, uma linda jovem moradora
e nascida na cidade vizinha de Pedreira, cujos pais tinham vindo do Vêneto
(ele de Verona, ela de Mântova), no fim do século 19. Foi
paixão à primeira vista, fulminante, daquelas que vem para
ficar. Ao som dos violinos e embalados pelas valsas românticas,
nascia naquela noite uma história de amor e respeito. O namoro,
depois noivado, foi consolidado por uma união que duraria de 19
de outubro de 1927, data em que se casaram na Igreja de Sant'Ana, ainda
em fase de construção, em Pedreira, até 14 de julho
de 1959, em São Paulo, quando Maria partiu para sempre.
Desse casamento nasceram quatro filhos: Leilah (casada com José
Alberto Medeiros, mãe de Regina Maris e José Alberto e avó
de Luís Fernando, Leandro e Stella Maris, filhos do casamento de
Regina com Luís Mastelin), Lenny (casada com Wilson Panzuto e mãe
de Maria da Graça), Laudo (casado com Dirce Galastri, pai de Maria
Cláudia (casada com Alexandre Magalhães Terras pais de Leonardo
Paroni Terras) e de Laudo Júnior (casado com Deusa Karlla Almeida
e pai de Bruna, Rodrigo e André) e Liris (casada com Ezequias Ramos
e mãe de Rachel e Israel). Do casamento em segundas núpcias
com Yvone Rahme, nasceu Lúcia Helena (mãe de Beatriz e Antônio).
AMOR
ÀS RAÍZES
Em
1944, Nenê Paroni, depois de ficar 3 anos em Espírito Santo
do Pinhal, foi designado para trabalhar como Fiscal de Rendas no Posto
Fiscal de Amparo. A transferência representou para ele, como bom
amparense, um prêmio. Afinal, voltar para a terra natal, a sua tão
amada Amparo, significava um presente dos céus. Era gratificante
voltar àquele pedaço de chão que o viu nascer, crescer
e estudar no Colégio São Benedito, onde aprendeu francês,
inglês e até um pouco de alemão. Depois de empossado
no cargo, Clóvis, o chefe do Posto Fiscal, recomendou a Nenê
tomar, imediatamente, duas providências: frequentar o Clube 8 de
Setembro, tradicional reduto da elite amparense de então, e torcer
pelo Atlético de Amparo, arqui-rival, no futebol, do Floresta -
outro time da cidade. A adoção dessa medida, na opinião
de Clóvis, seria a receita "social e politicamente correta"
para Nenê "se dar bem na cidade".
A reação não demorou: fiel às suas raízes
de filho e neto de imigrantes, ele fez exatamente o contrário do
que recomendara o colega. Ingressou como sócio no Grêmio
(clube fundado por italianos) e liderou um movimento para a reabertura
do Floresta, que estava desativado por problemas financeiros. Nessa época,
Nenê morava na Rua Prudente de Morais, em frente ao Jardim Público
de Amparo, nas proximidades da Vila Afonso Celso, local onde o Floresta
tinha seu campo de futebol. E não perdia um jogo sequer do time
de seu coração, até ser transferido para a Capital,
em julho de 1948.
Anos mais tarde, em conversa com os filhos, Nenê justificava sua
"rebeldia" alegando que jamais seria capaz de trair suas raízes.
Naquela época, existia em Amparo um certo preconceito contra os
italianos e descendentes, por parte de alguns ricaços da cidade,
herdeiros dos barões do café. Esse anti-italianismo aumentou
- e muito - durante a Segunda Guerra Mundial (1939/1945), quando o Brasil,
que permanecera neutro até então, decidiu apoiar os Aliados
na luta contra as nações que compunham o chamado "eixo",
formado pela Alemanha, Itália e pelo Japão. Embora os imigrantes
(não só italianos, mas também alemães e japoneses)
nada tivessem com isso - muitos estavam vivendo aqui desde fins do século
19 - sofreram perseguições de toda ordem, incluindo até
mesmo o confisco de bens. Em Amparo, não se chegou a tanto, mas
os italianos e descendentes passaram por algumas humilhações.
Frequentar o Clube Oito, por exemplo, era sinal de status, porque o Grêmio
era dos "italianinhos" Nos "footings" do fim
de semana, por exemplo, os torcedores do Floresta, em sua maioria descendentes
de italianos, circulavam somente de um lado da Rua Treze de Maio, enquanto
os do Atlético ficavam no lado oposto. Invadir o domínio
do outro, era briga na certa. Coisas do futebol, esse esporte apaixonante
que separa as pessoas em vez de uni-las. Coisas da cruel propaganda de
guerra, que gerou ódios e transformou em vítimas difamadores
e difamados.
Hoje, felizmente, os tempos são outros e as diferenças ficaram
no passado. O Floresta abandonou o futebol e transformou-se em clube estritamente
social. Com isso, o Atlético tornou-se o único representante
da cidade nos campeonatos da III Divisão da Federação
Paulista de Futebol e ganhou o apoio de toda a população.
MULHER
MARAVILHA DESAFIOU A MORTE
Era
quase final de tarde quando Carolina apareceu na casa de Nenê e
Maria, na Rua das Olarias, 44, no Pari, com uma torta milagrosamente ainda
quentinha, como se tivesse acabado de sair do forno. A distância
entre sua casa, na Av. Celso Garcia, proximidades da Rua Bresser, e a
do filho do seu irmão Constantino, embora considerável,
não foi suficiente para esfriar a guloseima. Hiperativa de corpo
e mente, ela gostava de andar longos percursos a pé, deixando para
trás até os mais jovens e bem preparados.
Torta entregue e inteirada das novidades no bate-papo que sempre mantinha
com Maria, dispôs-se a voltar para casa, no Brás. E, claro,
a pé. Preocupada que algo lhe pudesse acontecer, porque já
tinha uma certa idade, Maria pediu à filha Leilah, sem que Carolina
soubesse, acompanhasse a tia-avó pelo menos até o início
da Bresser. Com a desculpa de que também teria de ir até
o Brás, Leilah ofereceu-se para acompanhá-la. Quando chegaram
à Rua Silva Telles, Carolina virou-se para ela e disse:
-Obrigada pela companhia, viu bela? Deixe que sigo sozinha. Não
precisa ficar preocupada. Ciao!
E para mostrar que estava em plena forma, deu dois pulinhos, entrou numa
loja por uma porta, saiu pela outra e partiu rapidamente rumo à
Celso Garcia. Para espanto de Leilah e de alguns transeuntes, que viram
a cena sem nada entender.
Carolina, quinta filha de Antônio Paroni e Clotilde Gennari Paroni,
também nasceu em Canaro, Província de Rovigo, região
do Vêneto, no dia 23 de setembro de 1885. Documento emitido pela
Prefeitura de Ferrara revela seu verdadeiro nome - Giuseppa. Não
se sabe se Carolina era seu segundo nome ou se ela o adotou por não
gostar do primeiro. Hipóteses à parte, devemos ficar, em
nossa narrativa, com o nome Carolina, que a acompanhou vida afora e, sem
dúvida, é mais bonito que Giuseppa. Vamos respeitar, portanto,
a preferência da nossa mulher-maravilha.
Depois de desembarcar com a família em Santos e de ficar um tempo
na Hospedaria dos Imigrantes, Carolina seguiu para Amparo, onde os Paroni
se dedicaram ao trabalho do campo e, logo após, ao comércio.
Seu neto, o médico Nelson Egea, conta que, segundo lhe relatou
a própria avó, Carolina iniciou a vida em Amparo fazendo
e vendendo doces nas festas da padroeira, no Largo da Matriz (hoje Praça
Monsenhor João Batista Lisboa), no Largo do Rosário e, às
vezes, em Monte Alegre do Sul, na época, distrito de Amparo. Seus
doces eram tão afamados que entre os fregueses estava o jovem Francisco
Prestes Maia - chamado por ela de "Mainha"- que no futuro seria
o grande Prefeito de São Paulo.
Nelson Egea lembra um episódio que aconteceu na época de
Getúlio Vargas, quando Prestes Maia era o prefeito da Capital:
"- As autoridades eram respeitadas, algumas até temidas, pela
população. O prefeito não fugia à regra. Era
um ser todo-poderoso e inacessível à grande maioria. Mas
não para Carolina. Quando ela tinha de resolver qualquer problema
com seus imóveis (o que era bastante comum), ia pessoalmente ao
Gabinete do Prefeito. Para falar com Prestes Maia, anunciava-se com o
"a italiana de Amparo", sem se preocupar em marcar audiência.
E era recebida de braços abertos pelo ilustre Prefeito, habitualmente
um homem sério e pouco dado a conversa. Tive a felicidade de participar
de um desses encontros. Sou testemunha ocular do acontecimento".
Carolina casou-se em Amparo com Felício Bordonalli (italiano de
Treviso), no dia 19 de setembro de 1903 e tiveram quatro filhos: Jenny,
Angélica, Áureo e Olympia. Na década de 20, mudaram-se
para São Paulo, onde abriram um restaurante no Largo da Concórdia,
no Brás, mais tarde transferido para sua filha Angélica,
que se casara com Gines Egea Andrés, em 1927. Em seguida, estabeleceram-se
com uma loja na Av. Rangel Pestana, na praça em frente à
Estação do Norte (hoje Estação Roosevelt),
por onde circulavam os trens da Central do Brasil. Nelson diz que se tratava
de um estabelecimento comercial grande, que vendia de tudo, desde armarinhos,
roupas, sapatos, e material de caça e pesca até armas de
fogo. "Seria, hoje, considerada uma boa loja de departamentos",
comenta ele, acrescentando que o local funcionou durante as décadas
de 30 e 40, sempre com grande movimento.
Na década de 50, Carolina passou a residir em um sobrado de sua
propriedade, situado na Av. Celso Garcia, bem em frente ao tradicional
Cine Universo - o único no Brasil a ter um teto móvel, que
era aberto em noites quentes e estreladas. "Foi a primeira vez que
ela morou em uma casa própria, embora fosse dona de vários
imóveis. Minha avó considerava mais negócio morar
de aluguel do que imobilizar capital na compra de um imóvel para
esse fim. Preferia investir o dinheiro no comércio", revela
Nelson. Carolina acumulou um patrimônio imobiliário invejável,
considerado do tipo classe média alta. Entretanto, a morte do casal
Carolina/Felício e a deterioração dos imóveis
contribuíram para desvalorizar o pé-de-meia. A partilha
dos bens atingiu cifras apenas razoáveis.
Para Nelson, Carolina foi uma mulher de personalidade forte, uma guerreira
por natureza. ''Ela tinha um coração de ouro, era solidária
e jamais negou auxílio aos irmãos e filhos. Sempre presente
nos momentos mais difíceis, inteligentíssima, viva e enérgica,
mas bondosa, minha avó era dotada de um senso comercial fora do
comum e extraordinário amor pelo trabalho. Já Felício,
seu marido, era um "bon vivant" e passou toda a sua vida à
procura de trabalho...", brinca. "Além de excelente comerciante,
minha avó era cozinheira de mão cheia. Fazia como ninguém
macarrão, linguiça e até a deliciosa "pancetta".
Também sabia costurar muito bem".
Estava sempre com pressa e uma de suas "marcas registradas"
era o birote na nuca, que prendia seus longos e bastos cabelos grisalhos.
DURA
NA QUEDA
Carolina
faleceu no início de 1960, mas não entregou os pontos facilmente.
Sua tenacidade desafiou a própria morte, fazendo-a vencer a primeira
batalha. Mas, como ninguém é eterno, perdeu a guerra. Nelson
Egea conta, com detalhes, como isso aconteceu:
"Ela era cardíaca, mas rebelde ao tratamento. Nunca se cuidou
como devia, por isso seu estado piorou e ela teve uma parada cardíaca.
Um médico, meu colega, a atendeu e constatou seu falecimento. Como
ele não tinha, no momento, a folha para fazer o atestado de óbito,
saiu para buscá-la. Voltou e começou a preencher o laudo
médico. De repente, para surpresa dele e de todos os presentes
- inclusive eu, médico também - Carolina voltou a respirar.
Voltou à vida com força total. Até hoje não
sei definir corretamente o que aconteceu, se ela ressuscitou ou não.
Importante: depois de alguns dias, desceu a escadaria do sobrado onde
morava e foi negociar a renovação do contrato de locação
com um inquilino. Ganhou um televisor novinho a título de luvas..."
Coisas de mulher-maravilha!
Nelson Egea conclui sua narrativa acrescentando que Carolina faleceu -
desta vez "definitivamente" - dias mais tarde.
O Céu não podia esperar mais.
A união entre Carolina Paroni e Felício Bordonalli resultou
no nascimento de quatro filhos. Jenny, a primeira, casou-se com Domingos
Dias Hernandez e teve três filhos: Dionísia (Nizinha), casada
com Armando Pereira e mãe de Armando Pereira Filho, nora de Sônia
Bresser Pereira (primeiro casamento) e avó de Talita, Tatiana e
Taciana; do segundo casamento com Sônia Gonzalez Pereira, nasceu
seu neto, Armando Pereira Neto. Nizinha e Armando tiveram outro filho,
Miguel, que faleceu. Armando Hernandez, o segundo filho de Jenny, casou-se
com Medina e teve uma filha, Rosely Hernandez de Abreu, mãe de
Daniel Henrique, Leonardo Augusto e Luís Felipe; Fausto, o terceiro,
casou-se com Rosa e é pai de Elisabete, Fábio e Fausto Filho,
este pai de Itamar e Lívia Hernandez.
Angélica, a segunda filha de Carolina e Felício, casou-se
com Gines Egea Andrés. Desse casamento nasceram Nelson e Milton
Egea. Nelson casou-se com Clara Redorat e é pai de Mauro Redorat
Egea (casado com Sueli Micelli e pai de Débora e Florence) e de
Pérsio Redorat Egea, solteiro. Milton casou-se com Maria Cecília
Galvão, que são pais de Fernando, Eduardo e Roberto Galvão
Egea.
Olympia Bordonalli, a terceira filha de Carolina/Felício, casou-se
com Alberto Piovesan e teve uma única filha, Neusa Olímpia,
casada com Valdir da Silva, mãe de Luís Carlos e Cibele
e avó de Camila, filha de Luís Carlos.
O quarto filho, Áureo, conhecido por Néio, não tem
descendentes.
A união entre Carolina e Felício resultou em 4 filhos, 6
netos, 13 bisnetos e 12 trinetos, totalizando 35 descendentes. A família
tem 6 engenheiros, 2 médicos, uma médica-veterinária,
um biomédico, dois professores, um advogado, uma dentista e um
engenheiro e advogado.
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Laudo
Paroni
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