Saúde: A corrupção que mata

Quarta-Feira, 13/12/2006

Nova York, 13/12/2006 – A Organização Mundial da Saúde aponta suas baterias contra um poderoso adversário: a corrupção vinculada à multimilionária indústria farmacêutica internacional. Essa agência da Organização das Nações Unidas, com sede em Genebra, estabeleceu como seu objetivo lutar por mais transparência no fornecimento e na regulamentação dos medicamentos. Segundo dados da OMS, gasta-se a astronômica quantia de US$ 50 bilhões por ano em produtos farmacêuticos, “um mercado enorme e muito vulnerável à corrupção”, diz a organização.

“Somos conscientes de que existe corrupção de vários tipos tanto em países de baixa renda quanto entre os de renda alta”, disse Guitelle Baghdadi-Sabeti, do Departamento de Políticas e Pautas para Medicamentos da OMS. Essas práticas ilícitas “causam perda de grandes quantidades de dinheiro que poderiam ser usadas para comprar remédios muito necessários ou contratar mais pessoal nas instituições médicas”, disse Baghdadi-Sabeti à IPS. “Em poucas palavras, a corrupção no setor da saúde mata. Mas graças à imprensa, de certa forma essas práticas vêm à luz”, acrescentou. A OMS reconhece que “a corrupção é um problema complexo, imenso e difícil de resolver”.

Em outubro, esta agência organizou um “encontro de estratégia” com 40 participantes entre países-membro, doadores ocidentais, representantes da sociedade civil e organizações internacionais dedicadas a promover a boa administração no setor da saúde. O plano de luta contra a corrupção na indústria farmacêutica faz parte do programa “Boa gestão para os medicamentos”, da OMS. Esta agência da ONU tem em mãos um informe da organização Transparência Internacional segundo o qual em um país, não identificado, o valor de dois de três remédios fornecidos pelos departamentos encarregados disso se perdeu devido a corrupção e fraudes em centros de saúde.

A Transparência Internacional, com sede em Berlim, estima que entre 10% e 25% do gasto público em logística de fornecimento, incluindo o setor de saúde, se perdem devido à corrupção. “Isso é uma aberração quando se sabe que os pobres lutam contra uma dupla complicação: A pesada carga das doenças e a dificuldade de ter acesso a medicamentos”, disse o subdiretor-geral de Tecnologia da Saúde e Produtos Farmacêuticos da OMS, Howard Zucker. “As nações devem enfrentar este problema e garantir que os preciosos recursos destinados à saúde sejam bem aproveitados”, acrescentou.

O objetivo da OMS é frear a corrupção na área da saúde pública através de um enfoque que contempla três etapas, cuja aplicação pode ajustar-se à realidade de cada nação, explicou Baghdadi-Sabeti. A primeira etapa consiste em avaliar a transparência e a vulnerabilidade diante da corrupção das funções-chave nos sistemas de logística nacional e das autoridades que respondem pelas regulamentações em matéria de medicamentos. Em segundo lugar, devem ser desenvolvidos e aplicados contextos éticos que promovam a boa administração na saúde pública, mediante um processo de consulta consensual. Finalmente, é preciso socializar o contexto ético nacional através da capacitação de funcionários quanto aos princípios de boa gestão em saúde pública.

A OMS também ressalta que, em nações de baixa renda, o gasto com remédios pode chegar a 50% do custo total da atenção sanitária. Isso significa dizer que “as práticas corruptas são extremamente prejudiciais para os orçamentos de saúde”. Segundo esta agência, a corrupção pode aparecer em diferentes etapas da cadeia do fornecimento de medicamentos, começando por funcionários públicos subornados para permitir o registro de remédios que não atendem aos requisitos necessários.

A corrupção também se revela na seleção de membros dos comitês de registro de medicamentos ou na contratação de pessoal que fará a regulamentação, muitas vezes baseada no favoritismo e não nos méritos profissionais. Também há casos de roubo e malversação de fundos em centros de saúde. Para combater o problema, a OMS pretende incentivar a criação de leis contra a corrupção e promover sistemas padronizados de controle, bem como a realização de inspeções e balanços periódicos que limitem e previnam as ações ilícitas, colocando à disposição da população os critérios e procedimentos aplicados na seleção do pessoal responsável pelo fornecimento e regulamentação de produtos médicos.

A OMS destaca que o Fundo Mundial de Luta contra a Aids, a Tuberculose e a Malária aprovou até agora projetos no valor de US$ 3,5 bilhões, com cerca de US$ 6,5 bilhões adicionais da Fundação Bill e Melinda Gates. “Mas a corrupção no setor público pode prejudicar estes esforços com a malversação desses fundos vitais. Por fim, sua boa implementação dependerá da boa gestão em nível nacional”, alerta a agência.

No mês passado, a OMS também lançou outra campanha mundial, junto com mais 20 organizações, para lugar contra a venda de remédios falsificados. Mais de 30% dos medicamentos da América Latina, sudeste da Ásia e África subsaariana são adulterados, segundo um estudo conjunto da OMS, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Pharmaceutical Security Institute. Em muitas ex-repúblicas soviéticas estes produtos podem representar mais de 20% do valor de mercado, enquanto nas nações industrializadas, com fortes mecanismos de regulamentação, representam menos de 1%. O estudo também assinala que mais de 50% das vendas ilegais feitas pela Internet são de remédios falsificados. (IPS/Envolverde).

Fonte: Envolverde