Um Breve Histórico

 

Um dos gêneros literários mais controvertidos pode dizer-se que é a Ficção Científica. Defini-lo parece ser um esforço colossal frente as várias maneiras como é apresentado.
Porém, de acordo com um dos maiores escritores do gênero, Isaac Asimov, "a Ficção Científica (FC) pode ser definida como o ramo da literatura que trata das respostas do ser humano frente as mudanças sociais ocorridas em decorrência do desenvolvimento da ciência e da tecnologia".

A FC, na verdade, apresenta a característica de ser uma literatura para a exposição de idéias, e como diz a definição de Asimov, uma tentativa de apresentar soluções e previsões diante das conseqüências dos avanços e retrocessos que a ciência promove de acordo com as atitudes humanas.
Conceituar e estabelecer o que vem a ser uma obra de FC não é tarefa fácil devido à amplitude e abrangência das várias formas de abordagem como tem sido elaboradas. Portanto, você pode escrever uma história de amor, mistério, de viagem na selva, de esporte e continuar sendo FC. Basta tomar o conteúdo de qualquer desses escritos, situá-los num meio social que envolve uma sociedade significativamente diversa da nossa em tecnologia e ciência; demonstrar como isso se insere nos secretos recessos da natureza e condição humanas; e a obra não será unicamente grande literatura, mas também ficção científica.

As origens e influências literárias que atuaram e atuam na mente dos escritores desse gênero são difíceis de serem situadas. No entanto, o gênero de aventuras e viagens extraordinárias, desde a época de Plínio (escritor Romano 61 ou 62 -c. 113), talvez tenha exercido forte influência, mesmo porque, as primeiras histórias que podem ser consideradas FC baseavam-se em enredos dessa natureza. Exemplo disso são os contos de Júlio Verne em 20.000 Léguas Submarinas, A Volta ao Mundo em 80 Dias e O Primeiro Homem na Lua. Em tais histórias, sem dúvida nenhuma, usa-se o clichê da aventura à mundos extraordinários utilizando-se do artifício do conhecimento científico para construir-se instrumentos e tipos de transporte que possibilitem vir à alcançar os seus fantásticos destinos.

Mas, a FC, com mais precisão, surgiu no começo do século XIX como resposta literária a uma nova curiosidade que de fato não existiu durante anos anteriores na história da humanidade.
Antes daquele século, nunca houve mudanças visíveis na maneira essencial de viver no decurso da existência de um indivíduo. As invenções e mudanças advindas da descoberta do fogo, agricultura, a roda e o arco e flecha advieram a intervalos tão longos, estabeleceram-se de um modo tão lento , disseminaram-se tão demoradamente de seus pontos de origem que o ser humano, individualmente, não foi capaz de perceber qualquer mudança no decurso de sua vida que a afeta-se de maneira irreversível.

Porém, com o advento da Revolução Industrial, a velocidade do processo científico aumentou incessantemente. Tal revolução disseminou-se além de seu ponto de origem com uma rapidez sem precedentes. A velocidade das mudanças cresceu, sendo notada durante a vida de uma só pessoa. Entretanto, as pessoas parecem não gostar de mudanças rápidas, obrigando-as a adquirir novos hábitos e deixar de lado outros enraizados há séculos. Tornam-se pessimistas diante do avanço tecnológico.

E é justamente durante a revolução industrial que surge a primeira história que pode ser considerada de FC: Frankstein, de Mary Shelley, publicado em 1818, na Inglaterra, berço da Revolução Industrial. O romance tratou da criação da vida, não por meio da magia ou apelo sobrenatural, mas pela aplicação racional de técnicas científicas. O livro diz respeito às desastrosas conseqüências do mau uso dessas técnicas. Quem conhece a história sabe, o "Monstro" destruiu Frankstein, seu criador.

Porém, o legado da revolução industrial, ampliando o acesso aos bens materiais das burguesias e o surgimento de novas técnicas em medicina, o uso da eletricidade e o surgimento das mais variadas máquinas para o uso humano, tanto fabril como doméstico, tornou a sociedade otimista e a FC mudou seu rumo. Esses altos e baixos, ou seja, pessimismo e otimismo, permeiam constantemente os escritos de FC.

Por tudo isso, os textos de ficção científica, individualmente considerados, podem parecer banais aos muitos críticos e filósofos de hoje. Mas no âmago deste gênero, sua essência, o conceito em torno do qual ela se desenvolve, é extremamente rico e profundo, pois permite uma investigação minuciosa e abrangente de nossas atitudes frente a problemas sociais, emocionais e por que não dizer, científicos.
O resultado disso são inúmeros diálogos que resultaram em previsões um tanto obvias, mas que a grande maioria das pessoas não estava preocupada ou simplesmente interessada em admitir que aconteceriam, pois a humanidade, em geral, mesmo hoje em dia, aceita sem maior exame a idéia de que as coisas não mudam. Exemplo disso é a que a primeira vez que se discutiu a escassez do petróleo e, que o ser humano teria que buscar novas fontes de energia, não foi na década de 1970, e sim na de 1920 por H. G. Wells em seu livro: Os Recantos do Coração, publicado em 1921.

Em muitas das críticas que fazem a ficção cientifica, é colocado que ela é uma literatura de evasão e que tem como proposta afastar as pessoas das ásperas realidades da vida para um mundo utópico e irreal. Na verdade, se pararmos para pensar, quem realmente esteve no mundo da fantasia? Não serão aqueles que estavam convencidos de que o dia de amanha seria exatamente como de hoje e ficou aguardando as longas filas nos postos de gasolina antes de decidir que poderia chegar o dia dessas filas intermináveis?

Além dessa previsão, outras mais como catástrofes ambientais, conseqüências da poluição, superpopulação, as epidemias, além de discussões sobre racismo, preconceito sexual, aborto, clonagem, computação, o surgimento e as conseqüências dos conflitos armados modernos; tudo isso baseando-se em uma especulação cientifica.

Portanto, a FC promove a liberdade de pensamento, idéias, filosofias, em fim, discute a sociedade humana como ela é ou como poderia ou aproximadamente será.

A Ficção Científica no cinema, na maioria de suas produções, não possuía a categoria e seriedade que a literária alcançou.

No entanto, a partir da década de 50, alguns filmes baseados em escritores de qualidade começaram a ser produzidos. Uma dessas produções foi o filme As 20.000 Léguas Submarinas, baseado no livro, de mesmo nome, de Júlio Verne. Este filme mostrava a essência do pensamento cientifico encarnado no Capitão Nemo, personagem central da historia, com seus sonhos de transformar o mundo com suas descobertas, mas caindo na armadilha do egoísmo e da vaidade, destruindo assim sua própria obra.

Na década de 1960 surge, talvez, a mais discutida, controvertida e mal recebida - na época - produção para a televisão cchamada Jornada Nas Estrelas. Através de seu criador,
Gene Rodemberry, um ex-piloto e engenheiro da marinha americana, Jornada Nas Estrelas se tornou a série de ficção cientifica mais bem conceituada dentre os entendidos do gênero, quebrando definitivamente a idéia de que não se conseguiria fazer FC séria no cinema ou na televisão. Os roteiristas dos episódios eram escritores de vanguarda, abordando temas polêmicos como a sexualidade,  Guerra Fria, o dualismo religião e ciência, as maquinas inteligentes e sua possibilidade de superação da espécie humana, superpopulação e outras abordagens tanto filosóficas, econômicas e políticas. Gene Rodemberry dizia que sua intenção era discutir o mundo em que vivia e contribuir de alguma forma para expor tais questões a um número cada vez maior de pessoas. Jornada Nas Estrelas se tornou um Cult dentre os aficionados do gênero. Mesmo depois da série ter saído do ar, ela dava lucro como nenhuma outra em audiência, na repetição de seus episódios. 

Em 1968 acontece o que é considerado o grande marco do cinema na FC: o filme 2001 Uma Odisséia No Espaço. Baseado no livro de Arthur C. Clarke e dirigido por um dos mais discutidos e premiados diretores do cinema internacional, Stanley Kubrik, o filme estabelece de forma quase surrealista, o desenvolvimento biológico e tecnológico do ser humano, fluindo de maneira conjunta e indissociável, de um mundo primitivo a mais exuberante conquista do espaço. Um exemplo disso é a cena da descoberta, por um hominídeo, de uma nova tecnologia, transformando um simples osso em um instrumento de ataque e defesa; conseqüentemente, o homem sendo transportado de uma posição indefesa e submissa entre os outros animais, ao completo domínio do seu ambiente. Além disso, o filme aborda de maneira impecável as perspectivas - riscos e sucessos - de uma sociedade totalmente dependentee de maquinas inteligentes e coloca a sociedade de 1968 diante da realidade da conquista e expansão espacial pela civilização humana. Em 1977, outro marco na FC cinematográfica, através do primeiro filme da trilogia de Guerra Nas Estrelas. Um filme um pouco mais juvenil, que para muitos, banal e sem conteúdo sério, vem discutir uma nova maneira de encarar o universo e talvez o próprio sentimento religioso. A Força, um poder que permeia todo o Universo é colocado em mãos humanas e o seu uso, com sabedoria e humildade, pode fazer o homem transcender as dimensões conhecidas. Na verdade, não é mais um filme sobre o Bem contra o Mal, mas uma nova forma de enfrentar com mais sabedoria as nossas próprias fraquezas; que o poder para traçar os destinos da humanidade está em nossas mãos e de ninguém mais . Em meio a aventura, naves especiais, guerras à laser, todos os temperos holywoodianos de folhetim e um fantástico trabalho nos efeitos especiais, nunca um filme infanto-juvenil possuiu um conteúdo filosófico-emocional tão profundo. 

Outro dos mais impressionantes momentos da FC do cinema está na volta de Jornada Nas Estrelas, que da TV vai para as grandes telas em 1979 com o filme Jornada Nas Estrelas - O Filme. Um dos pontos marcantes do roteiro foi colocar o ser humano e a maquina inteligente passando a ser um só ser. A maquina une-se ao seu criador, adquirindo emoções e percepções humanas. Estabelecia -se a partir daí uma nova forma de vida, e conseqüentemente, um novo passo para a evolução humana.

É preciso deixar claro que a abordagem deste texto não se refere a uma visão puramente técnica no que diz respeito a produção cinematográfica em si. Mas sim, o compromisso que os escritores, produtores e diretores tiveram em contemplar, pelo menos, alguns dos principais objetivos da FC literária (exposição de novas idéias, conseqüências da relação tecnologia e sociedade etc.) nas produções para o cinema. 

Na década de 80, grandes e boas produções cinematográficas de FC foram realizadas. No entanto, a maioria delas dava seqüência às produções da década anterior como Jornada Nas Estrelas e Guerra Nas Estrelas. Mas uma nova produção foi marcante: Alien - O 8o Passageiro. Este filme nos reportava a três temas interessantes. O primeiro é que ele mostrava uma sociedade no futuro com alta tecnologia mas com uma mentalidade social tão atrasada como a atual. O segundo, foi o filme ter chamado a atenção das Religiões Ufológicas, que naquela época pregavam com grande ênfase, que os alienígenas inteligentes seriam seres extremamente sábios, compreensivos e salvadores da nossa ignorância para com o Universo. O filme contraria esse pensamento trazendo a figura de um alienígena inteligente mas que, por ser uma forma de vida tão diferente da nossa, nos trata, pura e simplesmente, como hospedeiros de procriação e alimento, como qualquer outro predador. O terceiro é que, de forma brilhante, traz uma personagem Mulher que consegue, de maneira corajosa, heróica, inteligente e determinada (qualidades supostamente masculinas), salvar a humanidade do contato com aquele predador alienígena tão perigoso.

Na década de 90, três filmes são importantes em minha opinião. O primeiro é Jurassic Park. Um filme baseado no livro de Michael Crichton, é uma verdadeira aula de paleontologia. Traz no seu roteiro a discussão sobre o uso da ciência sem finalidades úteis para a sociedade; mais que isso, o seu uso para empreendimentos que visam apenas o lucro. Ë levantada de maneira brilhante o dilema sobre o uso da ciência por aqueles que apenas usufruem dos seus resultados, não participando do processo criador, e com isso, não tendo real noção das possíveis conseqüências, ruins ou não.

O segundo é Contato de 1997. Baseado no romance de mesmo nome, escrito pelo cientista e escritor Carl Sagan, nos põe diante do abismo, do incerto futuro - futuro do Universo e, conseqüentemente, nosso próprio futuro. Contato levanta a questão de como a humanidade reagiria ao se deparar com o conhecimento de que existem civilizações em outras partes do Universo. Contato é uma historia que não trata apenas do possível contato entre seres humanos e extraterrestres inteligentes; trata também do contato, aqui em nosso próprio planeta, entre os humanos e do individuo consigo mesmo.

O terceiro é Matrix. Um dos melhores filmes da década de 90. Traz no seu roteiro, a discussão sobre a possível superação das maquinas inteligentes sobre os seres humanos; mostra como nossa sociedade acrítica pode ficar a mercê do Sistema, já que se recusa a pensar; e ainda, faz uma critica literal do comportamento virótico do ser humano para com o seu planeta. Além disso, o filme traz no seu bojo fantásticos efeitos especiais que servem muito bem para simbolizar e audiovisualizar o próprio roteiro.

Por fim, o mundo cinematográfico tem feito um esforço em tornar as produções atrativas para o público em geral, gerando grandes lucros, sem perder de vista os objetivos da FC. Esperamos que neste século XXI, mais e cada vez melhores produções sejam compiladas; que não caiam, justamente, no mundo social de Matrix.