Che Guevara, Um Revolucionário Exemplar


Deputado IVAN VALENTE PT/SP


Pronunciamento realizado na Câmara dos Deputados em 08/10/1997


Senhor Presidente,

 

Senhoras e Senhores Parlamentares,

 

Hoje 08 de outubro, estamos há 30 anos da data que ficou marcada na História como sendo aquela do assassinato de uma das figuras mais notáveis deste século - Ernesto Che Guevara, eliminado, na Bolívia, no povoado de La Higuera, pelas forças armadas daquele país, em colaboração com a Agência Central de Inteligência Americana.

Hoje, Sr. Presidente, 30 anos depois, esse médico argentino, nascido em Rosário, em 14 de junho de 1928, é lembrado no mundo todo como uma das figuras marcadas pelo desprendimento, pelo idealismo e pela convicção transformadora e revolucionária de que um homem não deve viver de joelhos, deve almejar objetivos mais amplos na sua vida  para o seu povo e para os explorados e oprimidos do mundo.

Ernesto Che Guevara era um cidadão argentino que tinha toda a retaguarda da classe média daquele tempo que, nos anos 50, sob o peronismo, vivia em seu país um período de prosperidade econômica. No entanto, ele optou por varar a América Latina e conhecer sua realidade e seus povos. Diante do que viu, firmou a compreensão de que sua ação  como médico deveria associar-se ao combate às iniquidades, à opressão, à exploração e à exclusão social. Nessa caminhada passou pela Bolívia, pela Guatemala, onde pôde viver, como médico e como militante político, a rica experiência do exercício do governo e da derrota (pela intervenção militar norte-americana)  do governo democrático de Jacobo Arbenz.

 

Um Militante Latino-Americano

É como assinalou o cientista social brasileiro Eder Sader: “quando as tropas invasoras penetram na capital guatemalteca e começam as execuções, o nome de Ernesto Guevara figurava na lista dos condenados à morte. É nesse momento que ele sente mais fortemente a barbárie do imperialismo, escondida atrás da ‘defesa da democracia’: fuzilamentos, derrubada de um governo constitucional, abolição de direitos dos trabalhadores. E de outro lado,  comprova a fragilidade dos governos e partidos reformistas, prisioneiros das estruturas do poder burguês. E a atitude das burguesias nacionais e de suas forças armadas, que recuam ante a polarização das lutas, precipitando-se sob a proteção da dominação estrangeira”.

Frente a tal situação, o Che vai para o  México, onde conheceu Fidel Castro e aqueles que mais tarde protagonizariam a Revolução Cubana, como Camilo Cienfuegos, Raul Castro e tantos outros.

É universalmente conhecida a epopéia dos revolucionários que, a bordo do “Granma”, sairam do México em direção a Cuba e, na “Ilha”, após os primeiros revezes do desembarque, ganham a “Sierra Maestra” para empolgar o país e derrotar a ditadura de Fulgêncio Batista e os apoiadores do poder imperialista. O exemplo em que se constitui a Revolução Cubana na América Latina tem como uma de suas marcas: Ernesto Che Guevara.

Entendo, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, que Che Guevara foi, antes de tudo, um homem de ação, mas com base teórica. Foi também ser revolucionário capaz de ir às últimas conseqüências em suas ações, inclusive correndo todos os riscos que implicam tais opções - vale dizer, de sua própria vida - em defesa de suas idéias.

Revolucionário e Estadista

Como se sabe, Che Guevara foi também um homem de Estado. Um estadista na acepção forte da expressão. Um homem que, como representante de um Estado ( no caso, um Estado de tipo novo, revolucionário), ao invés de expressar os interesses das grandes corporações e grupos econômicos privilegiados, materializava de forma viva e marcante a voz e os anseios das maiorias exploradas e oprimidas de Cuba e do nosso Continente, que nunca tiveram voz e vez.

Na condição de homem de Estado, Che Guevara foi responsável pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária e pelo Banco Nacional de Cuba e, depois, Ministro das Indústrias. À frente desses cargos, Che consolidou, aquilo que já havia afirmado nos campos de batalha: sua condição entre os principais dirigentes do processo revolucionário cubano. É nessa condição e nesse ínterim, que ele viaja pelo mundo, no combate para romper a sabotagem e o cerco econômico, político, diplomático, militar, ideológico e cultural movido, sobretudo, pelo imperialismo ianque contra a revolução. É também nesse quadro que ele comparece à famosa Conferência da OEA em Punta del Este, convocada para condenar a “Ilha” e distribuir financiamentos americanos aos governos leais. É nesse evento onde ele tem a oportunidade de mostrar sua habilidade e firmeza, passando de acusado a acusador do imperialismo e de seus lacaios.

Como é sabido, terminada essa reunião, ele vai clandestinamente à Argentina encontrar-se com o então Presidente da República, Frondizi (que seria deposto posteriormente por um golpe militar) e vem a Brasília, onde é condecorado pelo Presidente Jânio Quadros.

De outra parte, é amplo o leque de assuntos aos quais o revolucionário Ernesto Che Guevara procurou responder. Seus inúmeros escritos são um testemunho disso. Sem pretender discorrer aqui sobre sua obra, é necessário destacar que esses trabalhos evidenciam um homem preocupado em combater o objetivismo que então dominava o marxismo, ameaçando torná-lo uma espécie de escolástica. As páginas que Che produziu materializam o talento e a tensão de um revolucionário preocupado em ressaltar o valor do exemplo pessoal e coletivo, da disciplina e da rebeldia na luta de classes e na luta pelo socialismo. As obras do Che enfatizam a sua preocupação  em valorizar o nacionalismo revolucionário, a ação anti-imperialista e internacionalista como elementos centrais da luta socialista na América Latina. Um dos aspectos mais importantes do aporte político-teórico de Che - e certamente um dos que lhe conferem uma marca mais nítida entre os maiores revolucionários que a humanidade produziu - diz respeito à sua preocupação com o que tem sido denominado “humanismo revolucionário”.

Nesse terreno, Che Guevara não foi somente o militante que não se intimidou em sublinhar: “deixe-me dizer, com o risco de parecer de ridículo, que o verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor”. Ele foi entre os grandes socialistas deste século um dos que se destacou por enfatizar a necessidade da construção do homem novo como parte do processo de revolucionarização da sociedade em direção ao comunismo. Ele negava que esse objetivo pudesse se tornar tangível com base nos interesses individuais herdados do capitalismo.

Eis porque valorizava a educação como elemento decisivo na transição socialista. Eis porque o Che atribuía a valores como, solidariedade, disciplina, honestidade, integridade pessoal etc. importância central nessa caminhada. O Che mais do que ninguém destacou - conforme a correta percepção de Eder Sader - a “superioridade humana daqueles que dedicam suas vidas à revolução, frente àqueles que só cuidam de seus interesses particulares. E o poder de convencimento desse discurso moral elementar repousou sempre na franqueza transparente de suas palavras: tratava-se de alguém que nada possuía e nada pedia a não ser melhores condições para continuar lutando”.

Desnecessário sublinhar que, como militante de ação e como formulador, o Che foi um dos construtores do regime revolucionário que vige em Cuba. Ele esteve entre os principais responsáveis pela grandiosa e pioneira realidade e prática de um regime político, econômico e social que se comprometeu e prioriza de fato saciar a fome de pão, de terra, de educação, de saúde, de cultura, de esporte, de lazer e de participação política  dos  “deserdados da terra”:  vale dizer das maiorias.

Sim, Senhor Presidente, estamos falando das grandiosas conquistas sociais da revolução e do povo cubanos. Conquistas que simultaneamente desperta tanta admiração da consciência popular e democrática dos povos do mundo e desatam tanto temor, tanto ódio e tanta sabotagem da parte dos poderosos e da burguesia internacional, a começar pelo imperialismo norte-americano, que lhe move o mais criminoso e hediondo boicote que a História já registrou.

Pois bem, para a vitalidade, para a força, para a capacidade de resistência que esse povo e esse processo revolucionário têm demonstrado (e hão de demonstrar até a vitória!) pesam substantivamente, também, a invenção, a formulação, as lições práticas do Che, que em si mesmo constitui uma boa evidência do papel de um indivíduo singular na História de um grande povo e de uma grande revolução. 

 

 

Ética Revolucionária contra a Burocracia

É na construção dessa trajetória de homem de armas e de Estado que o Che, vai explicitar, em condições muito difíceis, mais uma faceta igualmente admirável: a de não se dobrar ante a arrogância e a conduta fossilizada de potenciais ou efetivos aliados. Aqueles que na luta social de fato se preocupam com a idéia e com a questão concreta da integridade revolucionária e com a ética devem se mirar no exemplo do Che. Com todo cuidado e com toda a responsabilidade dos cargos que ocupava ele não deixou de efetivar o bom combate e de denunciar o burocratismo e o farisaísmo dos dirigentes dos Partidos, autodenominados comunistas, então no poder na ex-URSS e na China. Temos, aqui, portanto, uma outra dimensão dessa extraordinária personalidade revolucionária: a do combate ao burocratismo de certos dirigentes e partidos que se reivindicavam de esquerda.

A propósito disso, não podemos deixar de anotar que essa é uma conduta verdadeiramente revolucionária, corajosa e generosa; muito diferente daquela adotada pelos que, hoje, tal como “engenheiros de obras prontas”, numa linha de submissão ao “espírito tempo”, em nome da denúncia dos absurdos e atrocidades praticadas naqueles países, tratam de bombardear a luta revolucionária e o socialismo, tentando “jogar fora, junto com a água suja, a criança e a bacia”.  

Mas, Senhoras e Senhores Parlamentares, o Che Guevara não se contentou em ser um dos mais prestigiados membros do Estado de Cuba. Tampouco deitou-se sobre os louros da condição de dirigente de uma  revolução vitoriosa.  Como conseqüência do seu combate ao burocratismo e da necessidade de expandir o processo transformador na América Latina e pelo mundo, ele foi ao Congo Belga, agora Zaire, e mais tarde à Bolívia, onde seria combatido e assassinado pelas forças armadas daquele país. 

Che Guevara foi capturado vivo, Sr. Presidente, e depois de ferido e desarmado, foi covardemente assassinado em La Higuera. Mais tarde, secretamente, foi enterrado em Vallegrande. Somente este ano foi recuperado seu cadáver, que foi transladado para Cuba.

Neste dia, Sr. Presidente, cabe perguntarmos e refletirmos sobre o que traduz, hoje, a imagem de Che Guevara que está estampada no peito de tantos jovens?  Entendo que reflete antes de tudo rebeldia e inconformismo ante a exploração e a opressão tão exacerbadas nestes tempos neoliberais.

Digo mais, aqueles que querem folclorizar a imagem de Che Guevara, institucionalizá-la ou até comercializá-la não o conseguirão porque em seu olhar fixo, duro, rebelde, cobrador, insolente, generoso, brilha a igualdade social e a rejeição ao “status quo”. Nesse olhar cintila a transformação, a fraternidade, a luta e a revolução, que continua significando transformação radical da ordem econômica, política, social, cultural e libertação popular.

Por tudo isso, Sr. Presidente, tentamos realizar uma sessão solene em homenagem a Che Guevara, mas, por questões burocráticas da Casa, pois no mês de outubro já estavam programadas duas sessões solenes, não foi possível homenagear este herói latino-americano com todas as honras para que pudéssemos nos mirar no exemplo de Che Guevara.

Neste ponto reside a questão central.

O que querem negar a Che Guevara é o seu exemplo para milhões de pessoas, estudantes, trabalhadores e para os povos oprimidos. Os poderosos têm medo da sua vontade, do seu exemplo e da sua generosidade.

Aqui, desta tribuna, queremos homenagear um homem, um revolucionário na acepção mais profunda dessa palavra.

 Queremos homenagear um ser político com uma enorme folha de realizações em prol da humanidade. Um militante revolucionário, que  certamente cometeu erros, precisamente porque “ousou lutar, ousou fazer e ousou vencer”. Justamente por isso e por ter perseguido com tanto intensidade os macro-acertos, ele cometeu erros políticos, incorreu em avaliações que posteriormente revelaram-se falhas e assim por diante. Características pois de uma personalidade e de uma obra políticas (e não de uma figura e de uma doutrina místicas) que permanecem vivas, como produtos humanos;  em dialogo fecundo com a contemporaneidade.

Em contrapartida temos notícia de que,  hoje, o Gal. Hugo Banzer,  que foi um dos ditadores da Bolívia, com mais cerca de cem militares, pretende homenagear os soldados que mataram nosso homenageado.

Milhões de pessoas vão continuar se lembrando de Che Guevara porque ele, por sua ação e destino, eterniza-se como um dos maiores revolucionários de todos os tempos. Enquanto isso, Hugo Banzer e seus sequazes vão para “lata do lixo da história” e serão lembrados, no máximo, como aquelas figuras menores e pálidas, sempre dispostas a sujar as mãos e alienar qualquer noção de honra e integridade, por algumas míseras lentilhas, em favor dos poderosos de plantão.

Che Guevara vive!

Muito obrigado,

 

Deputado Ivan Valente

Outubro/97






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