Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores
Parlamentares,
Hoje 08 de outubro,
estamos há 30 anos da data que ficou marcada na História como sendo aquela do
assassinato de uma das figuras mais notáveis deste século - Ernesto Che
Guevara, eliminado, na Bolívia, no povoado de La Higuera, pelas forças armadas
daquele país, em colaboração com a Agência Central de Inteligência
Americana.
Hoje, Sr. Presidente, 30
anos depois, esse médico argentino, nascido em Rosário, em 14 de junho de
1928, é lembrado no mundo todo como uma das figuras marcadas pelo
desprendimento, pelo idealismo e pela convicção transformadora e revolucionária
de que um homem não deve viver de joelhos, deve almejar objetivos mais amplos
na sua vida para o seu povo e para
os explorados e oprimidos do mundo.
Ernesto Che Guevara era
um cidadão argentino que tinha toda a retaguarda da classe média daquele tempo
que, nos anos 50, sob o peronismo, vivia em seu país um período de
prosperidade econômica. No entanto, ele optou por varar a América Latina e
conhecer sua realidade e seus povos. Diante do que viu, firmou a compreensão de
que sua ação como médico deveria
associar-se ao combate às iniquidades, à opressão, à exploração e à
exclusão social. Nessa caminhada passou pela Bolívia, pela Guatemala, onde pôde
viver, como médico e como militante político, a rica experiência do exercício
do governo e da derrota (pela intervenção militar norte-americana) do governo democrático de Jacobo Arbenz.
Um Militante Latino-Americano
É como assinalou o
cientista social brasileiro Eder Sader: “quando as tropas invasoras penetram
na capital guatemalteca e começam as execuções, o nome de Ernesto Guevara
figurava na lista dos condenados à morte. É nesse momento que ele sente mais
fortemente a barbárie do imperialismo, escondida atrás da ‘defesa da
democracia’: fuzilamentos, derrubada de um governo constitucional, abolição
de direitos dos trabalhadores. E de outro lado,
comprova a fragilidade dos governos e partidos reformistas, prisioneiros
das estruturas do poder burguês. E a atitude das burguesias nacionais e de suas
forças armadas, que recuam ante a polarização das lutas, precipitando-se sob
a proteção da dominação estrangeira”.
Frente a tal situação,
o Che vai para o México, onde
conheceu Fidel Castro e aqueles que mais tarde protagonizariam a Revolução
Cubana, como Camilo Cienfuegos, Raul Castro e tantos outros.
É universalmente
conhecida a epopéia dos revolucionários que, a bordo do “Granma”, sairam
do México em direção a Cuba e, na “Ilha”, após os primeiros revezes do
desembarque, ganham a “Sierra Maestra” para empolgar o país e derrotar a
ditadura de Fulgêncio Batista e os apoiadores do poder imperialista. O exemplo
em que se constitui a Revolução Cubana na América Latina tem como uma de suas
marcas: Ernesto Che Guevara.
Entendo, Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados, que Che Guevara foi, antes de tudo, um homem de ação,
mas com base teórica. Foi também ser revolucionário capaz de ir às últimas
conseqüências em suas ações, inclusive correndo todos os riscos que implicam
tais opções - vale dizer, de sua própria vida - em defesa de suas idéias.
Revolucionário e Estadista
Como se sabe, Che Guevara
foi também um homem de Estado. Um estadista na acepção forte da expressão.
Um homem que, como representante de um Estado ( no caso, um Estado de tipo novo,
revolucionário), ao invés de expressar os interesses das grandes corporações
e grupos econômicos privilegiados, materializava de forma viva e marcante a voz
e os anseios das maiorias exploradas e oprimidas de Cuba e do nosso Continente,
que nunca tiveram voz e vez.
Na condição de homem de
Estado, Che Guevara foi responsável pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária
e pelo Banco Nacional de Cuba e, depois, Ministro das Indústrias. À frente
desses cargos, Che consolidou, aquilo que já havia afirmado nos campos de
batalha: sua condição entre os principais dirigentes do processo revolucionário
cubano. É nessa condição e nesse ínterim, que ele viaja pelo mundo, no
combate para romper a sabotagem e o cerco econômico, político, diplomático,
militar, ideológico e cultural movido, sobretudo, pelo imperialismo ianque
contra a revolução. É também nesse quadro que ele comparece à famosa Conferência
da OEA em Punta del Este, convocada para condenar a “Ilha” e distribuir
financiamentos americanos aos governos leais. É nesse evento onde ele tem a
oportunidade de mostrar sua habilidade e firmeza, passando de acusado a acusador
do imperialismo e de seus lacaios.
Como é sabido, terminada
essa reunião, ele vai clandestinamente à Argentina encontrar-se com o então
Presidente da República, Frondizi (que seria deposto posteriormente por um
golpe militar) e vem a Brasília, onde é condecorado pelo Presidente Jânio
Quadros.
De outra parte, é amplo
o leque de assuntos aos quais o revolucionário Ernesto Che Guevara procurou
responder. Seus inúmeros escritos são um testemunho disso. Sem pretender
discorrer aqui sobre sua obra, é necessário destacar que esses trabalhos
evidenciam um homem preocupado em combater o objetivismo que então dominava o
marxismo, ameaçando torná-lo uma espécie de escolástica. As páginas que Che
produziu materializam o talento e a tensão de um revolucionário preocupado em
ressaltar o valor do exemplo pessoal e coletivo, da disciplina e da rebeldia na
luta de classes e na luta pelo socialismo. As obras do Che enfatizam a sua
preocupação em valorizar o
nacionalismo revolucionário, a ação anti-imperialista e internacionalista
como elementos centrais da luta socialista na América Latina. Um dos aspectos
mais importantes do aporte político-teórico de Che - e certamente um dos que
lhe conferem uma marca mais nítida entre os maiores revolucionários que a
humanidade produziu - diz respeito à sua preocupação com o que tem sido
denominado “humanismo revolucionário”.
Nesse terreno, Che
Guevara não foi somente o militante que não se intimidou em sublinhar: “deixe-me
dizer, com o risco de parecer de ridículo, que o verdadeiro revolucionário é
movido por grandes sentimentos de amor”. Ele foi entre os grandes
socialistas deste século um dos que se destacou por enfatizar a necessidade da
construção do homem novo como parte do processo de revolucionarização
da sociedade em direção ao comunismo. Ele negava que esse objetivo pudesse se
tornar tangível com base nos interesses individuais herdados do capitalismo.
Eis porque valorizava a
educação como elemento decisivo na transição socialista. Eis porque o Che atribuía
a valores como, solidariedade, disciplina, honestidade, integridade pessoal etc.
importância central nessa caminhada. O Che mais do que ninguém destacou -
conforme a correta percepção de Eder Sader - a “superioridade humana
daqueles que dedicam suas vidas à revolução, frente àqueles que só cuidam
de seus interesses particulares. E o poder de convencimento desse discurso moral
elementar repousou sempre na franqueza transparente de suas palavras: tratava-se
de alguém que nada possuía e nada pedia a não ser melhores condições para
continuar lutando”.
Desnecessário sublinhar
que, como militante de ação e como formulador, o Che foi um dos construtores
do regime revolucionário que vige em Cuba. Ele esteve entre os principais
responsáveis pela grandiosa e pioneira realidade e prática de um regime político,
econômico e social que se comprometeu e prioriza de fato saciar a fome de pão,
de terra, de educação, de saúde, de cultura, de esporte, de lazer e de
participação política dos
“deserdados da terra”: vale
dizer das maiorias.
Sim, Senhor Presidente,
estamos falando das grandiosas conquistas sociais da revolução e do povo
cubanos. Conquistas que simultaneamente desperta tanta admiração da consciência
popular e democrática dos povos do mundo e desatam tanto temor, tanto ódio e
tanta sabotagem da parte dos poderosos e da burguesia internacional, a começar
pelo imperialismo norte-americano, que lhe move o mais criminoso e hediondo
boicote que a História já registrou.
Pois bem, para a
vitalidade, para a força, para a capacidade de resistência que esse povo e
esse processo revolucionário têm demonstrado (e hão de demonstrar até a vitória!)
pesam substantivamente, também, a invenção, a formulação, as lições práticas
do Che, que em si mesmo constitui uma boa evidência do papel de um indivíduo
singular na História de um grande povo e de uma grande revolução.
Ética Revolucionária contra a Burocracia
É na construção dessa
trajetória de homem de armas e de Estado que o Che, vai explicitar, em condições
muito difíceis, mais uma faceta igualmente admirável: a de não se dobrar ante
a arrogância e a conduta fossilizada de potenciais ou efetivos aliados. Aqueles
que na luta social de fato se preocupam com a idéia e com a questão concreta
da integridade revolucionária e com a ética devem se mirar no exemplo do Che.
Com todo cuidado e com toda a responsabilidade dos cargos que ocupava ele não
deixou de efetivar o bom combate e de denunciar o burocratismo e o farisaísmo
dos dirigentes dos Partidos, autodenominados comunistas, então no poder na
ex-URSS e na China. Temos, aqui, portanto, uma outra dimensão dessa extraordinária
personalidade revolucionária: a do combate ao burocratismo de certos dirigentes
e partidos que se reivindicavam de esquerda.
A propósito disso, não
podemos deixar de anotar que essa é uma conduta verdadeiramente revolucionária,
corajosa e generosa; muito diferente daquela adotada pelos que, hoje, tal como
“engenheiros de obras prontas”, numa linha de submissão ao “espírito
tempo”, em nome da denúncia dos absurdos e atrocidades praticadas naqueles países,
tratam de bombardear a luta revolucionária e o socialismo, tentando “jogar
fora, junto com a água suja, a criança e a bacia”.
Mas, Senhoras e Senhores
Parlamentares, o Che Guevara não se contentou em ser um dos mais prestigiados
membros do Estado de Cuba. Tampouco deitou-se sobre os louros da condição de
dirigente de uma revolução
vitoriosa. Como conseqüência do
seu combate ao burocratismo e da necessidade de expandir o processo
transformador na América Latina e pelo mundo, ele foi ao Congo Belga, agora
Zaire, e mais tarde à Bolívia, onde seria combatido e assassinado pelas forças
armadas daquele país.
Che Guevara foi capturado
vivo, Sr. Presidente, e depois de ferido e desarmado, foi covardemente
assassinado em La Higuera. Mais tarde, secretamente, foi enterrado em
Vallegrande. Somente este ano foi recuperado seu cadáver, que foi transladado
para Cuba.
Neste dia, Sr.
Presidente, cabe perguntarmos e refletirmos sobre o que traduz, hoje, a imagem
de Che Guevara que está estampada no peito de tantos jovens? Entendo que reflete antes de tudo rebeldia e inconformismo
ante a exploração e a opressão tão exacerbadas nestes tempos neoliberais.
Digo mais, aqueles que
querem folclorizar a imagem de Che Guevara, institucionalizá-la ou até
comercializá-la não o conseguirão porque em seu olhar fixo, duro, rebelde,
cobrador, insolente, generoso, brilha a igualdade social e a rejeição ao
“status quo”. Nesse olhar cintila a transformação, a fraternidade, a luta
e a revolução, que continua significando transformação radical da ordem econômica,
política, social, cultural e libertação popular.
Por
tudo isso, Sr. Presidente, tentamos realizar uma sessão solene em homenagem a
Che Guevara, mas, por questões burocráticas da Casa, pois no mês de outubro já
estavam programadas duas sessões solenes, não foi possível homenagear este
herói latino-americano com todas as honras para que pudéssemos nos mirar no
exemplo de Che Guevara.
Neste ponto reside a
questão central.
O que querem negar a Che
Guevara é o seu exemplo para milhões de pessoas, estudantes, trabalhadores e
para os povos oprimidos. Os poderosos têm medo da sua vontade, do seu exemplo e
da sua generosidade.
Aqui, desta tribuna,
queremos homenagear um homem, um revolucionário na acepção mais profunda
dessa palavra.
Queremos homenagear um ser político com uma enorme folha de
realizações em prol da humanidade. Um militante revolucionário, que
certamente cometeu erros, precisamente porque “ousou lutar, ousou fazer
e ousou vencer”. Justamente por isso e por ter perseguido com tanto
intensidade os macro-acertos, ele cometeu erros políticos, incorreu em avaliações
que posteriormente revelaram-se falhas e assim por diante. Características pois
de uma personalidade e de uma obra políticas (e não de uma figura e de uma
doutrina místicas) que permanecem vivas, como produtos humanos;
em dialogo fecundo com a contemporaneidade.
Em
contrapartida temos notícia de que, hoje,
o Gal. Hugo Banzer, que foi um dos
ditadores da Bolívia, com mais cerca de cem militares, pretende homenagear os
soldados que mataram nosso homenageado.
Milhões de pessoas vão
continuar se lembrando de Che Guevara porque ele, por sua ação e destino,
eterniza-se como um dos maiores revolucionários de todos os tempos. Enquanto
isso, Hugo Banzer e seus sequazes vão para “lata do lixo da história” e
serão lembrados, no máximo, como aquelas figuras menores e pálidas, sempre
dispostas a sujar as mãos e alienar qualquer noção de honra e integridade,
por algumas míseras lentilhas, em favor dos poderosos de plantão.
Che
Guevara vive!
Muito
obrigado,
Deputado
Ivan Valente
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