Drama barroco e modernidade em walter benjamin
Introducão
Este pequeno estudo visa avaliar a função do tirano no drama
barroco bem como as conseqüências alegóricas suscitadas
na filosofia de Walter benjamin no que diz respeito ao caráter barroco
encontrado na contemoporaneidade. Essas conseqüências, entretanto,
não poderão ser vistas de forma conclusiva ou como se fossem
uma analise formal que se pretendesse definitiva. Opostamente a isso, como
se verá, a “conseqüência barroca na modernidade” se consistirá
numa antinomia.
Mas como conduzir o esforço para compreender Benjamin ? Se houver
uma análise estrutural, é bom que ela não seja “estruturada”!
Se houver uma dialética, que não haja síntese! ( Pelo
menos não a síntese tradicional hegeliana). Além disso,
não se encontrará em Benjamin uma origem que não for
uma origem por assim dizer, sem princípios ( inegendrada ) e um
fenômeno, sem solidão conceitual.
Entre os diversos caminhos que se seguiram na consecução
deste pequeno trabalho, devo dizer, elegi, por tentação,
o próprio cominho do nosso autor __ Melhor dizendo, optei pelo descaminho.
Significando assim que “os desvios”, “as interrupções”, “as
fraturas”, “as descontinuidades, serviram-me de instrumento para tentativa
de conversar com os termos benjaminianos evocando-os
de seus conteúdos possíveis erigindo assim a imagem desse
pequeno mosaico. Em suma, quanto ao estilo do próprio Walter benjamin
: Elegi-o por tentação e tento erigi-lo por fragmentos.
O Triunfo da Alegoria
Em sua tese de livre docência iniciada em 1923, a origem do drama
barroco alemão , Walter benjamin identifica a alegoria como a principal
marca do teatro barroco. Originalmente do grego allegorei que
é a exposição de um pensamento de forma figurada ou
ainda a invenção de um artifício que representa uma
coisa para dizer outra.
Considerando a alegoria em seu sentido mais amplo, Benjamin a contrapõe
ao símbolo. Valorizando aquela em detrimento deste, ele enfatiza
a riqueza da diversidade que a alegoria suscita. A concretização
de idéias, qualidades, por meio de imagens (figuras), permite
a alegoria abarcar mais profundamente os significados multiplicando-os.
A alegoria alfabética, notadamente, os sinais gráficos dos
“hieróglifos”, manifestam o afastamento dessas da linguagem sagrada.
Mesmo entre os antigos Egípcios que procuravam assegurar o “caráter
sagrado da palavra escrita”, sintomaticamente eles eram obrigados, devido
a rigorosidade instrumental e semântica da língua, a retornar
ao mundo dos significados humanos.
Poderíamos dizer de Benjamin o que ele diz de Wincklelman, considerando
sua “Descrição do torso de Hércules no Belvedere de
Roma”(1) olhar penetrante... “totalmente anti-clássico”. Mas limitemo-nos
a igualá-los na reverência áquela “sabedoria dos antigos”
( sapientia veterum ) da renascença, da qual ambos se aproximam
( O .D.B., p.193). É o confronto entre “panacéia espiritual”
e a “eterna repetição das cenas de martírio dos modernos”.
A alegoria considera do ponto de sua significação do drama
barroco é virtualmente carregada de antinomias. A multiplicidade
de significações pode também consumar em significações
quaisquer. “Na perspectiva alegórica, portanto, o mundo profano
é ao mesmo tempo exaltado e desvalorizado”. Perdida a linguagem
sagrada, o mundo das artimanhas minisfesta-se como martírio. Então,
alternadamente recai-se entre a exaltação do divino e a glorificação
do profano.
Sendo assim, o barroco, já desde a sua concepção básica,
seus efeitos estéticos, tanto quanto sua carga cultural tem por
relevo a questão da alegoria. Ainda resguardando seu sentido etimológioco
__ Allegorei. ( falar do outro) __ ela por si só evoca outra “sombra”
que permeia todo o barroco, que agrupando-se a ela representam ambas foco
central que fundamenta o “TRAUERSPIEL” __ A melancolia. Como a alegoria
se transforma em melancolia ? Pela perda !
No teatro barroco a perda não se limita a questão da linguagem.
Só o fato de “falar o outro” já subentende uma perda,
uma desagregação, um prejuízo. A esse dano segue-se
um sentimento de ausência designado pela melancolia.
DRAMA BARROCO E TRAGÉDIA
Além do sentimento de melancolia sugerida no drama barroco, entre
as suas características gerais encontra-se a preocupação
freqüente com a temporalidade incerta (o acaso), a sensação
de abandono no mundo como uma dor, a fatalidade ávida por acontecer
a todo o momento, e , como se não bastasse, há os morticínios,
a sensação de que tudo é sem sentido e que se vive
num estado de guerra permanente.
Sob o ponto de vista estético, utiliza-se no palco barroco “cenários
enormes e suntuosos, música instrumental como reflexo da glória
de Deus e do poder da igreja”. (2).
Walter benjamin, ao longo de seu livro sobre a “origem do drama barroco”,
identifica uma série de erros de interpretação do
significado dos temas barrocos feitas pela pesquisa acadêmica de
sua época e também na análises feitas em épocas
ulteriores ao teatro barroco.
Encontramos nas cenas da tragédia clássica a mesma condição
de aflição que enfrenta o homem ( príncipe herói
) __ ANER “ o homem viril “ (3) barroco perante seu destino e perante aos
Deuses, sentimento esse que incorpora o terror da morte ou
seja, a consciência da mortalidade que se dará pela
catástrofe.
Há uma série de comparações possíveis,
analogias comunhões mesmo, entre o drama barroco e a tragédia.
Entretanto, Benjamin postula que a massa de comentadores da inventiva
barroca se auto-influenciaram confundindo numa mesma imagem, drama
barroca e tragédia. Ao passo que Walter Benjamin reconhece nelas
uma distinção salvando a autonomia do drama barroco enquanto
idéia. Além de outras distinções, Benjamin
reconhece que o drama barroco descreve como protagonistas personagens absolvidos
em sua condição abjeta de simples criaturas humanas ainda
que estes sejam heróis ou reis. Enquanto que na tragédia,
os heróis trágicos, reis e príncipes, reúnem
dentro de si o destino de forma individual, ou seja a tragédia o
herói trágico rompe com a “cláusula” que o relega
à condição de simples mortal e prenuncia-o para
além da humanidade na vitória sobre os deuses.
Para bem compreendermos o teatro barroco na dimensão segundo a qual
é para Benjamin a sua dimensão mais representativa __
A partir da alegoria __ Procurarei traçar, então, os periféricos
que envolvem a alegoria e especificamente a função do príncipe
no drama barroco.
As personagens do drama barroco, sobretudo o príncipe e o cortesão
manifestam em si próprios uma marca caracteristicamente barroca
__ A ambigüidade. O príncipe é ambíguo. Integram
se nele duas faces poderosas: A do mártir e a do tirano. Também
o cortesão, seguindo o ditame habitual do ambiente barroco apresenta
a ambigüidade em suas atitudes como santo e intrigante.
A peça do teatro barroca centraliza-se na figura do príncipe.
A ele é destinado assegurar a ordem e a estabilidade da comunidade
por meios ditatoriais. O príncipe incorpora a história e
passa a confundir-se com ela aumenta assim seu poder de convencimento.
A obsessão pela catástrofe, a relação do sujeito
entregue ao mundo das coisas, juntamente com a imanência radical
do maneirismo barroco contrapõe-se ao ideal histórico da
estabilização do estado que se preocuparia com a garantia
constitucional da prosperidade militar, cientifico-artística e eclesiástica
dentro do estado.
Ao “preparar o terreno” para a discussão da questão do tirano
no “drama barroco”, Benjamin analisa a confrontação jurídica
entre as doutrinas do direito da idade média e o novo conceito de
soberania que formou-se no século XVII. No século das luzes,
ressurgia o velho problema do tiranicídio. Meditava-se nessa época
mais especificamente na figura do usurpador.
No drama barroco a discussão se apresenta aludindo a iminência
da instauração do estado de exceção. É
esse ato específico que caracteriza o tirano em sua função
: “A função do tirano é restauração
da ordem durante o estado de exceção : uma ditadura cuja
vocação utópica será sempre a de substituir
as incertezas da História pelas leis de ferro da Natureza” (O.D.B.
p97)
De acordo com Benjamin, a teoria do estado de exceção no
drama barroco assenta-se sobre uma antítese: sua obsessão
pela idéia de catástrofe contraposta ao “ideal histórico
da restauração”. Assim, a sociedade, num momento de conflitos,
revoltas, instabilidade financeira, guerras etc. Em fim, num momento de
grande turbulência, vê sendo instaurado o estado de exceção.
Aparentemente, a instauração do estado de exceção
( suspensão das Leis com objetivo de restaurar a ordem) faz-se de
modo necessário. O príncipe não age como o tivesse
instaurado. Todo acontecido, considerado insuspeito o desejo do príncipe
em provocá-lo , aparece a todos como: “Instituiu-se” o estado de
exceção, não por acaso, ou por alguém específico,
mas por necessidade. O destino e o príncipe-história fundam-se,
desta forma, para estabelecer seu escopo no drama barroco e exercer sua
função na cidade __ Apaziguar a história. Por fim,
o príncipe exerce tão bem a sua função que,
que ao longo do período do estado de exceção, o público
sujeita-se, aceita-se, acostuma-se a situação, e pelo hábito,
então, o estado de exceção tornar-se-á regra.
É neste ponto de ação do príncipe ao instaurar
o estado de exceção que recorremos a analogia pela qual Benjamin
identifica na sociedade moderna os elementos características do
barroco. “O final desse livro (TRAUERSPIELBUCH) é marcado por uma
discussão teológica do mal trazendo à tona a existência
problemática do intelectual moderno” (4) : “O saber, e não
a ação, é o modo de existência mais própria
do mal”. (O.D.B. p.253).
Como foi visto, o príncipe é mártir e homem comum;
é tirano e vítima do destino . Considerando o aspecto do
mártir revolucionário, o príncipe se comporta como
um estóico da alma, o controle de suas emoções eqüivale
ao controle exercido na cidade. Por outro lado, esse estado de exceção
dentro da alma, unido ao domínio do acontecimento histórico
sucumbido juntamente com a natureza (poder do mais forte) pelo príncipe,
leva o a uma posição ambivalente : Ele subjuga a natureza
promovendo o estado de exceção dentro da alma, mas é
completamente sujeitado pela natureza em sua condição humana.
Na modernidade, isso vale tanto para o tempo de Benjamin quanto ao nosso,
vivemos sob a emergência ou ainda sob o influxo do estado de exceção.
Temos, por exemplo, a ocultação do sujeito na história
e nas elaborações intelectuais; “Diz-se que, falou-se que”
Indicando ação de cujo agente se faz abstração.
Ao mesmo tempo, gerações entorpecidas pela ditadura da luxuria
sobre o amor ( alheias a valores matriciais e passivas, sujeitas as coisas
como se elas estivessem sempre assim, integram a bancada do “misère”
barroco. Por fim, a difusão da mercantilização
de toda a realidade humana, apresentou-se como uma armadilha radicalmente
capitulada pela sociedade moderna, criada pelo próprio homem, acabou-se
revoltado contra ele, limitando o seu alcance na escala de valores. O homem
moderno, então, é uma pessoa não só estética,
mas essencialmente barroca.
Conclusão
À guisa de conclusão, não poderia omitir, entre o
intuito que me levou à formulação deste pequeno trabalho,
o reconhecimento da insuficiência da analise e interpretação
aqui levantadas em razão do rápido passamento por entre os
tópicos e da limitação do conteúdo aqui proposto.
Não foi possível, infelizmente, por exemplo, no campo limitado
e suscinto da presente pesquisa, analisarmos mais aprofundadamente questões
relevantes como a historiografia bejaminiana, a própria questão
da melancolia no barroco, e o tempo na tragédia etc.
Poderíamos ter passado a vista ainda __ considerando as conseqüências
do drama barroco identíficadas na sociedade moderna __ Sobre
a “ditadura da ciência”, como sabemos, caminha em direção
a algum lugar que não se sabe bem ao certo __ Todos os caminhos
são possíveis, inclusive os da aniquilação
das espécies terrestres, as quais a ciência aparentemente
procura salvar __ Na modernidade, especificamente no momento em que o conhecimento
científico é altamente especializado e difundidamente privatizado,
sabe-se menos ainda aonde se quer chegar. Embora não investiguemos
essas questões adequadamente, elas exigem, sem dúvida, maiores
atenções.
NOTAS
Citado
por Benjamin : Johamn (Joachim) winckelmann: Leipzig, 1866. p.443 e segs.
Eloá
Heise, Ruth Röhl __ “História da Literatura Alemã” .
p.16. Série Princípios., ed. Ática, 1986.
Para
uma análise mais detalhada das recorrências nas tragédias
gregas dos termos ( “Brotós, Anthopos, anér)
utilizados para se referirem ao termo “Homem” ou ainda “Humanidade”. Ver
: “Ética”. __ Org. Adauto Novaes, “Tragédia Grega e o Humano”
__ Nicole Loraux p.20 em diante. SP. Cia da Letras : Secretaria Municipal
de Cultura, 1992.
O
Professor Willi Bolle Trata desse tema num belíssimo livro em que
observa a questão da imagem dialética a luz da “obra das
passagens” e outros trabalhos de Benjamin . Para isso ver : Willi bolle
__ “Fisiognomias da metrópole moderna” , Representação
da história em Walter Benjamin. p . 127 SP . Edusp. !994
BIBLIOGRAFIA
Eloá Heise, Ruth Röhl __ “História da Literatura Alemã” . p.16. Série Princípios., ed. Ática, 1986.
Benjamin Walter __ “Doc. de Cultura, Doc de Barbárie”, ed. Cultrix. SP 1986.
Grazia, Sebastian de __ “Maquiavel no Inferno”, Trad. Denise Bothman SP ed. Cia das Letras 1993
Konder, Leandro __ Walter Benjamin __ “O Marxismo da Melancolia”. RJ . Ed. Campos. 1988.
Osborne,
Piter __ “A filosofia de W. Benjamin: “Destruição e experiência”
ed. Jorge Hazar Trad. Maria Luiza Borges . 1997