— Merda! — exclamou Kenner.
— Que foi? — perguntou Gerard, prontamente.
— Esta porra tem picles. Não sabia que Big Mac tinha tanto.
Eu odeio picles…
Gerard suspirou. Ainda estava
com os nervos à flor da pele. Por pouco não tirou sua pistola,
que segurava por baixo da mesa. É que ele não conhecia o
jeitão de débil mental do Kenner tanto quanto eu. Mas tudo
bem. Gerard Guerin, apesar de encontrar-se emocionalmente abalado, era
um rapaz inteligente. Eu sabia que, mesmo na hora do aperto, ele não
faria nenhuma cagada. Pelo menos não enquanto eu estivesse ali.
Tenho absoluta certeza:
de todos nós que estávamos ali, eu era o mais calmo. Não
tenho dúvidas. Olhei para a mesa ao nosso lado. Thiago Highlin,
um negro alto e forte, suando como um porco, estava comendo desajeitadamente
um Big Mac, como uma criança mongol e obesa o faria: rapidamente,
deixando o recheio escorregar pelo outro lado. Ao seu lado, também
comendo a mesma bosta, estava Christian O’Brian, um sujeito de longos cabelos
loiros e óculos escuros, em que todos reparavam, pois ele estava
enfiado num terno, como se estivesse a trabalho naquele.shopping center
de Los Angeles, onde nos encontrávamos — era Sábado e feriado.
Acho que a palavra discrição para ele possuía
um sentido diferente. Esses são mais dois infelizes que conheci
nesta minha vida cheia de surpresas. Diga-se de passagem, que vida…
Olho para meu relógio.
Quinze para a uma. Está quase na hora. A porra desse McDonald’s
está lotado. Está uma calor desgraçado nesse lugar,
mesmo com o ar condicionada do shopping, devido ao incontável número
de pessoas que estão aqui. Maldito dia pra vir de sobretudo. Porra
fodida. E esse monte de gente continua vindo cegamente para esse lugar
lotado, quente como o inferno, só para comer um Big Mac no
McDonald’s. Que bando de fodidos… Este sanduíche parece que tem
soja dentro, e não carne! Como é que alguém pode comer
uma engrupição destas?
Dez pra uma. Kenner exibe
seu sorriso sarcástico; quer pedir mais um Big Mac. Todos nós
preocupados e esse louco querendo comer mais um desses sanduíches
de silicone… Já Gerard está nervoso demais; posso ver
seu olhar, como o de um menininho que se perde dos pais no meio do parque
no Domingo. Na mesa ao lado, aposto que Christian está louco pra
puxar um cigarro. Mas nem fumar nesse lugar pode…
Começo a me lembrar
então porque estamos aqui. Tudo começou em Dallas. Nosso
“chefe”, Wolfgang Krauser, relatou-nos o roubo de um importante projeto.
Parece que era pra construir um avião que pode entrar na água
e voar também, eu acho. Ah, mas você deve estar se perguntando
“que diabos esse cara tá falando?”. Permita-me que eu me apresente:
Sou John McMorus, um jovem médico. Há uns dois anos atrás,
uns caras entraram na minha casa enquanto eu comia sucrilhos e assistia
à final do Super Bowl, me encheram de porrada e me levaram semi
acoradado a uma antiga fábrica na periferia de Dallas. Fui apresentado
à Wolfgang Krause, um negro forte e careca (que, convenhamos, podia
ter escolhido um codinome menos chamativo para um negro). Ele me explicou
tudo: ali operava uma das bases da X-COM, um organização
para-gorvernamental, encarregada de solucionar casos não convencionais.
E que era melhor eu não perguntar mais nada; iria continuar levado
minha vidinha, mas, a cada vez que eles me chamassem, eu deveria atender
às suas missões. Coisa simples: seqüestro políticos,
queima de arquivos, roubo de informações… Claro que não
faço isso sozinho: esses que estão hoje aqui comigo passaram
pelas mesmas coisas que eu. Mais tarde, fiquei sabendo também que
essa X-COM é mesmo um negócio poderoso: vive de verbas fornecidas
por alianças secretas internacionais, cujo objetivo real desconheço.
Sei apenas que, se você está dentro, só sai morto —
meu caso e dos meus companheiros aqui.
Ainda faltam oito minutos…
Gerard ainda segura sua pistola sob a mesa colorida do McDonald’s. Kenner
chama um simpática jovem sorridente; a garçonete, presumo,
pelo seu uniforme de cores berrantes. Observo a entrada do McDonalds. Nenhum
sinal… Mas se bem que faltam alguns minutos para a hora marcada. Tudo bem.
Até agora, tudo tem saido bem. Perfeitamente bem.
— O que posso fazer pelos senhores ? pergunta a mim a jovem sorridente
que Kenner chamara.
— Meu amigo aqui quer mais um Big Mac — respondo. A jovem parece
gostar do meu sotaque inglês e ri. Me sinto ridículo sentado
ali, no meio daquele monte de homem, comendo sanduíches com gosto
de plástico.
— E o senhor, deseja algo?
— Vocês não vendem Budwiser, não é?
Fui sarcástico com
a moça, que retirou-se sem aquele seu sorriso forçado. Mudar
o estado de espírito dos outros era uma das minhas especialidades.
Acho que por isso os cabeças da X-COM me “contrataram”.
Novamente olho para o relógio.
Faltam menos de cinco minutos para a uma… Gerard verifica agora a maleta
em baixo da mesa, que ele segura com as pernas com tamanha força
que parece que ela poderia criar asas e fugir. É o estresse… Na
mesa ao lado, o negro Thiago derruba acidentalmente seu sanduíche
no chão, que é logo pisoteado por umas crianças choronas,
que lotam o lugar, levadas pelos pais. Crioulo burro…
Continuei observando o ambiente
à minha volta. Esse é meu meio para não ficar com
os nervos em frangalhos, como Gerard. Na entrada do McDonald’s, nem sinal
de nossos entregadores. Apenas via a figura de um palhaço
de papelão e meio metro de altura, o Ronald MacDonald,
com o slogan Peça pelo número 1 em seu peito, pendurado
na parede. Ao lado, a foto de um rapaz dentuço e de óculos
traz escrito Destaque do Mês. Destaque pelo quê? É
só esses caras sorrirem que isso aqui enche de gente, atrás
de sanduíches horríveis. Coisas do capitalismo…
Uma hora. O novo Big
Mac de Kenner chega. Gerard limpa o excesso de suor em sua testa. Na
mesa ao lado, o gerente fala com Christian (que segura um Malboro
entre os dedos) , mostrando a ele um cartaz Proibido Fumar. Olho
para a entrada. De figuras estranhas, só o palhaço Ronald
pendurado na parede e o garoto dentuço e de óculos; daqueles
que esperamos, nem sinal. Talvez eles se atrasem. Tudo bem… Exceto pelos
meus amigos, tenho todo tempo do mundo. A garçonete oferece McCookies
à Kenner, algo que parece mais com adubo do que biscoitos de chocolate.
Kenner não pede mais nada. Ótimo; sinal que ele está
deixando a loucura de lado e preocupando-se com nossa missão atual.
Eis que, de repente. quatro
homens de sobretudo negro entram no McDonald’s. Metem medo nas criancinhas.
Uma hora e dois minutos; chegaram, ainda que com um pouco de atraso. Neste
ramo, esses caras não costumam se atrasar. Três ficam do lado
de fora, observando nossas ações, enquanto um deles se aproxima
de nossa mesa. No caminho, ele fala com uma garçonete. “Peça
por um Big Mac”, lembro mentalmente de minhas palavras ao telefone
com esses caras, marcando o inusitado local de encontro onde estamos no
momento. Parece que o sujeito está fazendo tudo certo.
Já tendo nos reconhecido
— um bando de barbados comendo Big Mac —, o sujeito aproxima-se de nossa
mesa.
— E então? — ele pergunta.
— Muito bom esse Big Mac, respondi.
Ele senta-se, ao lado de Kenner. Olha friamente para mim e Gerard.
— Trouxeram?
— Primeiro o CD, respondi.
O homem coloca um pequeno
pacote em cima da mesa, que eu ponho logo no bolso do meu sobretudo. Sob
a mesa, Gerard empurra a maleta para os pés do homem, que a puxa
rapidamente para seu colo, começando a abrir suas travas — reação
que Gerard, Kenner e eu não esperávamos.
— Está tudo aí. Pode conferir.
Por baixo da minha calma
aparente, a adrenalina corria. Kenner exibiu novamente seu sorriso sarcástico.
Gerard segurou firme sua pistola sob a mesa, e olhou para mim como quem
diz Você se acha muito malandro, mas agora esses caras vão
nos pegar e foder nossos cuzinhos!. Na mesa ao lado, era possível
ver Christian e Thiago segurarem algo volumoso sob suas roupas. Acho que
todos nós sabíamos o que iria acontecer quando aquele cara
abrisse a maleta ali e encontrasse um monte de jornal no lugar de dois
milhões e meio de dólares.
— O quê??? Mas que palhaçada é essa???
— Pergunte a ele, disse eu, apontando para o palhaço de
papelão pendurado na parede.
No mesmo instante, os três
homens do lado de fora começaram a entrar, enfiando a mão
sob seus sobretudos. E antes que o homem na nossa mesa esboçasse
alguma reação, Kenner sacou sua pistola e estourou-lhe a
cabeça! Que filho da puta mais louco! Os miolos do sujeito voaram
num raio de dois metros, caindo no Big Mac de todos nós. A gritaria
e correria começaram, quando uma garçonete apontou para nós
e gritou o tradicional “slogan” criador de tumultos Ele tem uma arma!.
A confusão e gritaria começara. Levantamos. Os três
sujeitos sacaram Uzis e começaram a atirar em tudo. Com toda aquela
correria, um menininho que segurava um hamburguer na mão teve a
cabeça estourada, e um sujeito foi crivado de balas. Foi só
isto que eu vi antes de nós agirmos.
Aquela correria favorecia
a nossa ação. Gerard deu uma coronhada no alarme de incêndio
interno do MacDonald’s; a correria era agora generalizada, no shopping
inteiro; uma confusão muito maior — melhor para nós. Os sujeitos
não conseguiam mirar em nós por causa da multidão
que amontoava-se, tentando sair do lugar. Saquei minha pistola X-COM —
uma belezinha que fura carne e coletes à prova de balas com a mesma
facilidade. Um dos homens de sobretudo me viu. Joguei-me por cima de uma
garçonete e segurei-a firme, enquanto atirava com outra mão.
A infeliz foi fuzilada, mas balas de Uzi não atravessam um corpo,
ou seja; eu estava protegido. Disparei três tiros: o primeiro pegou
no ombro do cara, o segundo na cara feliz do Ronald MacDonald, e
o terceiro no peito do sujeito, saindo do outro lado, atingindo um pai
que corria com sua filha.
Ainda haviam mais dois,
que, quando viram seu companheiro morto, começaram a atirar em mim.
Mas subitamente vi um deles tomar um tiro no pescoço, indo ao chão
no mesmo instante. Tiago e Christian, claro. O único sobrevivente
hesitou entre atirar em mim ou mirar neles dois — o que foi seu erro fatal:
dois tiros da pistola de Christian acertaram o tronco do infeliz, e o rifle
do negro Tiago acertou a boca do sujeito, espirrando sangue do outro lado
suficiente para cobrir a foto do sujeito dentuço e de óculos
no Destaque do Mês.
Estava feito. Mas ainda
precisávamos escapar do lugar. Nos misturamos à multidão
que corria pelo shopping inteiro. A polícia estava começando
a chegar. Porém, fomos mais rápidos: saímos disfarçadamente,
entrando num falso camburão da polícia que tínhamos,
para sairmos sem levantar suspeitas.
É, não seria
aquele o dia em que iríamos morrer. Conseguimos completar mais um
dia do nosso outro trabalho. Só queria voltar pra Dallas logo, para
a minha vidinha comum, dirigindo o hospital que possuo aos meus jovens
vinte quatro anos. E rezar. Rezar para que meu telefone celular não
toque de novo tão cedo …