Artigos da Dra. Carla de J. Rodrigues, 10 de julho de 2001:
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Interpretando e destacando o aprendizado observado por Jean Piaget - parte II

Sumário:
Segunda parte da seqüência de matérias baseadas nos achados e conclusões de Piaget - A adaptação aos reflexos.

Mesmo os reflexos precisam de certa forma ser exercitados para que sejam adaptados verdadeiramente. Apesar de serem mecanismos fisiológicos hereditários, com automatismo imutável, são suscetíveis à acomodação gradual à realidade exterior. Um bom exemplo disso é o exemplo citado na primeira parte dessa seqüência, na edição de junho, mostrando que o bebê de coordenação lenta precisa de certo número de experiências para conseguir agarrar o mamilo da mãe eficazmente e só então ter deflagrado com sucesso o reflexo da sucção e deglutição. É o exercício que acarreta um funcionamento normal.

Aqui se mostra um dos aspectos da acomodação: o contato com o objeto, no caso o mamilo, modifica a atividade reflexa mesmo esta já sendo orientada para tal contato. É a partir disso que se conclui que mesmo um fator hereditário não dispensa a necessidade do contato com o objeto, não somente como estímulo deflagrador do reflexo mas como experiência favorável e estimuladora. Trata-se da relação com o meio externo, da visão da criança não como um pacote de comportamentos herdados ontogênicamente, mas de um desenvolvimento que depende muito do estímulo externo, na visão do psicólogo Winnicott, da "maternagem favorável", isto é, de um ambiente que facilitador e seguro para o desenvolvimento neuro-psico-motor da criança.

Uma das razões pelas quais os reflexos cessarem normalmente é a falta de um meio apropriado que os favoreça ou os incite.

Piaget salienta sobre isso o trabalho de Larguier Des Bangels que notou que se um bezerro for alimentado por mamadeira por 1 dia ou 2, dificilmente volta a mamar na vaca, similar ao bebê que se alimentado inicialmente com uma colher tem muita dificuldade em retornar à amamentação materna.

Ainda sobre o comportamento reflexo é curioso observar que quando a sucção é deflagrada sem ser acompanhada pela absorção-deglutição do leite, excitada somente pelo contato com a mama (e não no mamilo), o reflexo é suspenso; além do bebê continuar com uma busca até que se suceda a deglutição.

Essa busca sistemática da criança pelo mamilo pode ser explicada fisiológica e reflexamente, por somações de excitações e coordenações reflexas nos primeiros dias de vida do bebê e que posteriormente passa a ser um funcionamento contínuo. Novamente percebe-se que característica de acomodação sobre a atividade reflexa. Praticamente isso é evidenciado quando somente após a vivência da criança com a satisfação originada pelo mamilo, ela rejeita o dedo do pai ou o lençol que tocaram sua boca despertando o reflexo que é suspenso pela ausência da satisfação (deglutição).


Dra. Carla de J. Rodrigues; Fisiopediatria - Pesquisa em Saúde Infantil, São Paulo/SP, Brasil.
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