Estrela manhã
(Este é o nome de uma música, muito popular quando escrevi
esta página. Infelizmente, não consegui encontrá-la no formato midi. Acho
que tem tudo a ver...)

Como dois
náufragos, encontraram-se numa praia deserta.
E eram, de fato, náufragos; e a praia do mar
era, para eles, a praia da vida. Porque há raras oportunidades em que o oceano
da vida concede, aos seus navegantes, um rápido descanso, em uma praia
ocasional.
E, como quem naufraga e se agarra a qualquer
palha, agarraram-se às menores coisas, para que pudessem deixar de sentir o
próprio desejo de aturdir-se.
Um se agarrou aos olhos do outro, e cada um
procurou refúgio no som das palavras e na confusão dos pensamentos, para não
ouvir os seus sentimentos.
E o sol alternou céu e chuva, como querendo
compartilhar das suas certezas e dúvidas.
As bocas falaram de coisas que não precisavam
ser ditas, e os olhos disseram tudo que era preciso.
Confundiram as emoções no ruído do mar, e
reclinaram o cansaço da vida nas pedras que pontuavam de negro o branco da
areia.
E se entregaram e se possuíram, sem que entre
os corpos houvesse mais do que um casual e fugitivo encontro de mãos. E, nessa
entrega que desejavam total, cada um procurava resguardar-se, temendo o
sofrimento que vem da mesma doação que traz a felicidade.
Beberam cerveja, como se já não estivessem
embriagados da presença mútua; como se a sobriedade fosse uma espécie de muro
que os impedisse de romper o muro que eles mesmos erguiam entre si.
Molharam seus corpos, como se assim pudessem
lavar-se das idéias, dos conceitos e preconceitos, da disciplina que se haviam
imposto para sobreviver.
E conviveram com os outros, numa tentativa de
evitar a própria convivência, tão temida e necessária.
E, porque estavam felizes, todos os outros
eram bons; todas as pessoas sentiam a felicidade que os cercava e deles se
aproximavam, procurando absorver um pouco daquela felicidade. Como se a
felicidade fosse algo que se pudesse encontrar; que não estivesse dentro de cada
ser, em fugazes momentos de realização.
Apanharam pedras e búzios, porque eram
bonitos. E no desejo inconsciente de guardar uma lembrança material do dia em
que nada houve e foi como se houvesse tudo.
E – curioso! – justamente por nada ter
havido,a memória guardaria a lembrança, junto ao sonho de que tivesse havido
tudo.
Era mais que a realidade, por ser um sonho; e
era melhor que um sonho, por ser realidade. E o tempo rolou, como parte da
realidade, por sobre as ondas do sonho.
E terminou o tempo destinado ao sonho; mas
jamais terminaria o sonho, que não depende do tempo.
Mas, como o tempo terminou, eles se foram.
Embora não houvessem partido, pois as suas vibrações de certezas e dúvidas, de
medo e felicidade, ficaram gravadas: na areia, no vento, na luz do sol e no
próprio tempo que transcorreu naquele dia.
E assim, quando terminou o que não havia
começado, era na verdade o começo de algo que eles não conseguiriam terminar.
Porque o
homem pode dar fim a tudo, menos ao tempo e ao amor.

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Ilustração: foto de Isidro
Dias, no site 1000 imagens