Epicuro.
Para
Epicuro, o remédio que vai curar o homem dos males que o afligem, ou seja, dos
seus "medos", é a filosofia. A "doutrina" filosófica
epicurista vai dizer ao homem o quádruplo remédio que o possibilitará ter uma
vida serena e prazerosa:
*
Não há o que temer quanto aos deuses;
* Não há nada a temer quanto à morte;
* Pode-se alcançar a felicidade;
* Pode-se suportar a dor.
Portanto,
encontramos em Epicuro, uma proposta de busca de felicidade baseada na razão e
no amor e calcada no conhecimento filosófico. Esse pensamento, por ser de vital
importância ao homem de todos os tempos, sobreviveu através dos séculos, ora
elogiado, ora criticado. Mas, só precisa de remédio quem está doente. Epicuro
está doente, a Grécia de Epicuro está doente. Seria esta então a grande idéia
de Epicuro: a cura. Cura que se dá através de um projeto interior, capaz de
suportar tanto a doença física que o acometia (cálculo) e que o levou à
morte, quanto aos males que acometiam a Grécia dominada por Alexandre da Macedônia.
Epicuro prega a imperturbabilidade e a serenidade diante das adversidades, tanto
pessoais quanto sociais. Mas isso não se dá à maneira de Platão, que prega a
participação num processo coletivo de busca de bem e justiça.
Diz
Epicuro que, para suportar a "dor individual" é preciso ter em mente
os prazeres vividos no passado. A memória tem então, um papel fundamental
dentro desta ética, não só como possibilidade de reviver os momentos felizes,
mas também de preservar o saber adquirido através da filosofia e conseqüentemente
a liberdade dela advinda. Daí a importância de ler, escrever e conversar sobre
filosofia. Manter acesa a sabedoria, principalmente através da amizade que se
cria através de diálogos verdadeiros e uma convivência harmoniosa.
Para
suportar a "dor social", Epicuro recomenda o afastamento da política
e mazelas que dirigem um mundo determinado pelo medo, pelas injustiças, pela
pobreza, enfim, pela morte; e a edificação de uma "cidade interior",
livre das ilusões e das crendices e por isso, serena e livre. O homem deve
escolher entre felicidade ou política. É a oposição entre ética e política
para a construção de um projeto pessoal de substituição do mal pelo bem.
Podemos
concluir então que, para Epicuro, é perfeitamente possível ser sereno e feliz
em momentos de extrema adversidade. Basta usar o remédio certo, no caso, a
filosofia. Essa visão nos remete a uma atividade curativa e libertadora da
filosofia, pautada na lógica, na física e na ética, sendo as duas primeiras,
auxiliares da terceira na construção do entendimento e na vivência da
felicidade.
Tetraphármakon:
"Não há o que temer quanto aos deuses."
significa eliminar da vida
humana temores e crendices. Os deuses de Epicuro não participam dos conflitos
humanos, vivem a felicidade eterna, sem necessidade de julgar, condenar ou
absolver, por isso, não devem ser temidos. Devem sim ser imitados em sua
sabedoria e em sua serenidade, sem qualquer tipo de angústia ou medo.
"Não há nada a temer quanto à morte."
significa que não se deve temer o que não está presente e que quando estiver,
não estaremos mais aqui. Portanto a morte para Epicuro é a "privação da
sensibilidade", o que significa que não podemos senti-la. Sofrer ao esperá-la
constitui um erro e conseqüentemente a perda da serenidade.
"Pode-se alcançar a felicidade"
significa que o homem tem a vocação
para uma vida feliz. Não se deve privar dessa possibilidade pelas doenças do
corpo ou da alma. "Não sofrer no corpo, não ter a alma perturbada - eis a
fórmula epicurista da felicidade". É preciso transformar o tempo de vida
em tempo de felicidade. E a felicidade está exatamente no prazer e na
serenidade.
"Pode-se suportar a dor."
completa o tetraphármakon, mostrando
que, se a dor existe, deve ser curada, afastada através de mecanismos que o próprio
homem possui. Quando a dor é física, dever ser eliminada com a rememorização
de uma situação prazerosa do passado ou uma esperançosa do futuro. Isto se dá
no refúgio ao mundo interior, subjetivo e livre do tempo e do espaço. Quando a
dor é da alma, devem ser revistos os valores que orientam a vida. Após esse
redirecionamento e conseqüente eliminação de falsos temores, recupera-se a saúde
mental e a dor desaparece.
A
lógica que os epicuristas chamam de canônica é a ciência do critério, do
princípio e dos elementos. A idéia é a de que as noções vêm das sensações,
por isso não adianta refutá-las. Ao juízo, cabe a confirmação da sensação,
o que resulta na verdade, ou a o seu desmentido, o que resulta no erro (falácia).
Portanto, a sensação, enquanto fonte de todo conhecimento, constitui-se no
critério da verdade para Epicuro. Outro critério é prenoção,
ou seja, uma compreensão que se tem do já conhecido. Olhando um cavalo,
sabemos se é verdadeiramente um cavalo por já termos formada a opinião ou
conceito do que seja um cavalo. Portanto, opinar significa ter uma evidência
anterior, não só dos sentidos, mas também da apreensão mental. Esse processo
nos leva à indução das verdades.
É nesse ponto que a lógica epicurista subsidia sua ética quanto à recordação
dos momentos de prazer. A sensação de prazer pode retornar ao presente através
da memória, ou seja, é resgatada no tempo e vivenciada num momento de dor.
4. "Nada provém do nada nem se reduz ao nada."
Inspirado
em Demócrito, Epicuro apresenta em sua física algumas novidades que
possibilitam as mudanças que viabilizam uma ética não determinista. Ao supor
que os átomos possuem apenas qualidade intrínsecas à sua forma, com peso e
grandeza, e ao afirmar que essas qualidades mudam sem alterar a constituição
do átomo, ele possibilita o redirecionamento da vida interior do homem sem que
isto represente na perda da sua "normalidade". É no movimento contínuo
dos átomos e no vácuo criado pelo espaço entre eles sem oferecer resistência
que Epicuro explica o movimento encadeado dos corpos. O desvio (clinamem) dos átomos
possibilita os choques. Então Epicuro quebra a rigidez da fatalidade,
privilegiando o processo de liberdade que pode levar à felicidade.
Epicuro
acreditou em uma felicidade que flui de dentro do homem e, portanto, edificada a
partir de um processo de libertação interior que exclui da vida o medo e a
dor, causador muitas vezes pelo ritmo da sociedade atual.
Isso faz do epicurismo uma teoria atual. Vivemos presos, temos medo e sentimos
dor. Estamos impossibilitados pelo tempo e pelo espaço. A vida atual nos remete
a uma "morte" diária, com disse João Cabral: "de velhice antes
dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia".
Velhice causada pelos preconceitos, pelo trabalho alienado; emboscada que é própria
da sociedade capitalista, que oferece todas as possibilidades e ao mesmo tempo
exclui; de fome de entendimento, de aclaramento em relação ao que acontece no
mundo e de fome de mudança, de transformação.
Dentro de todas estas adversidades, o epicurismo propõe a edificação da
"cidade interior", onde nenhum tirano pode entrar, onde não existam
limites ou imposições a não ser as ditadas pela própria razão, soberana e
independente. Embora pareça uma fuga, uma acomodação, o epicurismo nos remete
a uma preparação. A um movimento revolucionário onde o principal objetivo é
assumir a verdadeira natureza humana, livre, autônoma e criativa. Essa revolução
interior prepara uma revolução maior, onde a harmonia será uma realidade e a
justiça uma possibilidade. E os homens viverão como os deuses, sábios e
felizes: serenos e com um imenso prazer.
Colaboração: Davidson Sepini -
Professor de Filosofia
PUC - Campus Poços de Caldas
Perguntas sobre Epicuro
1) Quais os quatro princípios básicos da doutrina de Epicuro?
2) Para Epicuro como se deve suportar a dor individual?
3) Por que não devemos temer os deuses e a morte?
4) Como alcançar a felicidade?
5) Por que para Epicuro a política é nociva ao homem?
6) A felicidade esta no interior ou no exterior do homem?
7) Por que devemos viver como os deuses?
8) Que falhas podemos encontrar na doutrina de Epicuro ?