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O verde contra-ataca
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09/06/2004 - Revista IstoÉ
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As iniciativas que ajudam a recuperar a Mata Atlântica,
uma das
cinco regiões naturais mais importantes do planeta, onde vivem
120 milhões de brasileiros e metade das espécies ameaçadas.
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Darlene Menconi – Aimorés (MG) |
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Erguida às margens
do rio Doce, na divisa de Minas Gerais com Espírito Santo, a cidade de
Aimorés forma um mosaico pálido de cores. Em seus campos e encostas, o
capim raposinho, avermelhado como um rabo de raposa, costuma arder como
brasa sob o sol escaldante, que beira os 40 graus. Forrados de minério de
ferro, os trens espalham uma poeira negra ao deslizar pelos trilhos que
cortam a cidade ao meio, em direção à Companhia Vale do Rio Doce. Aimorés
quase não tem sombra nem brisa, muito menos verde. É uma das cidades
mineiras mais ameaçadas de virar deserto, tamanho seu grau de degradação.
De longe, se observam as ranhuras no solo, como se fossem o sangue
escorrendo da terra pisoteada pelo gado. |
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Assim como os municípios
vizinhos de Governador Valadares e Colatina, Aimorés é um grande
exportador de brasileiros. Difícil achar, entre seus 22 mil habitantes,
quem não tenha um parente ou amigo vivendo legal ou ilegalmente nos EUA
ou na Nova Zelândia, o novo destino de quem busca uma oportunidade. Nem
sempre foi assim. Há 40 anos, Aimorés era grande produtora de arroz e
contava com 60 mil habitantes. O desgaste foi tão grande que dois terços
das árvores desapareceram e pouco restou da Mata Atlântica original.
Embora sejam os campeões em devastação, Minas Gerais e Paraná não
fogem à regra dos demais Estados brasileiros. Da extensa mata, que inclui
trechos de floresta densa, manguezais, restingas e araucárias, restaram
apenas 7% do que a esquadra de Pedro Álvares Cabral encontrou ao aportar
aqui, em 1500. |
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O ritmo da destruição
foi mais acelerado nas últimas décadas, alimentado pelo avanço das
cidades e favelas, pela agropecuária sem planejamento e a ocupação de
locais que, por lei, deveriam ser cobertos por vegetação permanente. São
eles as matas ciliares, que margeiam os cursos d’água, e o topo dos
morros, que funcionam como esponja ao filtrar a água das chuvas e manter
em equilíbrio a umidade natural do solo. Em uma década, de 1990 a 2000,
cerca de 900 mil hectares de verde vieram abaixo nos 3.406 municípios
onde há remanescentes da Mata Atlântica. De Norte a Sul do País, foi
devastada uma área equivalente a 61.454 estádios do Maracanã. Em alguns
pontos, no Nordeste, o que sobrou não chega a 2%. Pior é a situação
das florestas de araucária, árvore típica de uma reduzida faixa nos
Estados de Santa Catarina e Paraná, dos quais restou menos de 1%. |
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Terra
improdutiva – Salvo raras exceções, a devastação obedece a
um ciclo perverso que se processa em etapas e devora um campo de futebol a
cada quatro minutos. Com a abertura das estradas, primeiro chegam os
madeireiros, em busca de árvores nobres. Depois vêm os carvoeiros, que
ateiam fogo para “limpar” o que restou. Em seguida, o plantio varre os
terrenos, em geral com monoculturas regadas a agrotóxicos, cujo destino
final muitas vezes é o leito dos rios. Para fechar o ciclo vem a pecuária,
que estende um tapete de capim na terra para engordar o gado, que pasta até
o solo ficar impermeável, e improdutivo. Sem a vegetação para protegê-las,
as nascentes de água, quando resistem, tendem a diminuir sua vazão. O
resultado é um clima de sertão numa região antes temperada pelas chuvas tropicais. |
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O enredo se repete em
outros cantos do Brasil, quase sempre com final previsível, a morte
prematura da terra. Para provar que é possível reverter esse quadro, o
morador mais ilustre de Aimorés há quatro anos tenta reverter o rumo da
história. Com residência fixa em Paris, onde mora com a mulher, a
arquiteta Lélia Wanick, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado
comprou de sua família a Fazenda Bulcão, onde nasceu, há 60 anos. Ali,
fixou o Instituto da Terra, uma ONG que preside e tem entre seus
conselheiros o compositor Chico Buarque, o bibliófilo José Mindlin, o
escritor Fernando Moraes, o publicitário Washington Olivetto e o líder
do MST, João Pedro Stédile. Tião, como o fotógrafo é conhecido, quer
reescrever a história de Sebastião Salgado, seu pai, que passou a vida
derrubando a mata, assim como os demais fazendeiros da região, cuja
economia depende em 95% da pecuária. |
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“No começo, seu
Sebastião não gostou da idéia, mas depois ele até que vinha acompanhar
o projeto do Tião”, conta o agrônomo Jaeder Lopes Vieira, gerente
ambiental do Projeto Aimorés, cujos objetivos são a recuperação da
mata e a educação ambiental dos fazendeiros da vizinhança. Agora, o
Instituto Terra pretende repetir os casos de sucesso na redondeza. Tempos
atrás, a Fazenda Bulcão não tinha sequer meia dúzia de funcionários
para manter seu gado. Hoje, com o reflorestamento, o paisagismo e a
construção de suítes para os hóspedes, a fazenda emprega 60 pessoas. |
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Pressão
ruralista – O projeto se tornou um modelo por duas razões. Uma
por ter sido a primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)
criada em área degradada na Mata Atlântica. A outra porque seu programa
de replantio inspirou mais iniciativas no País. Hoje, metade dos
remanescentes da floresta original está em terras particulares. No
Brasil, há 500 mil hectares sob proteção em 624 RPPNs. Só na Mata Atlântica
são 70 mil hectares protegidos. Nem todos os proprietários podem se dar
ao luxo de replicar a experiência da Fazenda Bulcão, que deve recuperar
676 hectares, ao custo proibitivo de US$ 2.200 por hectare, que pode
chegar a US$ 6 mil, dependendo do estrago da terra. Até agora, o
Instituto Terra plantou 600 mil árvores nativas em um terço da
propriedade. Os vizinhos de Salgado estão de olho nos resultados. |
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Um dos interessados
em repetir a experiência são os índios da aldeia krenak, que sofrem com
a escassez, a aridez e a pobreza da terra improdutiva. “A Mata Atlântica
é um doente terminal com menos de 10% de chance de sobrevivência, que
necessita de cuidados urgentes para não morrer”, diz Mário Mantovani,
da SOS Mata Atlântica. Ele é um dos líderes da campanha pela aprovação
do Projeto de Lei que regulamenta o uso e a conservação da mata, que há
12 anos se arrasta no Congresso por causa da pressão dos ruralistas.
“Essa região concentra a maior parte da população brasileira e é a
que mais sofre. São 500 anos de exploração. Está na hora de tomar
medidas básicas”, reclama o procurador Alexandre Camanho, coordenador
de Unidades de Conservação do Ministério Público Federal. Entre elas,
o cumprimento da legislação e o aumento da fiscalização. |
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“Se tivesse mesmo
punição para quem não cumpre a lei, no dia seguinte o pessoal ia
aparecer aqui perguntando cadê as mudas para a gente plantar”, diz o técnico
agrícola Alfredo Toledo. Funcionário da Prefeitura de Aimorés, ele
presta consultoria na Fazenda Bulcão e é um exemplo vivo da mudança dos
tempos. Durante vários anos, ele trabalhou com o nivelamento de água
para irrigação. “Quantas lagoas e córregos a gente drenou nesses anos
todos! Hoje estou retornando para a natureza o que prejudiquei um tempão”,
declara. |
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Cinema
itinerante – Conservar a Mata Atlântica não é questão de
ideologia ou romantismo. Ao lado do Cerrado, a floresta atlântica está
entre os 25 pontos críticos para a preservação da vida na Terra. Esses
paraísos naturais, onde 75% da vegetação original já virou fumaça,
ocupam mísero 1,44% do planeta e abrigam três em cada cinco espécies de
animais e plantas. As iniciativas pela preservação mobilizam a
comunidade científica, e também instituições de fomento, como o Banco
Mundial, a Fundação MacArthur e o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF).
Juntamente com o governo do Japão, o grupo acaba de aprovar 18 projetos
prioritários para a conservação da Mata Atlântica. O Programa de Proteção
às Espécies deve distribuir US$ 8 milhões, em cinco anos, às
iniciativas de ONGs e empresas que apoiem pesquisas e produzam respostas
ou subsídios para a recuperação das espécies ameaçadas. Foram
contempladas 18 espécies em perigo. Entre elas, duas propostas com anfíbios,
três com aves, quatro com mamíferos, uma com invertebrados, uma com
peixes e quatro com espécies da flora. |
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Contribuições como
essas são comuns no mundo todo. A mais recente colaboração, de US$ 30
mil, saiu das mãos do ator Robin Williams, que doou o sistema de som, os
canhões de luz e as cortinas para o cinema-teatro que será inaugurado em
agosto, na Fazenda Bulcão, de Salgado. O projetor de filmes foi um
presente da cidade de Valência, na Espanha, mas ainda não chegou. O
resultado se vê na prática: Aimorés não tinha uma sala de cinema há
25 anos. Entre os planos do Instituto Terra está o cinema itinerante, que
levará a sala de projeção para os rincões áridos do Vale do Rio Doce,
na boléia de um caminhão. |
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“Ninguém vai dizer
que a gente não tem que cuidar do mico-leão-dourado, que é um indicador
de que o ecossistema natural mudou para sempre, mas nosso negócio é
preservar as pessoas”, conta Mantovani, da SOS. Ainda é embrionário o
conhecimento sobre a diversidade de espécies existentes no planeta.
“Nossa sofisticada ‘sociedade tecnológica’ do século XXI ainda está
na Idade das Trevas em termos de entendimento do resto da vida que divide
a Terra conosco”, diz o americano Russel Mittermeier, presidente da ONG
Conservação Internacional e integrante do conselho do Instituto Terra.
“A ciência até agora descreveu 1,5 milhão de espécies de criaturas
vivas, animais, plantas e microorganismos”, diz o cientista. Projeções
feitas nos últimos anos apontam para cinco milhões a 15 milhões de espécies,
que podem eventualmente chegar a um total de 100 milhões. A comunidade
acadêmica defende a criação de um sistema de valores econômicos que
reconheça a manutenção da vida na Terra, para estimular sua conservação. |
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Caso contrário, se
permitirmos esse “holocausto” biológico, como chama Mittermeier, será
a primeira vez na história do planeta que uma única espécie, o ser
humano, coloca em risco milhares de outras. O que sabemos dos cinco
grandes episódios de extinção em massa do passado pré-histórico é
que leva pelo menos cinco milhões de anos para consertar o estrago. É 20
vezes mais do que o tempo que o ser humano surgiu no planeta. Se não
fizermos nada e deixarmos milhares de animais e plantas sumirem da face da
Terra nas próximas décadas, o impacto será definitivo para as próximas
gerações. |
Dois alarmes já soaram. |
O primeiro foi a mudança climática. |
O outro, a qualidade e a quantidade de água. |
Chamada de ouro azul, ela
será o equivalente, no futuro, ao que o petróleo ainda é: |
fundamental
para as nossas vidas. |
*** |
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