Certo dia, um homem revoltado criou um poderoso e longo
pensamento de ódio, colocou-o numa carta rude e malcriada e
mandou-o para o chefe da oficina de que fora despedido.
O pensamento foi vazado em forma de ameaças cruéis. E quando o
diretor do serviço leu as frases ingratas que o expressavam,
acolheu-o, desprevenidamente, no próprio coração, e tornou-se
furioso sem saber por quê. Encontrou, quase de imediato, o subchefe
da oficina e, a pretexto de enxergar uma pequena peça quebrada,
desfechou sobre ele a bomba mental que trazia consigo.
Foi a vez do subchefe tornar-se neurastênico, sem dar motivo.
Abrigou a projeção maléfica no sentimento, permaneceu amuado
várias horas e, instante do almoço, ao invés de alimentar-se,
descarregou na esposa o perigoso dardo intangível. Tão só por ver
um sapato imperfeitamente engraxado, proferiu dezenas de palavras
feias; sentiu-se aliviado e a mulher passou a asilar no peito a odienta
vibração, em forma de cólera inexplicável. Repentinamente
transformada pelo raio que a ferira, e até ali ninguém soubera
remover, encaminhou-se para a empregada que se incumbia de
calçados e desabafou. Com palavras indesejáveis inoculou-lhe no
coração o estilete invisível .
Agora era uma pobre menina que detinha o tóxico mental. não
podendo despeja-lo nos pratos e nas xícaras ao alcance de suas
mãos, em vista do enorme débito em dinheiro que lhe seria
compelida a aceitar, acercou-se do velho cão, dorminhoco e paciente,
e transferiu-lhe o veneno imponderável, num pontapé de largas
proporções.
O animal ganiu e disparou, tocado pela mortífera, e, para livrar-se
desta, mordeu a primeira pessoa que encontrou na via pública.
Era a senhora de um proprietário vizinho que, ferida na coxa, se
enfureceu instantaneamente, possuída pela força maléfica. Em
gritaria desesperada, foi conduzida a certa farmácia; entretanto,
deu-se pressa em transferir ao enfermeiro que a socorria a vibração
amaldiçoada. Crivou-o de xingamentos e esbofeteou-lhe o rosto.
O rapaz muito prestativo, de calmo que era, converteu-se em fera
verdadeira. Revidou os golpes recebidos em observações ásperas, e
saiu, alucinado, para a residência, onde a velha e devotada
mãezinha o esperava para a refeição da tarde. Chegou e
descarregou sobre ela toda a ira de que era portador.
- Estou farto! - bradou- a senhora é culpada dos aborrecimentos que
me perseguem! Não suporto mais esta vida infeliz! fuja de minha
frente!...
Pronunciou nomes terríveis. Blasfemou. Gritou, colérico, qual louco.
A velhinha porém, longe de agastar-se, tomou-lhe as mãos e
disse-lhe com naturalidade e brandura:
Venha cá, meu filho! Você está cansado e doente! Sei a extensão de
seus sacrifícios por mim e reconheço que tens razão para
lamentar-se. No entanto, tenhamos bom ânimo!
Abraçou-o comovida, e afagou-lhe os cabelos!
O filho demorou-se a contemplar-lhe os olhos serenos e reconheceu
que havia no carinho materno tanto perdão e tanto entendimento que
começou a chorar, pedindo-lhe desculpas.
A projeção destrutiva do ódio morrera, afinal, ali, dentro do lar
humilde, diante da força infalível e sublime do amor.
Do livro: "Idéias e ilustrações"- Neio Lúcio: psicografia de F.C. Xavier
Colaboração de Lessandra M. Barros