PAI E FILHO
 
Escute, filho...
Enquanto falo isso, você está deitado, dormindo, uma mãozinha 
enfiada debaixo do seu rosto, os cachinhos louros molhados de suor 
grudados na fronte.
Entrei sozinho e sorrateiramente no seu quarto. Há minutos atrás, 
enquanto eu estava sentado lendo meu jornal na biblioteca, fui
assaltado por uma onda sufocante de remorso. E, sentido-me 
culpado vim para ficar ao lado de sua cama.
Andei pensado em algumas coisa, filho...
Tenho sido intransigente com você. Na hora em que se trocava para 
ir à escola, ralhei com você por ter atirado alguns de seus pertences 
no chão. Durante o café da manhã, também impliquei com alguma 
coisa. Você derramou o café fora da xícara. Não mastigou a comida. 
Pôs o cotovelo sobre a mesa. Passou manteiga demais no pão.
E quando começou a brincar e eu estava saindo para pegar o trem , 
você se virou, abanou a mão e disse: "Tchau, papai" e, franzindo o 
cenho, em resposta lhe disse: "Endireite esses ombros!"
De tardezinha tudo recomeçou. Voltei e quando cheguei perto de 
casa vi-o ajoelhado, jogando bolinha de gude. Suas meias estavam 
rasgadas. Humilhei-o diante de seus amiguinhos fazendo-o entrar na 
minha frente. "As meias são caras - se você as comprasse tomaria 
mais cuidado coma elas!" Imagine isso, filho, dito por um pai!
Mais tarde, quando eu lia na biblioteca, lembra-se de como me 
procurou, timidamente, uma espécie de mágoa impressa nos seus 
olhos?
Quando afastei meu olhar do jornal, irritado com a interrupção, você 
parou à porta: "O que é que você quer?" perguntei, implicando...
Você não disse nada, mas saiu correndo num ímpeto na minha 
direção, passou seus braços em torno do meu pescoço e me beijou... 
Seus braços foram se apertando com uma afeição pura que Deus 
fazia crescer em seu coração e que nenhuma indiferença conseguiria 
extirpar.
A seguir retirou-se, subindo correndo os degraus da escada. Bom, 
meu filho, não passou muito tempo e meus dedos se afrouxaram, o 
jornal escorregou por entre eles, e um medo terrível e nauseante 
tomou conta de mim.
Que estava o hábito fazendo de mim? O hábito de ficar achado erros, 
de fazer reprimenda.... Era dessa maneira que eu o vinha
recompensando por ser uma criança.
Não que não o amasse; o fato é que eu esperava demais da 
juventude. Eu o avaliava pelos padrões da minha própria vida. E 
havia tanto de bom, de belo e de verdadeiro no seu caráter. Seu 
coraçãozinho era tão grande quanto o sol que subia por detrás das 
colinas.
E isto eu percebi pelo seu gesto espontâneo de correr e de dar-me 
um beijo de boa noite. Nada mais me importa nesta noite, filho.
Entrei na penumbra do seu quarto e ajoelhei-me ao lado de sua 
cama, envergonhado!
É uma expiação inútil... Sei, se você estivesse acordado, não 
compreenderia essas coisas. Mas amanhã eu serei um papai de 
verdade!
Serei seu amigo, sofrerei quando você sofrer, darei risadas quando 
você sorrir. Morderei minha língua quando palavras impacientes quiserem sair pela minha boca. Eu irei dizer e repetir, com se fosse 
um ritual: "Ele é apenas um menino - um menininho!"
Receio que o tenha visto até aqui como um homem feito. Mas 
olhando-o agora, filho, encolhido e amedrontado no seu ninho,
certifico-me de que é um bebê. Ainda ontem esteve nos braços de 
sua mãe, a cabeça deitado no ombro dela. Exigi muito de você...
Exigi muito...


 (Autoria desconhecida)
Colaboração de Massao Okutagawa, de Santo André, São Paulo