CONVERSA INTIMA COMIGO MESMA...
 
Suponhamos que eu tenha nova oportunidade de começar tudo de novo. Volto ao  
útero da minha mãe e, no mesmo dia em que nasci, surjo novamente - não aos  
gritos, como da primeira vez -  mas com o espírito adulto e carregando na  
mesma  malinha  que levaram para a  maternidade com o meu enxoval, uma boa   
bagagem de experiências. Vou poder usá-las para mudar o que não foi bem feito  
e para manter o que foi bem escolhido: Vou passar por algumas situações e  
pular outras, que me desagradaram tanto. Vou tornar a conhecer quem me  
acrescentou e a  driblar quem me trouxe problemas:

Não vou mais me desgarrar da minha avó e quebrar meu dente, logo o da frente,  
fazendo estrepolias na grade em que ela me proibira de subir.  
  
Em compensação vou comer muito mais doces, porque agora que gosto deles, já  
não posso mais devorá-los, temendo ver a balança subir.  
  
Vou continuar a me comportar do mesmo jeito na escola, pois eu era feliz fazendo  
bagunças e sei que nunca mais poderei repeti-las, até por uma questão de preparo  
físico.
  
Nem vou dar bola para a freira que dizia que eu usava a inteligência para  escrever  
o que  não devia, pois foi aí que comecei a guardar  tudo  só para mim e não dei  
aos outros o prazer de me criticar.
  
Mas, podem ficar certos, de que vou continuar dançando, sem nem querer saber  
como uma  bailarina vai viver no Brasil.  

Vou continuar a enfiar os olhos das bonecas para dentro, só para pesquisar como  
eles foram postos ali.
  
Vou descer de carrinho de rolimã como um moleque  por todas as ladeiras das  
redondezas,  e com certeza me esborrachar nos gramados do alheio, mesmo  
correndo o risco de não ser mais considerada uma menina bem comportada.  
  
Juro que não vou mais pegar os biscoitos e o refresco do padre que rezava as  
missas no   meu colégio, pois não  consegui pagar até hoje a penitência enorme  
que ele me passou  quando soube do meu pecado  e porque os biscoitos não valeram  
a pena; estavam duros.
  
Não vou mais achar que meu pai estava errado quando me dava opiniões, pois hoje   
entendi o quanto ele estava certo e que eu o contestava por pura rebeldia de  
adolescente.
  
Não vou deixar de ir à praia um só dia deste "antigamente",  pois hoje ela está  
impraticável, com arrastões, pivetes e tiroteios.  
  
Vou muito mais ao cinema do que já fui, pois nunca mais vou poder assistir o  
Tom & Jerry no cinema, que foi vendido, descaracterizando a minha infância.
  
Vou ter o mesmo primeiro namorado -  pois ele tinha fama de louco - mas perto  
dos demais que conheci, era uma santa e divertida criatura, com quem curti uma  
fase inesquecível da minha vida.
  
Vou viajar muito mais enquanto as responsabilidades não são tantas, pois depois  
que  começam a aparecer entraves  é uma dificuldade poder arredar o pé de onde  
se está.
  
Não vou perder amigos antigos de vista, pois tenho muitas saudades deles e não  
sei onde encontrá-los.
  
Vou dizer muito mais às pessoas que amo, que eu as amo, pois acho que  tanto faz  
bem ouvir, quanto dizer.
  
Vou continuar a ter medo de bichos, pois isto me rendeu boas oportunidades de colo.
  
Não vou mais fugir de experiências novas tentando me proteger nem sei de que; mas  
vou  me proteger mais das mágoas que algumas pessoas me causaram, colocando-as no  
seu devido lugar antes que tenham chances de abusar da minha boa-fé.

Vou me dedicar mais às coisas de que gosto  e não levar tão a sério as de que não  
gosto tanto, só por compromisso ou responsabilidade.  
  
Vou ter mais carinho com determinadas pessoas, pois sei o quanto elas me fizeram  
ou vão me fazer  falta .

Não vou mais ter vergonha de cobrar o que me devem, se quem me deve não tem  
vergonha de me dever.
  
Vou repetir os mesmos "sacrifícios" que fiz por amor, pois quando a gente gosta tudo  
passa a ser prazer.

Não  vou mais ter medo dos meus medos e deixar de fazer coisas que eu adoraria ter  
feito, só para fugir deles.

Vou me dedicar mais às artes, vou escrever mais, dançar mais, ler mais, bagunçar mais    
e esquecer que existe a  contabilidade.  
  
Vou continuar achando que família dá trabalho, mas que faz falta quando não a temos.
  
Vou cultivar tudo o que tenho, pois nada dura muito tempo sem que cuidemos.
  
Não vou ter vergonha de desistir, repetir, tornar a fazer quantas vezes quiser as  
coisas que não deram certo ou de que não gostei, para ver se de outro jeito fica melhor.
  
Finalmente, vou dar a quem quiser a idéia  de fazer  uma lista destas, pois  se todos  
nós supuséssemos como seria a nossa vida se a tivéssemos encarado sem tantos  
preconceitos, talvez a aproveitássemos mais.
  



(Autor não mencionado)
Enviada por Elza Barôa


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