Não se matem...
Na manhã de domingo passado o destino consumou uma trama perversa
cujo significado o espírito humano jamais será capaz de decifrar:
depois de deixar minha mulher no aeroporto, quando voltava para
casa deparei com a cena de meu filho Ricardo, 19 anos, morto entre
as ferragens de sua Parati, na Av. Morumbi. (...)
A dor dessa tragédia tem de ser só minha e de minha família,
compartida, naturalmente, pelos amigos, todos tão solidários
conosco nesses dias de tristeza pungente. Minha intenção é, apenas,
oferecer um testemunho, com a pureza do meu coração. (...)
Centenas de vezes conversei com meu filho. Pedia-lhe que respeitasse
as regras do trânsito. Que nunca deixasse de usar cinto de segurança.
(...) O próprio Ricardo teve de socorrer amigos, vítimas de desastres
nas ruas de São Paulo. Duas vezes ele levou colegas acidentados ao
hospital. E a causa era sempre a mesma: ou a imprudência deles ou de
terceiros.
Na noite do acidente voltei a falar com o Ricardo. Ele ia encontrar
os amigos para comemorar a aprovação no vestibular. (...) Recomendei
o máximo cuidado no trânsito. Nos despedimos. Ele, contente da vida.
Merecidamente. Eu, apreensivo. Minhas derradeiras palavras foram um
apelo, não somente a ele, mas a todos da turma dele. Que tivessem
juízo na noite festiva e feliz que tinham programado. (...)
Quero, em nome de uma vida desperdiçada, apelar aos amigos do Ricardo
e a todos os adolescentes brasileiros. Pensem bem. Reflitam antes do
desafio da velocidade insensata. Da ultrapassagem suicida. Que nenhum
jovem se envergonhe de pegar um táxi depois da festa. (...) que não
se acanhe de ligar às 4 horas da manhã pedindo ao papai que venha
buscá-lo. Que faça como o americano que escolhe voltar para casa com
aquele amigo que não bebeu uma gota de álcool na festa.
Um país como o nosso precisa de sua juventude. Precisa de gente moça,
de sangue novo para salvar velhos ideais. Só assim chegaremos a
construir um país mais feliz. O Brasil que a minha geração,
desgraçadamente, não soube construir.
Amigos do Ricardo, vocês não podem infelicitar seus pais. Eles lutam
para dar a vocês um destino melhor do que o deles. Vocês não têm o
direito de atirar a própria vida contra as árvores das avenidas. Eu
disse isso a vocês quando o corpo do Ricardo ainda estava preso às
ferragens do carro. Vocês vieram me abraçar. Vocês choraram comigo.
Conforta sim, mas não basta. Eu hei de recuperar minhas forças, mas
alguma coisa precisa ser feita por vocês. Seremos um país sem futuro
se o futuro do país continuar a morrer, dilacerado, pelas ruas
violentas de nossas cidades.
Antonio Athayde
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