ERA UMA VEZ
 
Era uma vez um rico senhor, dono de terras e bens de valor incalculável. 
Vivia em seu palácio, rodeado por parentes, amigos e servidores. De coração 
puro e bom, jamais negou um alimento, um pouso, um  agasalho a quem lhe 
pedisse ajuda. Todos os dias orava a Deus, agradecendo por todos os bens 
recebidos, e acrescentava sempre: - "especialmente por aqueles que nem o 
tempo, nem a ferrugem ou traça destroem..." 
Do outro lado da aldeia vivia um pobre camponês. 
Habitava uma gruta e vivia do cultivo de hortaliças, que plantava à beira 
do córrego. Vendia seus produtos ao rico senhor e, cada vez que vinha ao 
palácio, retornava resmungando por entre os dentes: " - Meu Deus, porque ele 
tão rico e eu tão pobre. Que injustiça, Senhor ! Eu daria tudo para ter toda 
aquela fortuna!" 
O tempo passou. Um dia, mensageiros entraram a galope pelos portões do 
palácio, avisando que malfeitores estavam a caminho, provocando mortes e 
desordens por onde passavam. No mesmo instante, o bom Senhor preparou 
caravanas para levarem todos os habitantes do palácio a lugares mais seguros. 
Até que o último grupo saísse, os bandoleiros já se aproximavam - e nem um 
cavalo restava para que nosso amigo partisse. Nesse momento, ele se lembrou 
do vendedor de hortaliças a quem tantas vezes, auxiliara, e para sua gruta 
se dirigiu, apressadamente. 
Lá chegando, explicou o que acontecera, e pediu abrigo. 
O pobre homem, rapidamente, viu nessa hora a oportunidade de realizar seu 
sonho, e propôs : " - Eu divido contigo meu espaço, salvo-lhe a vida, se me 
deres todos seus bens, toda sua fortuna." 
Ao que o outro respondeu: " - Dou-lhe terras, tesouros, palácios, e tudo o 
que de material possuo." Imediatamente o acordo foi fechado. 
O nobre senhor entrou na caverna e repousou. O pobre-rico camponês, 
impaciente para se apropriar de tudo o que havia, facilmente, conseguido 
obter correu rumo ao palácio orando: " - Obrigado, meu Deus. Agora não me
queixo mais. Consegui o que queria. Agora não me revolto mais." 
Enquanto isso, na gruta, o outro orava: "- Meu Pai, mais uma vez lhe 
agradeço. Quantas vidas se salvaram, agora estão em local seguro. Logo que 
possa, irei me juntar aos familiares e amigos. Mas, caso isso não seja 
possível, obrigado ainda assim, Senhor. Restou-me um teto, alimento, terra 
para cultivar e saúde para trabalhar. Como sou feliz, meu Pai !
" Os malfeitores chegaram. Percorreram todas as alas do palácio, levaram 
algumas peças, destruíram outras, mas muita riqueza ainda restou. Porém, o 
novo proprietário fora surrado, maltratado e abandonado. 
Dias após, quando o tumulto cessou, o ex-proprietário foi ao palácio, 
levando o cesto de verduras para vender. Ao chegar, seu coração bateu forte, 
alegre. Os danos materiais foram tão reduzidos! " Que bom - pensou ele - o 
homem que lhe salvara a vida teria os tesouros que tanto desejava ! " 
Mas, ao percorrer as galerias do palácio, sua preocupação aumentou: poças 
de sangue marcavam sinistramente um caminho. Correu, acompanhando as marcas, 
até chegar ao rico salão, com piso de mármore e colunas decoradas a ouro e 
pedras preciosas. Lá estava o amigo camponês caído, semi-morto, cego, 
inválido e sozinho. Conseguiu toda riqueza com que sonhara, mas havia 
perdido a saúde, as oportunidades de usufruir do Dom da vida. 
Apesar de toda fortuna, não tivera, ao menos, quem o levasse ao leito quente 
e macio, lhe aliviasse as dores do corpo e da alma. Tomando ao colo aquele 
farrapo humano, o nobre-verdadeiro pensou: 
" Ainda sou o mais rico. Obrigado, Senhor ! "


Colaboração de Lúcia de Souza Franco -  Correio Fraterno do ABC


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